Relatório n.º 5/2023

Data de publicação13 Julho 2023
Número da edição135
SeçãoSerie II
ÓrgãoAutoridade da Concorrência
N.º 135 13 de julho de 2023 Pág. 91
Diário da República, 2.ª série
PARTE E
AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA
Relatório n.º 5/2023
Sumário: Procede à publicação do Relatório de Atividades, Gestão e Contas de 2022.
PRIMEIRA PARTE
Relatório de Atividades
I — Introdução
1 — Sumário Executivo
A defesa e a promoção da concorrência alcançaram em 2022 novos e expressivos resultados.
Desde logo, o ano ficou marcado por um número sem precedentes de pedidos de clemência: nove.
A AdC recebeu, no decurso do ano de 2022, um total de 9 pedidos de clemência (ou pedidos de
dispensa ou redução da coima), tendo um desses pedidos sido apresentado simultaneamente junto
da Comissão Europeia (pedido sumário). O número reflete muito provavelmente uma perceção
de maior risco de deteção de práticas anticoncorrenciais em Portugal.
O regime especial de dispensa ou redução de coima em processos por infração às regras
da concorrência é um importante meio de combate aos cartéis, ao habilitar a AdC a detetar e a
desmantelar conluios entre empresas, que, de outra forma, não seriam identificados.
A dispensa total de coima é aplicável à primeira empresa que reportar à AdC um cartel em
que esteja envolvida, fornecendo informações e evidência do mesmo. Para beneficiar de dispensa
total, esta empresa não pode ser responsável pela coação de outras para participar no cartel e
deve ainda cooperar com a AdC durante toda a investigação.
A redução da coima é aplicada a outras empresas que tenham participado no cartel, desde
que forneçam à AdC informações e provas que o evidenciem e representem um valor adicional
significativo, contribuindo assim para uma investigação mais célere.
Tal como as empresas implicadas num cartel, também os respetivos administradores e di-
retores podem beneficiar do Programa de Clemência. Caso cooperem na investigação, podem
obter dispensa ou redução da coima atribuída à empresa que representam ou solicitá -la em nome
individual.
Do total de pedidos de clemência entrados em 2022, três deram origem a processos nesse
mesmo ano e um outro diz respeito também a um desses processos que tem assim, duas em-
presas a requerer clemência. Dos restantes, dois dizem respeito a processos abertos em 2021
e outros dois foram apresentados no final do ano, pelo que deram origem a investigações não
contabilizadas neste relatório, por terem sido iniciadas em 2023.
Estes dados revelam bem a importância deste instrumento na deteção e sanção de cartéis,
uma das práticas anticoncorrenciais mais nocivas e que tem sido alvo da intensa prática sancio-
natória da AdC.
A reforma da lei da concorrência, concretizada em setembro de 2022, no âmbito da aguardada
transposição da chamada Diretiva ECN+, constituiu um marco importante para o amadurecimento
e consolidação da política de concorrência e, portanto, para a criação de bem -estar em Portugal,
ainda que a transposição completa venha a exigir melhorias adicionais.
Esta reforma visou reforçar as garantias de independência da AdC, os respetivos recursos,
poderes decisórios e de investigação, tendo em vista permitir -lhe exercer a sua missão de forma
efetiva, nomeadamente dotando -a das ferramentas necessárias para lidar com os desafios da
transição digital, com a devida salvaguarda dos direitos fundamentais das empresas, indispensável
à credibilidade de qualquer sistema de concorrência.
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Diário da República, 2.ª série
PARTE E
O combate aos cartéis tornou -se mais importante que nunca, atento o atual contexto de rutura
das cadeias de abastecimento global, de guerra na Europa, seguida de inflação, bem como de
forte aumento da despesa pública no quadro de estratégias de recuperação.
Tudo isto significa que estamos, neste momento, numa conjuntura que pode conduzir aos
chamados “cartéis de crise” — aqueles que se formam entre empresas que desejam “tirar proveito”
da crise, especialmente em áreas como a contratação pública, os serviços de saúde, o comércio
eletrónico e o espaço digital e em acordos de não contratação e acordos de fixação de salários.
