Recomendação n.º 3/2022

Data de publicação29 Junho 2022
Data07 Junho 2022
Gazette Issue124
SeçãoSerie II
ÓrgãoEducação - Conselho Nacional de Educação
N.º 124 29 de junho de 2022 Pág. 72
Diário da República, 2.ª série
PARTE C
EDUCAÇÃO
Conselho Nacional de Educação
Recomendação n.º 3/2022
Sumário: O acolhimento de migrantes e a construção de uma escola mais inclusiva.
Sobre o acolhimento de migrantes e a construção de uma escola mais inclusiva
Preâmbulo
No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após aprecia-
ção do projeto de Recomendação elaborado pelos(as) Conselheiros(as) Relatores(as) Leonor Santos,
João Paulo Mineiro, Joana Batalha e José Reis o Conselho Nacional de Educação, em reunião plená-
ria de 7 de junho de 2022, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a presente Recomendação
Introdução
A inclusão de alunos/as de origem migrante numa escola que se pretende para todos e todas
não é um objetivo novo. A Europa tem vindo a confrontar -se com este desafio há décadas, explicado
pelas diversas guerras que têm ocorrido (por exemplo, na Jugoslávia, Kosovo, Síria). Em 1990,
existiam cerca de 2,5 milhões de pessoas refugiadas. Em 2017, o número de pessoas refugiadas
nos países da OCDE passou para cerca de 6,4 milhões (Cerna, 2019). Na atualidade, com a guerra
da Ucrânia, esta problemática agudiza -se. Disso é expressão a recente Resolução do Conselho
de Ministros n.º 29 -A/2022, de 1 março, onde se pode ler um conjunto de medidas que permitem
agilizar e tornar mais célere a concessão de proteção temporária a pessoas deslocadas da Ucrâ-
nia. Embora seja um primeiro passo importante, há que continuar a desenvolver uma política que
responda à necessidade de se construir uma escola inclusiva, em particular para a toda a popula-
ção de migrantes já existentes em Portugal, e para os milhares que estão a chegar no momento.
No ano letivo 2019/20, em Portugal Continental, o número de alunos/as de nacionalidade
estrangeira matriculados/as no ensino básico e secundário é de 68 018, representando 6,7 %
do total de alunos/as. No período de 2010/11 a 2019/20, verificou -se uma redução do número
destes alunos/as, invertendo -se esta tendência a partir do ano letivo de 2016/17 (Oliveira, 2021).
O decréscimo verificado entre 2010 e 2015 é explicado, por um lado, pela redução do número de
pessoas estrangeiras residentes em Portugal e, por outro, pelo “aumento do número de cidadãos
estrangeiros, nomeadamente de descendentes de imigrantes já nascidos em Portugal, que adqui-
riram a nacionalidade portuguesa” (Oliveira, 2021, p. 96).
No ensino superior, em 2019/20, estão matriculados 62 690 alunos/as de nacionalidade estran-
geira, o que corresponde a 16,5 % dos/as alunos/as. Neste caso, considerando o mesmo período,
verifica -se que o número de alunos/as de nacionalidade estrangeira inscritos/as no ensino superior
tem aumentado, assim como o seu peso relativo quanto ao número de alunos/as de nacionalidade
estrangeira inscritos/as no ensino superior tem aumentado no mesmo período, o mesmo se verifi-
cando no seu peso relativo em relação ao número total de alunos/as. Segundo Oliveira (2021), a
sucessiva legislação sobre o Estatuto do Estudante Internacional que procurou promover “a igual-
dade de tratamento dos cidadãos da União Europeia e dos seus familiares nacionais de Estados
Terceiros” (p. 107), poderá em parte explicar este aumento.
Portugal tem uma longa tradição de pensar os desafios de uma escola intercultural e de
como lhes responder. Existe um reconhecimento, a nível nacional e internacional, da existência
de políticas educativas dirigidas à inclusão de alunos e alunas de origem migrante. Como pode
ler -se no Parecer n.º 10/2018, Parecer sobre o Estatuto do Estudante Internacional, Portugal é um
“país pioneiro na implementação de mecanismos (políticas nacionais e locais) para a integração de
migrantes, nomeadamente através de planos nacionais e municipais de acolhimento e integração
de imigrantes” (Conselho Nacional de Educação [CNE], 2018, p. 14977). Esta visão é partilhada por
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olhares internacionais, quando afirmam que “desde 2018, Portugal desenvolveu um enquadramento
legal sobre educação inclusiva, embora já tivesse havido esforços antes para promover a inclusão
e equidade desde os anos oitenta” (OECD, 2022, p. 14) do século XX.
