Relatório n.º 8/2021

Data de publicação07 Setembro 2021
Gazette Issue174
SectionSerie II
ÓrgãoAutoridade da Concorrência
N.º 174 7 de setembro de 2021 Pág. 101
Diário da República, 2.ª série
PARTE E
AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA
Relatório n.º 8/2021
Sumário: Relatório de Atividades, Gestão e Contas de 2020.
PRIMEIRA PARTE
Relatório de Atividades
I — Introdução
1 — Sumário Executivo
O ano de 2020 ficará sempre marcado como um ano atípico na vida das pessoas, dos paí-
ses, das organizações. Mas a capacidade para prosseguir a sua atividade sem disrupções ficará
também na história da Autoridade da Concorrência (AdC). Logo aquando da primeira declaração
do Estado de Emergência, a AdC assegurou aos portugueses que se iria manter “particularmente
vigilante na missão de deteção de eventuais abusos ou práticas anticoncorrenciais que explo-
rem a atual situação, em detrimento das pessoas e da economia, por exemplo, em matéria de
combinação de preços ou de repartição de mercados”. Alertou ainda para o facto de “a adoção
de práticas restritivas da concorrência no atual contexto difícil tender a agravar a situação das
famílias e da economia”.
Precisamos de mais, não menos concorrência para que a recuperação económica seja uma
realidade após uma crise de dimensões ainda indefinidas. Será pela concorrência entre as em-
presas, pela sua capacidade de conquistar clientes através do mérito, pela entrada nos mercados
de novos e mais ágeis operadores, não restringidos por barreiras artificiais, que os benefícios de
mais inovação, de mais investimento, de empresas mais resilientes e competitivas, de mais em-
prego, numa economia robustecida se farão sentir. É nesta medida que a AdC se assume como
um indutor da retoma.
Durante o ano de 2020, a AdC tomou decisões históricas quer pelo ineditismo das práticas
anticoncorrenciais em causa quer pela atenção a setores com grande impacto direto nas famílias,
como o da grande distribuição alimentar, em linha com as orientações de Política de Concorrência
estipuladas para 2020.
A AdC aplicou coimas no valor total de cerca de 304 milhões de euros, em dois processos
de contraordenação, a seis cadeias de supermercados, a dois fornecedores de bebidas e a dois
responsáveis individuais, por concertarem, de forma indireta, os preços de venda daqueles pro-
dutos, em prejuízo do consumidor.
Trata -se das duas primeiras condenações em Portugal por práticas concertadas de fixação
indireta de preços entre empresas de distribuição através da coordenação por fornecedores, prática
conhecida como hub-and-spoke.
Também pela primeira vez, a AdC abriu um processo por um acordo de não -angariação
ou no-poach, tendo por visada a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) à qual impôs
desde logo uma medida cautelar, ordenando a suspensão imediata da deliberação emitida pela
instituição que impedia a contratação pelos clubes da Primeira e Segunda Ligas de futebolistas
que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho invocando questões provocadas pela
pandemia de Covid -19.
Através de acordos de não -angariação, as empresas abstêm -se de contratar os trabalhadores
umas das outras, deste modo renunciando à concorrência pela aquisição de recursos humanos,
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PARTE E
para além de privarem os trabalhadores da mobilidade laboral. Trata -se de uma intervenção em
matérias relacionadas com o mercado laboral puníveis nos termos da Lei da Concorrência.
Estes acordos podem surgir em qualquer setor de atividade económica e têm impacto nos
mercados de trabalho, resultando numa redução do poder negocial dos trabalhadores face aos
empregadores. Nessa medida, os acordos de no-poach podem ter como potencial efeito a redução
do nível salarial dos trabalhadores, assim como privar os trabalhadores de mobilidade laboral.
Em 2020, a AdC concluiu com a última decisão sancionatória o processo relacionado com
um cartel na contratação pública de serviços de manutenção ferroviária, que teve origem numa
denúncia apresentada no âmbito da Campanha de Combate ao Conluio na Contratação Pública,
outra das prioridades definidas para o ano.
