Acórdão n.º 456/93, de 09 de Setembro de 1993

Acórdão n.° 456/93 - Processo n.° 422/93 (plenário) Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I 1 - O Presidente da República requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 278.°, números 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.°, n.° 1, e 57.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação preventiva da constitucionalidade do artigo 1.°, números 1, 2 e 3, alínea a), e do artigo 3.°, números 1 e 2, do decreto n.° 126/VI da Assembleia da República, aprovado com a expressa invocação dos artigos 164.°, alínea d), 168.°, n.° 1, alíneas b), c), d) e q), e 169.°, n.° 2, da CRP, subordinado à epígrafe 'Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira'.

O documento deu entrada nos serviços da Presidência da República em 19 de Julho de 1993 e o requerimento data do dia 23 seguinte, pelo que o pedido se mostra tempestivo.

2 - Fundamenta o pedido nos seguintes termos: 1 - O artigo 1.°, números 1, 2 e 3, alínea a), do decreto em apreço, confere directamente à Polícia Judiciária competência para, por iniciativa própria, realizar 'acções de prevenção' relativas a determinados tipos de crimes, compreendendo, entre outros, 'a recolha de informação relativamente a notícias de factos que permitam fundamentar suspeitas susceptíveis de legitimarem a instauração de procedimento criminal'.

2 - Da conjugação destas normas com o disposto no artigo 3.°, números 1 e 2, do mesmo decreto poderá resultar que, sob a designação eufemística de 'acções de prevenção', se esteja a conferir à Polícia Judiciária competência legal originária para, com total autonomia, realizar actividades de investigação visando o apuramento da eventual prática de crimes das espécies enunciadas nas várias alíneas do n.° 1 do artigo 1.° e determinar os seus agentes e a respectiva responsabilidade, reconduzindo-se, assim, a 'recolha de informação' a uma 'descoberta e recolha de provas', que poderá incidir mesmo sobre suspeitos bem determinados e desencadear, a qualquer momento, uma vez recolhidos elementos que confirmem a suspeita de crime, a instauração de um processo criminal.

3 - Assim sendo, e na medida em que as chamadas 'acções de prevenção' se possam reconduzir a uma actividade policial materialmente processual de natureza investigatória e até, em situações limite, de natureza instrutória, não sujeita à direcção e à dependência funcional das autoridades judiciárias competentes, coloca-se a dúvida de saber da conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 1.°, números 1, 2 e 3, alínea a), e 3.°, números 1 e 2, do decreto em apreciação face ao disposto nos artigos 32.°, números 1 e 4, 221.°, n.° 1, e 272.°, n.° 3, da Constituição; 3 - Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.° e 55.°, n.° 3, da Lei n.° 28/82, o Presidente da Assembleia da República respondeu em momento oportuno, oferecendo o merecimento dos autos.

4 - Cumpre, por conseguinte, apreciar, em sede de fiscalização preventiva, a adequação constitucional dos mencionados artigos 1.°, números 1, 2 e 3, alínea a), e 3.°, números 1 e 2, do decreto n.° 126/VI da Assembleia da República.

II 1 - O texto apresentado pelo Presidente da Assembleia da República ao Presidente da República, para efeitos de eventual promulgação, entronca directamente na proposta de lei n.° 60/VI, que se encontra publicada no Diário da Assembleia da República, 2.' série-A, n.° 35, de 22 de Maio de 1993.

Discutido na generalidade na sessão plenária de 3 de Junho último (citado Diário, 1.' série, n.° 79, de 4 desse mês), foi o mesmo votado, na generalidade, na sessão do dia 8 (cf. o n.° 81 da 1.' série, de 9 de Junho, do mesmo jornal oficial), após o que, aprovados todos os artigos, na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e rejeitados dois requerimentos de avocação de artigos pelo Plenário, se procedeu à votação global final do texto elaborado pela Comissão, o que ocorreu na reunião plenária de 2 de Julho, colhendo os votos favoráveis do PSD e os votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do deputado independente Mário Tomé, consoante se apura do citado Diário, 1.' série, n.° 92, de 3 de Julho último.

O relatório e parecer da referida Comissão encontram-se, por sua vez, publicados na 2.' série-A, n.° 38, do Diário da Assembleia da República, de 5 de Junho de 1993.