Durante 2022, tal como já havia sucedido nos anos precedentes, a AdC desenvolveu inves-
tigações a potenciais cartéis surgidos no contexto da crise pandémica. Em 2022, a AdC emitiu
uma nota de ilicitude (acusação) a uma associação empresarial e sete dos principais grupos la-
boratoriais a operar em Portugal pelo envolvimento num cartel na prestação de análises clínicas
e testes à COVID -19.
A AdC manteve ainda o foco em setores que estão próximos das necessidades dos consu-
midores e possuem um impacto transversal na economia. No conjunto do ano, a AdC instruiu 23
processos de contraordenação por práticas restritivas da concorrência, tendo procedido à abertura
de sete inquéritos e concluído investigações em 12 processos.
A AdC adotou 11 decisões sancionatórias por comportamentos anticoncorrenciais relativos
a acordos e práticas concertadas de natureza vertical e horizontal nos setores da distribuição
retalhista de base alimentar, do mercado laboral no setor do futebol profissional, do fornecimento
de bases de dados empresariais, da saúde, da vigilância e segurança, da contratação pública
de serviços de telerradiologia e dos suplementos alimentares, totalizando as coimas aplicadas
487,6 milhões de euros.
A estas, acresce ainda uma decisão sancionatória na área da saúde pela prática de “gun-
-jumping” — a conclusão de uma operação de concentração antes da aprovação da AdC — e que
culminou numa coima de 2,5 milhões de euros.
A aplicação da Lei da Concorrência no combate aos cartéis assume ainda uma outra função
não negligenciável no atual contexto: contribui para disciplinar os níveis de preços. Embora não
resolva as pressões inflacionistas, pois não constitui um instrumento macroeconómico de combate
à inflação no curto prazo, é fundamental para dissuadir condutas que de outra forma poderiam agra-
var a inflação, contribuindo assim para uma recuperação económica mais resiliente e sustentável.
Para alertar para o papel fundamental que a concorrência desempenha nesta matéria, a AdC
publicou em 2022 um Issues Paper sobre Concorrência e Poder de Compra em tempos de inflação,
onde acentuou a necessidade de serem implementadas diversas recomendações de remoção de
barreiras desnecessárias à entrada e à expansão em setores de atividade económica como ser-
viços financeiros, rodoviário, ferroviário, marítimo e portuário, comunicações eletrónicas, energia
e mobilidade elétrica, de forma a introduzir mais concorrência nesses domínios.
Outra prioridade da AdC nos últimos anos tem sido combater a manipulação de propostas
em concursos públicos. Assim, em julho de 2022, a AdC sancionou um cartel ativo na prestação
de serviços de vigilância e segurança em concursos públicos. Outro exemplo de atuação com
impacto no erário público foi a condenação da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada
(APHP) e os maiores grupos hospitalizares privados pela concertação da estratégia e posicio-
namento negocial na contratação de serviços de saúde hospitalares por parte do subsistema de
saúde público ADSE.
A eliminação de barreiras de acesso às profissões liberais, bem como o combate aos acordos
anticoncorrenciais nos mercados de trabalho, tais como acordos de não -angariação de trabalha-
dores ou de fixação de salários têm igualmente merecido prioridade na atividade da AdC.
Em abril de 2022, no âmbito de um processo aberto oficiosamente, a AdC sancionou pela
primeira vez em Portugal uma prática anticoncorrencial no mercado laboral, tendo condenado
31 sociedades desportivas que participaram na edição 2019/2020 da Primeira e Segunda Ligas
e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) por terem celebrado um acordo restritivo da
concorrência que impedia a contratação pelos clubes da Primeira e Segunda Ligas de futebolis-
tas que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho evocando questões provocadas pela
pandemia Covid -19.
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PARTE E
No âmbito da atividade de controlo concentrações, que se manteve intensa, a AdC adotou,
durante o ano de 2022, um total de 62 decisões finais, tendo sido notificadas, nesse mesmo período,
65 operações de concentração. O número de notificações aumentou 7 % em relação ao ano an-
terior, enquanto o número de decisões finais aumentou 5 %, maioritariamente de não oposição.
