Parecer (extrato) n.º 1/2022

Data de publicação09 Fevereiro 2022
Número da edição28
SeçãoSerie II
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República
N.º 28 9 de fevereiro de 2022 Pág. 349
Diário da República, 2.ª série
PARTE D
MINISTÉRIO PÚBLICO
Procuradoria-Geral da República
Parecer (extrato) n.º 1/2022
Sumário: Direito de sufrágio — direito à proteção da saúde — pandemia da doença COVID -19 —
confinamento obrigatório — eleições para a Assembleia da República.
Conclusões:
1.ª O direito de sufrágio — o direito de votar, de participar ativamente em eleições — a que
se refere o artigo 49.º da Constituição da República Portuguesa é um direito político dos cidadãos
que corresponde à dimensão subjetiva do princípio fundamental do sufrágio universal, enunciado
no n.º 1 do artigo 10.º da Lei Fundamental;
2.ª O exercício do direito de sufrágio, porventura o mais importante dos direitos de participação
política, é de natureza pessoal e constitui um dever cívico (artigo 49.º, n.º 2, da Constituição);
3.ª A consagração do direito de sufrágio entre os direitos, liberdades e garantias de participa-
ção política do título II da parte I da Constituição, determina a aplicação do regime constitucional
relativo a estes direitos (cf. artigo 17.º da Constituição);
4.ª O direito fundamental à proteção da saúde (artigo 64.º da Constituição) contém, na sua
vertente positiva, o direito a prestações estaduais e, numa vertente negativa, o direito a que o Es-
tado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico saúde;
5.ª O direito fundamental de sufrágio, que implica como regra a presencialidade, pode colidir
com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, designa-
damente no caso de eleitores com patologias infetocontagiosas de ampla propagação;
6.ª Ciente da necessidade de harmonização do direito fundamental de sufrágio com as
medidas de confinamento obrigatório determinadas para salvaguarda do direito à saúde, a Lei
Orgânica n.º 3/2020, de 11 de novembro, estabeleceu um regime excecional e temporário de
exercício de direito de voto antecipado dirigido aos eleitores em confinamento obrigatório, no
âmbito da pandemia da doença COVID -19, no respetivo domicílio ou noutro local definido pelas
autoridades de saúde que não em estabelecimento hospitalar, em atos eleitorais e referendários
a realizar no ano de 2021, regime este que passou a ser aplicável a todos os atos eleitorais e
referendários a realizar no ano de 2022, por força do disposto na Lei Orgânica n.º 4/2021, de
30 de novembro;
7.ª Esta possibilidade de voto antecipado no domicílio não abrange (i.) aqueles a quem a
medida de confinamento obrigatório é decretada, pelas autoridades competentes do Serviço Na-
cional de Saúde, no continente, ou dos serviços regionais de saúde, nas regiões autónomas, com
antecedência inferior a oito dias em relação à data do sufrágio nem (ii.) aqueles cujo domicílio
registado no sistema de registo dos doentes com COVID -19, gerido pela Direção -Geral da Saúde
(DGS), no continente, ou pelas direções regionais de saúde (DRS), nas regiões autónomas, se
situa fora da área geográfica do concelho onde o eleitor se encontra inscrito no recenseamento
eleitoral (artigo 3.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 3/2020, de 11 de novembro);
8.ª A interpretação destas normas no sentido de que os eleitores sujeitos a confinamento obri-
gatório não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação estariam proibidos de votar, implicaria para
tais eleitores a abstenção involuntária, o que representaria a suspensão do direito fundamental de
sufrágio;
9.ª E, assim sendo, a norma com esta interpretação violaria o regime dos direitos, liberdades e
garantias, aplicável ao direito de sufrágio, porquanto os órgãos de soberania não podem, conjunta
ou separadamente, suspender o exercício do direito de sufrágio, salvo em caso de estado de sítio
ou de estado de emergência, declarado na forma prevista na Constituição (artigo 19.º, n.º 1, da
Constituição);

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