2 - Dispõem os preceitos em análise: Artigo 1.° Acções de prevenção 1 - Compete ao Ministério Público e à Polícia Judiciária, através da Direcção Central para o Combate à Corrupção, Fraudes e Infracções Económicas e Financeiras, realizar, sem prejuízo da competência de outras autoridades, acções de prevenção relativas aos seguintes crimes: a) Corrupção, peculato e participação económica em negócio; b) Administração danosa em unidade económica do sector público; c) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; d) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática; e) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional; 2 - A Polícia Judiciária realiza as acções previstas no número anterior por iniciativa própria ou do Ministério Público.

3 - As acções de prevenção previstas no n.° 1 compreendem, nomeadamente: a) A recolha de informação relativamente a notícias de factos que permitam fundamentar suspeitas susceptíveis de legitimarem a instauração de procedimento criminal; ...........................................................................................................................

Artigo 3.° Procedimento criminal 1 - Logo que, no decurso das acções descritas no artigo 1.°, sejam recolhidos elementos que confirmem a suspeita de crime, é instaurado o respectivo procedimento criminal.

2 - Com vista à instauração do respectivo procedimento criminal, logo que, nos mesmos termos, sejam recolhidos, pela Polícia judiciária, elementos que confirmem a suspeita de crime, será feita a comunicação e a denúncia ao Ministério Público.

3 - Para a entidade requerente, as normas transcritas, conjugadamente, suscitam dúvidas quanto à sua conformidade constitucional, tendo presente, para o efeito, o disposto nos artigos 32.°, números 1 e 4, 221.°, n.° 1, e 272.°, n.° 3, da CRP.

Convirátranscrevê-los: Artigo 32.° Garantias de processo criminal 1 - O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.

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4 - Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.

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Artigo 221.° Funções e estatuto 1 - Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.

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Artigo 272.° Polícia ...........................................................................................................................

3 - A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

...........................................................................................................................; 4 - Consigne-se, desde já, não se encontrar o Tribunal, nos limites do pedido, sujeito à fundamentação invocada, de acordo com o disposto no artigo 51.°, n.° 5, da Lei n.° 28/82, apreciando com larga elasticidade, como escreve Gomes Canotilho, a relação de conformidade ou desconformidade das normas impugnadas com o parâmetro normativo-constitucional (Direito Constitucional, 5.' ed. Coimbra, 1991, p. 1047).

III 1 - Na linha do Programa do XII Governo Constitucional, a terceira das Grandes Opções do Plano para 1993, aprovadas pela Lei n.° 30-B/92, de 28 de Dezembro, foi concebida com vista a assegurar a coesão social e o bem-estar dos Portugueses.

No que propriamente à política da justiça respeita, previu-se uma actuação promotora do 'empenhamento permanente nas acções de prevenção e repressão da criminalidade, elegendo-se como áreas de intervenção preferenciais as do combate à criminalidade violenta e organizada, o tráfico de estupefacientes, a corrupção e as fraudes antieconómicas' (cf. o anexo à citada lei).

Para lhe dar concretização, apresentou o Governo à Assembleia da República, num primeiro momento, e de harmonia com o disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da CRP, uma proposta de lei destinada a ser-lhe credenciada iniciativa legislativa relativa ao combate à corrupção e à criminalidade económica, financeira e fiscal (cf. o artigo 1.° do texto, que viria a constituir a proposta de lei n.° 48/VI, e se encontra publicado no Diário da Assembleia da República, 2.' série-A, n.° 22, de 27 de Fevereiro de 1993.) Sublinhou-se, então, na respectiva exposição de motivos, a necessidade de promover as medidas e potenciar os instrumentos susceptíveis de garantirem maior eficácia na prevenção e na repressão de tipos de criminalidade subtraída, pela sua natureza específica, ao figurino convencional, a implicar não só a conveniência em se adoptarem actuações mais adequadas como, igualmente, melhor articulação por banda dos organismos vocacionados para essas tarefas.

O Ministro da Justiça, ao intervir no Parlamento para a apresentação do texto e a sua justificação, salientou, além do mais, o desvalor ético especialmente censurável que a criminalidade na área económica encerra, 'seja pela qualidade do agente, seja pelo seu estatuto pessoal e social, seja ainda pelos propósitos que conduzem à prática do crime', do...

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