Mas a inclusão é um processo dinâmico (UNESCO, 2020) que visa promover uma educação
de qualidade para todos e todas, respeitando a diversidade, as necessidades e expectativas de
todos/as e de cada um/a, eliminando todas as formas de exclusão. É de notar que há progressos:
de uma prática local existente nas escolas portuguesas, a inclusão evolui para uma prática que
se pretende global (Rodrigues, 2022). Iniciando -se com uma visão de que a inclusão acontece
em espaços próprios e dirigidos a grupos de alunos/as muito específicos, passa cada vez mais a
envolver todo o corpo docente e estudantil. Contudo, é ainda um processo a longo prazo e sujeito
a sucessivos ajustamentos, dada a diversidade crescente social e cultural dos alunos e das alunas
que exige naturalmente ajuste nos objetivos, medidas e práticas (OECD, 2019).
Segundo Cerna (2019), as pessoas refugiadas e imigrantes partilham o terem de se confrontar
com o corte com o seu país de origem, tendo de se adaptar a uma nova cultura e forma de vida
e ultrapassar a interrupção dos seus estudos num outro sistema e cultura. Poderão estar sujeitas
a atitudes de racismo e discriminação e a crises de identidade por procurarem compatibilizar a
sua cultura com aquela do país de acolhimento. Acresce que as pessoas refugiadas apresentam
dificuldades específicas, tais como os traumas que muitas vezes viveram.
Para além disso, os/as alunos/as de origem migrante constituem grupos altamente heterogéneos
no seu background. A tentação de os agrupar por origem pode parecer à primeira vista um meio
facilitador da sua integração. Contudo, existem perigos vários que podem advir desta estratégia,
como seja a criação de barreiras com outras comunidades, e o aumento da dificuldade de trazer à
luz obstáculos ao seu bem -estar e à sua inclusão a longo termo (OECD, 2019).
É neste quadro de enormes desafios e de procura de respostas para os problemas que se
colocam a uma escola que procura ser inclusiva que, em junho de 2019, surge uma Nova Agenda
Estratégica da UE para o período de 2019 a 2024 que aponta como uma das suas quatro priori-
dades: “proteger os cidadãos e as liberdades (e prosseguir uma política de migração abrangente)”
(CNE, 2021, p. 23). Partilhando iguais preocupações e tendo em conta a complexidade do processo
de inclusão das pessoas migrantes, o CNE sentiu a necessidade de repor esta problemática na
ordem do dia e refletir em conjunto para elaborar um conjunto de recomendações que visam con-
tribuir para o desenvolvimento do processo de criação de uma escola inclusiva. É de fazer notar
que este texto, muito embora contenha referências ao ensino superior, foca -se fundamentalmente
no ensino básico e no ensino secundário. É ainda de fazer notar que a maioria das recomenda-
ções se poderá aplicar à educação de infância com os devidos ajustamentos a este contexto.
Clarificação conceptual
Migrante. A Organização Internacional para as Migrações define uma pessoa migrante qual-
quer pessoa que se mude ou se desloque através de uma fronteira internacional ou dentro de um
Estado longe do seu local habitual de residência, independentemente do estatuto legal da pessoa;
do movimento ser voluntário ou involuntário; das causas do movimento; ou da duração da sua
estadia (UNRIC, s/d). Deste modo, podem ser imigrantes, requerentes ou beneficiários de prote-
ção internacional ou temporária. A pessoa de origem migrante pode ser migrante recém -chegada,
de primeira geração, de segunda geração ou de regresso ao seu país de cidadania (Comissão
Europeia/EACEA/Eurydice, 2019a).
Integração e inclusão. Os termos integração e inclusão têm sido tratados, tanto como sinóni-
mos, como conceitos distintos. Neste documento, assumimos o termo inclusão no sentido atribuído
pela UNESCO (2017; 2020). Entende -se por integração o processo de adaptação dos/as alunos/as
a um contexto, atitudes e estruturas preexistentes, enquanto a inclusão pressupõe a alteração do
próprio sistema para se adaptar ao/à aluno/a e não a adaptação do/a aluno/a para se enquadrar
no sistema. É, portanto, um processo de mudança recíproco, que pressupõe “esforços e mudanças
tanto nas pessoas acolhidas como nas sociedades de acolhimento” (Souza & Ferreira, 2017, p. 9).
Deste modo, a inclusão é o processo que contribui para ultrapassar os obstáculos que se
levantam à participação e à aprendizagem dos/as alunos/as, promovendo deste modo a construção

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