Acórdão n.º 144/85, de 04 de Setembro de 1985

Acórdão n.º 144/85 Processo n.º 74/85 1 - Um grupo de 29 deputados à Assembleia da República requereu em 3 de Maio do ano corrente - com carácter urgente -, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das alíneas b), c), d) e e) do artigo 17.º da Lei n.º 2-B/85, de 28 de Fevereiro (Orçamento do Estado para 1985), 'por as mesmas violarem frontalmente as disposições constitucionais relativas à elaboração e alteração do Orçamento do Estado, designadamente os artigos 108.º e 164.º, alínea g), da Constituição'. Com efeito - diz-se no respectivo requerimento -, 'as normas em referência conferem ao Governo, ilimitadamente, poderes que em qualquer caso só à Assembleia da República cabem e tornam precária, susceptível de alteração à revelia do único órgão para o efeito competente, a repartição das verbas respeitantes aos diversos tipos de despesas públicas, o que converte o Orçamento do Estado numa vasta soma de verdadeiras dotações provisionais, livremente alteráveis pelo Governo'.

Notificada a Assembleia da República, em cumprimento do determinado no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, para se pronunciar sobre o pedido, limitou-se o Exmo. Presidente a oferecer o merecimento dos autos e a remeter, para ser junta, uma fotocópia do Diário da Assembleia da República, 1.' série, n.º 48, de 16 de Fevereiro de 1985, donde consta a discussão travada no seio desse órgão de soberania sobre a matéria submetida à apreciação deste Tribunal.

Distribuído o processo na sessão de 28 de Maio, cumpre decidir.

2 - É o seguinte o teor do artigo 17.º da Lei n.º 2-B/85, de 28 de Fevereiro (Orçamento do Estado para 1985), na parte que aqui interessa: Artigo 17.º (Alterações orçamentais) 1 - Na execução do Orçamento do Estado para 1985, o Governo é autorizado, precedendo concordância do Ministro das Finanças e do Plano, a: [...] b) Transferir, quer dentro do orçamento de cada ministério ou departamento, quer do orçamento de um ministério ou departamento para outro, independentemente da classificação funcional, as verbas respeitantes a 'Investimentos do Plano'; c) Transferir verbas entre o capítulo 'Investimentos do Plano' e os restantes capítulos do Orçamento do Estado, quando, na execução orçamental, o enquadramento das respectivas despesas se mostrar inadequado; d) introduzir no mapa VII do Orçamento do Estado as alterações que se tornem necessárias à elaboração e plena execução do PIDDAC; e) Ajustar, através de transferência e independentemente da classificação funcional, as dotações respeitantes a subsídios às empresas públicas e aumentos de capital constantes do orçamento do Ministério das Finanças e do Plano; [...] Diga-se desde já que as alíneas em questão reproduzem textualmente o texto correspondente da proposta de lei apresentada pelo Governo (Diário da Assembleia da República, 2.' série, n.º 39, de 12 de Janeiro de 1985).

Segundo os requerentes, tais normas violam 'as disposições constitucionais relativas à elaboração e alteração do Orçamento do Estado, designadamente os artigos 108.º e 164.º, alínea g), da Constituição da República'.

De acordo com a alínea g) do artigo 164.º, compete à Assembleia da República 'aprovar a lei do Plano e o Orçamento do Estado'.

Por seu lado, o artigo 108.º, subordinado à epígrafe 'Orçamento', dispõe o seguinte: 1 - O Orçamento do Estado contém: a) A discriminação das receitas e despesas do Estado; b) O orçamento da segurança social.

2 - O Orçamento é elaborado de harmonia com as opções do Plano e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.

3 - A proposta de orçamento é apresentada pelo Governo e votada na Assembleia da República, nos termos da lei.

4 - A proposta de orçamento é acompanhada de relatório justificativo das variações das previsões das receitas e despesas relativamente ao Orçamento anterior e ainda de relatórios sobre a dívida pública e as contas do Tesouro, bem como da situação dos fundos e serviços autónomos.

