Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 346/2008, de 22 de Julho de 2008

Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 346/2008

Processo n. 256/08

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

A - Relatório

1 - O presidente da Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira, invocando o disposto no artigo 281., n. 2, alínea g), da Constituiçáo da República Portuguesa, requer a apreciaçáo e declaraçáo, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade dos artigos 117. e 118. da Lei n. 67 -A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008).

2 - O teor das normas em questáo é o que se segue:

Artigo 117.

Necessidades de financiamento das Regióes Autónomas

1 - As Regióes Autónomas dos Açores e da Madeira náo podem acordar contratualmente novos empréstimos, incluindo todas as formas de dívida, que impliquem um aumento do seu endividamento líquido.

2 - Podem excepcionar -se do disposto no número anterior, nos termos e condiçóes a definir por despacho do ministro responsável pela área das finanças, empréstimos e amortizaçóes destinados ao financiamento de projectos com comparticipaçáo de fundos comunitários.

3 - O montante de endividamento líquido regional, compatível com o conceito de necessidade de financiamento do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC95), é equivalente à diferença entre a soma dos passivos financeiros, qualquer que seja a sua forma, incluindo nomeadamente os empréstimos contraídos, os contratos de locaçáo financeira e as dívidas a fornecedores, e a soma dos activos financeiros, nomeadamente o saldo de caixa, os depósitos em instituiçóes financeiras e as aplicaçóes de tesouraria.

4562 Artigo 118.

Transferências orçamentais para as Regióes Autónomas

1 - Nos termos do artigo 37. da Lei Orgânica n. 1/2007, de 19 de Fevereiro, sáo transferidas as seguintes verbas:

a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

b) € 185 863 280, para a Regiáo Autónoma da Madeira.

2 - Nos termos do artigo 38. da Lei Orgânica n. 1/2007, de 19 de Fevereiro, sáo transferidas as seguintes verbas:

a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

b) € 24 394 555, para a Regiáo Autónoma da Madeira.

3 - Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

Os artigos 117. e 118. da Lei do Orçamento do Estado para 2008 padecem de inconstitucionalidade e de ilegalidade.

Foi violado o direito de audiçáo dos órgáos de governo das Regióes previsto na Constituiçáo e nos Estatutos e, no que especificamente respeita ao artigo 118. da Lei do Orçamento, foram ainda violados o artigo 118., n. 2, do Estatuto Político -Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira e o artigo 88., n. 2, da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado.

O Requerente tem legitimidade para pedir a declaraçáo de inconstitucionalidade e de ilegalidade das referidas normas orçamentais, uma vez que está em causa a violaçáo dos direitos das Regióes Autónomas e, ainda, do Estatuto Político -Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira.

A Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira náo foi devidamente ouvida no processo de aprovaçáo da Lei do Orçamento e houve, deste modo, ofensa do artigo 229., n. 2, da Constituiçáo, dos artigos 89. e seguintes do Estatuto da Regiáo Autónoma da Madeira e do artigo 4. da Lei n. 40/96, de 31 de Agosto, que regula a audiçáo dos órgáos de governo das Regióes Autónomas.

A votaçáo final global da Lei do Orçamento ficou concluída a 23 de Novembro de 2007. Ora a respectiva proposta só foi enviada para parecer da Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira em 16 de Novembro de 2007, tendo a sua efectiva recepçáo apenas ocorrido no dia 19 de Novembro de 2007. Antes que tivesse oportunidade de se pronunciar foi drasticamente surpreendida com a votaçáo final nos dias 22 e 23 de Novembro.

A Assembleia da República «no decurso do prazo concedido para a emissáo de parecer por parte da Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira e sem esperar por ele, inopinadamente efectuou a votaçáo na especiali-dade e encerrou a sua participaçáo no procedimento legislativo pela votaçáo final global da futura Lei do Orçamento do Estado para 2008».

Deste modo, foi atribuído, à Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira, um prazo de apenas 3 dias para se pronunciar, em manifesta violaçáo do prazo de 15 dias, conferido pela Lei n. 40/96, de 31 de Agosto, que lhe permitiria exercer devidamente o seu direito de audiçáo.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional é a este respeito clara. Os Acórdáos n.os 670/99 e 581/2007 postulam uma «consideraçáo substancialista do direito de audiçáo». E o Acórdáo n. 130/2006 confirma que a obrigatoriedade do direito de audiçáo náo pode ser convertida numa «formalidade sem sentido útil».

O artigo 118. da Lei do Orçamento do Estado viola a cláusula do náo retrocesso financeiro, consagrada no artigo 118., n. 2, do EPARAM, na redacçáo aprovada pela Lei n. 130/99, de 21 de Agosto.

De facto, o valor transferido em 2008, de € 185 863 280, é inferior ao que foi transferido em 2006, € 204 888 536. É verdade que tal valor é superior ao valor de € 170 895 000 transferido em 2007, mas este valor era «também ele inconstitucional».

Nem sequer se diga que o único padráo aferidor das relaçóes entre o Estado e as Regióes Autónomas é o constante da Lei das Finanças das Regióes Autónomas, Lei Orgânica n. 1/2007, de 19 de Fevereiro, que se aplicou retroactivamente - e também inconstitucionalmente - a partir de 1 de Janeiro de 2007.

É a própria Lei das Finanças das Regióes Autónomas que expressamente se subordina aos Estatutos Político-Administrativos.

O mesmo artigo 118. da Lei do Orçamento para 2008 viola, ainda, o artigo 88., n. 2, da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado.

Na verdade, o Programa de Estabilidade e Crescimento náo permite legitimar a reduçáo do valor das transferências orçamentais para as Regióes.

Basta ver que, por um lado, as transferências para os Açores aumentaram. De facto, «enquanto que os Açores receberam, em 2008 € 286 060 663 e em 2007 € 223 436 000, contra os € 210 066 776 de 2006, já a Madeira recebeu em 2008 € 185 863 280 e em 2007 € 170 895 000, contra os € 204 888 536 de 2006».

Por outro lado, é manifesto que o próprio Estado náo mostra capacidade para cumprir os parâmetros do Programa de Estabilidade e Crescimento, «bastando dizer, para o justificar, que para 2007 e em relaçáo a 2006, as despesas de funcionamento do Estado aumentaram 9,4 %, as despesas sobem 3,1 %, o serviço da dívida aumenta 16 % e os encargos financeiros da dívida pública aumentaram 8,1 %».

Assim, a reduçáo das transferências orçamentais para a Regiáo Autónoma da Madeira náo se pode justificar com base em tal Programa uma vez que o próprio Estado náo reduziu o seu passivo orçamental de modo a cumpri -lo.

Conclui, pois, o Requerente, pedindo ao Tribunal que declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade e a ilegalidade dos artigos 117. e 118. da Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n. 67 -A/2007, de 31 de Dezembro).

4 - Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54. e 55., n. 3, da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versáo (LTC), o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos, enviando, simultaneamente, cópia da documentaçáo relativa aos trabalhos preparatórios da Lei n. 67 -A/2007, de 31 de Dezembro - Orçamento do Estado para 2008 -, acompanhada de um índice detalhado.

5 - Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63. da LTC, e fixada a orientaçáo do Tribunal, procedeu -se à distribuiçáo do processo, cumprindo agora dar corpo à decisáo.B - Fundamentaçáo

6 - A questáo da legitimidade do requerente.

Nos termos do disposto na alínea g) do n. 2 do artigo 281. da Constituiçáo da...

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