O conluio entre concorrentes a concursos de contratação pública é particularmente grave,
ao manipular o resultado de processos concursais lesando o Estado e, consequentemente, os
contribuintes. Tendo em conta a gravidade das práticas, a AdC aplicou uma sanção de inibição
de participação em concursos públicos por dois anos a duas das empresas visadas no processo.
Outro dos processos que culminou com aplicação de coima por uma prática anticoncorren-
cial com largo impacto nos consumidores foi o cartel entre a MEO — Serviços de Comunicações
e Multimédia, S. A. e a Nowo Communications. A AdC condenou a MEO ao pagamento de uma
coima de 84 milhões de euros, enquanto a NOWO ficou dispensada do pagamento da coima por
ter feito um pedido de clemência, tendo assumido a sua responsabilidade, apresentado prova e
colaborado com a AdC.
As cinco decisões condenatórias que a AdC adotou em 2020 resultaram num total de coi-
mas de 393,2 milhões de euros. As coimas aplicadas pela AdC estão essencialmente ligadas ao
volume de negócios das empresas nos mercados afetados pelas práticas em causa, nos termos
da lei da Concorrência, sendo aplicadas no quadro de uma política sancionatória que procura
atender às exigências de prevenção, ou seja, que visa dissuadir as empresas de violar as regras
de concorrência, em benefício de todos.
Além destas decisões finais, a AdC adotou durante o ano de 2020 quatro notas de ilicitude
(acusações) pela prática já mencionada de “hub-and-spoke” entre várias cadeias de supermercados
e fornecedores de produtos de cosmética, higiene pessoal e beleza, vinhos e bebidas brancas,
bebidas não -alcoólicas e alcoólicas, bolos, pães pré -embalados e substitutos de pão, num largo
espetro de produtos de utilização quotidiana. A AdC emitiu igualmente uma acusação de cartel entre
operadores de telecomunicações na publicidade on-line, outra por um acordo de não -concorrência
firmado por operadores na prestação de serviços de gestão de resíduos e uma última por fixação
de preços dos serviços de topografia por uma associação de empresas.
Na área do controlo de operações de concentração de empresas, a AdC adotou, durante o
ano de 2020, um total de 50 decisões finais, tendo sido notificadas, nesse mesmo período, um
total de 50 operações de concentração. Neste período, o tempo médio de decisão para operações
simples foi de 33 dias corridos, apesar do contexto pandémico, em linha com o objetivo operacional
estabelecido de assegurar um controlo eficaz e célere das operações de concentração.
Neste âmbito, a AdC proibiu a operação que envolvia a aquisição pela Rodoviária da Beira
Interior, do grupo Transdev, do controlo exclusivo do Grupo Fundão, bem como das concessões
de serviço público de transporte rodoviário por este exploradas.
A AdC analisou a operação sob o prisma do seu possível impacto nos concursos para a
adjudicação do direito de exploração do serviço de transporte rodoviário (pesado) regular de pas-
sageiros, a lançar pelas Autoridades de Transporte que têm competência nos territórios em que
o Grupo Fundão opera.
A AdC proibiu a operação porque a integração do Grupo Fundão na Transdev redundaria em
entraves significativos à concorrência efetiva, com prejuízos potencialmente significativos para as
entidades adjudicantes e para os utentes do transporte rodoviário pesado de passageiros.
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PARTE E
Durante o ano de 2020, 96 % das operações de concentração notificadas à AdC foram apre-
sentadas através do Sistema de Notificação Eletrónica de Operações de Concentração (SNEOC),
uma ferramenta essencial na prestação de serviços públicos de excelência, tendo a utilização
desta ferramenta aumentado face ao ano anterior.