Ainda assim, no caso da exploração pela JCDecaux da concessão de publicidade exterior
em Lisboa, a AdC decidiu não se opor somente após a apresentação de compromissos que pre-
veniram as preocupações concorrenciais que resultariam da exploração da maioria da publicidade
exterior em Lisboa por um único operador. Os compromissos assumidos incluíram a cedência a
favor de uma empresa concorrente da JCDecaux de parte da referida concessão de publicidade
exterior de Lisboa.
Ao concentrar a exploração publicitária em mobiliário urbano num único operador, ao contrá-
rio do que se verificava com as anteriores concessões, a atual concessão resultaria numa menor
diversidade de operadores alternativos em Lisboa e, consequentemente, em possíveis entraves
à concorrência no mercado nacional da publicidade exterior, o que se traduziria em aumentos po-
tenciais de preços cobrados aos anunciantes e, em derradeira instância, aos consumidores finais.
Por outro lado, duas operações foram retiradas pelas notificantes após decisão de passagem
a investigação aprofundada pela AdC.
Durante o ano de 2022, a AdC continuou a desenvolver esforços no sentido da deteção de
operações de concentração não notificadas, através de investigações ex officio ou na sequência
de denúncias apresentadas por terceiros. Nesse sentido, procedeu -se à abertura de 5 processos
de averiguação de eventuais operações de concentração não notificadas.
Destes processos, um resultou em sanção à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por ter
adquirido o controlo exclusivo da sociedade gestora do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa,
antes de obter a decisão de não oposição da AdC.
Para preservar a concorrência no mercado e obviar a este tipo de situações, a AdC atuou
também na vertente de advocacy ao elaborar e disponibilizar um Guia de Boas Práticas relativo ao
gun jumping. A expressão tem origem no desporto — corresponde ao início de uma prova antes
do disparo de partida.
Tal como as restantes práticas que causam obstruções à concorrência nos mercados, está
sujeita a ser punida com uma coima que pode ir até 10 % do volume de negócios das empresas
envolvidas.
O guia interessa às empresas que pretendam implementar operações de concentração, bem
como aos profissionais que as assessoram e pretende contribuir para uma fácil compreensão da
prática, do modo a evitá -la e contribuir para a generalização de uma cultura de concorrência.
Além dos já mencionados trabalhos de advocacy, a AdC manteve veemente atividade de
recomendação aos decisores públicos num vasto conjunto de setores, entre os quais, o digital,
os transportes de passageiros através de plataforma eletrónica, a cabotagem marítima, o setor
agrícola, as telecomunicações, a energia elétrica, as associações públicas profissionais.
Na vertente de representação internacional, o ano de 2022 foi de igual modo particularmente
ativo. A AdC representou Portugal nas reuniões do Grupo de Trabalho da Concorrência do Con-
selho da UE, onde, entre outros temas, decorreu a negociação do Regulamento dos Mercados
Digitais, que visa garantir mercados digitais equitativos e abertos na União Europeia, evitando que
grandes plataformas abusem do seu poder de mercado.
A AdC subscreveu, em março de 2022, a Declaração conjunta da Rede Europeia de Concor-
rência que condenou a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, e se manifestou ciente das
consequências sociais e económicas para a União Europeia e para o Espaço Económico Europeu
(EEE). Na Declaração, a ECN afirmou que não hesitaria em agir contra as empresas que tirassem
proveito das circunstâncias através da cartelização ou do abuso de posição dominante.
No mesmo mês de março, a Presidente do conselho de administração da AdC foi eleita Vice-
-Presidente da ICN para a área do Crescimento e Recuperação (ICN Vice -Chair for Growth and
Recovery). Neste âmbito, a AdC organizou, em outubro de 2022, o ICN Workshop “Competition,
Growth and Recovery”, que contou com a participação de 540 representantes de autoridades de
concorrência e de organizações internacionais, académicos, advogados e outros interessados em

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