5 - O Orçamento é unitário e específica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos.

6 - O Orçamento deve prever as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, bem como as condições de recurso ao crédito público.

7 - A proposta de orçamento é apresentada e votada nos prazos fixados por lei, a qual prevê os procedimentos a adoptar quando aqueles não puderem ser cumpridos.

8 - A execução do Orçamento será fiscalizada pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, que, precedendo parecer daquele Tribunal, apreciará e aprovará a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social.

Importa então ver se algum destes preceitos foi violado.

2.1 - A Constituição de 1933 atribuía à Assembleia Nacional competência para 'autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, definindo na respectiva lei de autorização os princípios a que deve ser subordinado o Orçamento, na parte das despesas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes' (artigo 91.º, n.º 4, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 1885, de 23 de Março de 1935).

A Constituição de 1976 veio distinguir entre lei do orçamento e Orçamento. A lei do orçamento, a votar anualmente pela Assembleia da República, devia conter: a) a discriminação das receitas e a das despesas na parte respeitante às dotações globais correspondentes às funções e aos ministérios e secretarias de Estado; b) as linhas fundamentais de organização do orçamento da segurança social [n.º 1 do citado artigo 108.º e artigo 164.º, alínea g), na sua primitiva redacção]. O Orçamento Geral do Estado era elaborado pelo Governo, de harmonia com a lei do orçamento e o Plano e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato (n.º 2 do mesmo artigo 108.º).

Depois da revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro), a Assembleia da República passou a aprovar o próprio Orçamento do Estado, sob a forma de lei [artigo 108.º, n.º 3, atrás transcrito, e artigos 164.º, alínea g), e 169.º, n.º 2, na sua versão actual].

A Constituição de 1933 atribuía, portanto, à Assembleia Nacional poderes apenas para votar a lei de autorização das receitas e despesas (lei de meios).

Com a Constituição de 1976 fez-se a distinção entre a lei do orçamento e Orçamento, competindo à Assembleia da República votar somente a lei do orçamento, que todavia não era uma simples lei de autorização de receitas e despesas, visto que continha as verbas das receitas e das despesas, aquelas discriminadas a nível em grande parte dos artigos e estas a nível dos departamentos do Estado. A revisão constitucional veio reforçar os poderes da Assembleia, que passou a votar o próprio Orçamento, em vez da lei do orçamento.

A este propósito escreveu o Prof. J. J. Teixeira Ribeiro, As Alterações à Constituição no Domínio das Finanças Públicas, separata do Boletim de Ciências Económicas, vol. XXVI, 1983, n.º 2: A Assembleia da República - diz a Constituição (artigo 150.º) - é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses. Ora, se se quer que os cidadãos portugueses, através dos seus representantes, se pronunciem sobre o destino que o Estado dá ao dinheiro que lhes leva, não há dúvida de que não basta a Assembleia votar apenas a lei do orçamento, nos termos do primitivo artigo 108.º; é preciso que ela vote o próprio Orçamento, como sucede agora.

Eis a lógica da grande mudança que o artigo sofreu.

Sobre estes diferentes regimes podem ver-se ainda: Prof. Doutor A. L. de Sousa Franco, 'A revisão da constituição económica' (in Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, 1982, p. 601), n.º 4, b), e 'Sobre a constituição financeira de 1976-1982' (in Estudos, vol. I, 1983, do Centro de Estudos Fiscais, XX Aniversário, p. 65), n.os 5.1 a 5.4; António Bernardo A. da Gama Lobo Xavier, 'Enquadramento orçamental em Portugal: alguns problemas' (in Revista de Direito e Economia, ano IX, 1983, p. 221), n.os 1 e 2; Prof. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 2.' ed., 1984, n.os 4, 7 e 8; Luís S.

Cabral de Moncada, Perspectivas do Novo Direito Orçamental Português, 1984, n.º 3, e ainda J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.' ed., 1984, n.º VII das anotações ao artigo 108.º 2.2 - O Orçamento é um...

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