Durante o ano de 2020 a AdC continuou a desenvolver esforços no sentido da deteção de
operações de concentração não notificadas, em linha com os objetivos operacionais definidos para o
ano. Nesse sentido, foram abertos dois inquéritos contraordenacionais no decurso do ano de 2020,
um deles na área da saúde, ao Hospital Particular do Algarve, que foi condenado ao pagamento
de uma coima no valor total de 155.000 euros por ter adquirido o controlo exclusivo do Hospital
S. Gonçalo de Lagos, sem notificação prévia à AdC. A coima foi fixada na sequência de um proce-
dimento de transação, tendo o processo sido assim concluído com maior celeridade e a empresa
em causa beneficiado de uma redução da coima que de outra forma lhe seria aplicada.
Fruto da atividade de investigação e sanção de práticas anticoncorrenciais em 2020 e nos anos
anteriores, a AdC registou um pronunciado aumento da atividade de defesa judicial de decisões.
A interação judicial com os tribunais foi bastante intensa, tendo a AdC sido destinatária de
85 decisões judiciais maioritariamente proferidas no âmbito de processos contraordenacionais.
Deste universo de decisões, 78 foram favoráveis à AdC, 6 parcialmente favoráveis e 1 desfavo-
rável o que determina uma taxa de sucesso superior a 92 %, constituindo um marco na atuação
judicial da instituição.
Dois fatores foram determinantes para estes resultados: a consolidação técnica da AdC na
área de contencioso na dupla vertente substantiva e processual e o constante aperfeiçoamento
do sistema de controlo interno (checks and balances) implementado, determinando a adoção de
decisões — interlocutórias ou finais — mais robustas do ponto de vista técnico e sempre com
observância plena dos direitos de defesa das empresas e pessoas visadas.
Tão dinâmica como a atividade de enforcement foi a atividade de advocacy, em particular na
produção de estudos, análises económicas, inquéritos setoriais e na emissão de recomendações
e pareceres sobre matérias de concorrência, que contribuem para o aperfeiçoamento do enqua-
dramento jurídico de setores de atividade económica, para o funcionamento eficiente da economia
e para a promoção da dinâmica concorrencial em benefício do bem -estar dos consumidores.
Em 2020, a AdC analisou o mercado da prestação de cuidados de hemodiálise em Portugal,
tendo identificado barreiras na abertura de clínicas de hemodiálise e um grau de escolha limitado
dos doentes renais crónicos quanto às clínicas onde realizam tratamento.
No âmbito de consulta pública ao Relatório sobre as Condições de Concorrência na Prestação
de Cuidados de Hemodiálise em Portugal, a AdC propôs um conjunto de sete recomendações
ao Governo, focadas em eliminar barreiras desnecessárias à abertura de clínicas e a aumentar a
escolha dos utentes, com vista à promoção do bem -estar dos doentes renais crónicos.
A AdC emitiu ainda recomendações no sentido de eliminar barreiras desnecessárias à oferta no
mercado da educação superior. Estas recomendações, dirigidas à A3ES e ao Governo, concernem
ao enquadramento jurídico relativo ao processo de acreditação de instituições de ensino superior e
dos seus ciclos de estudos, nomeadamente a eliminação do princípio da não duplicação da oferta
formativa no mesmo âmbito regional e dos parâmetros de avaliação da qualidade relacionados com
a evolução da procura e a inserção no mercado de trabalho. Neste âmbito, a AdC recomendou,
também, a reavaliação do modelo legal de participação das ordens e outras associações públicas
profissionais, em termos da sua adequação, necessidade e proporcionalidade.
Em outro dos setores de atividade económica essenciais para os consumidores portugue-
ses, o das telecomunicações, a atividade da AdC foi igualmente expressiva, em particular, com a
publicação da versão final do relatório “A fidelização nos serviços de telecomunicações” e com a
emissão de parecer sobre o projeto de regulamento do leilão 5G.
No primeiro caso, a análise incidiu sobre os fatores que restringem a mobilidade dos consu-
midores no setor das telecomunicações. A AdC focou -se na fidelização e nos custos de mudança
que, a par de outros aspetos, contribuem para a perceção de reduzida concorrência no setor por
parte dos consumidores portugueses.

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