Acórdão n.º 91/84, de 06 de Outubro de 1984

Acórdão n.º 91/84 Processo n.º 137/84 Acordam, em sessão plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores veio, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.º 2, da Constituição e 57.º de Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade do Decreto Legislativo Regional n.º 18/84 da Assembleia Regional daquela Região, que versa sobre isenção de direitos de importação de matérias-primas para a indústria de bordados. Pediu que este Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade (por lapso, escreveu constitucionalidade) do § único do artigo 1.º, e bem assim do artigo 8.º, do citado diploma, em medida que adiante se dirá. Alegou para tanto, em síntese, o seguinte: Apesar de o decreto legislativo regional aqui considerado versar matéria de interesse específico para a Região, não podia invadir a reserva de competência da Assembleia da República [artigos 115.º, n.º 3, e 229.º, alínea a), da Constituição]; Ora, a criação de impostos (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes) e o sistema fiscal são da competência exclusiva da Assembleia da República [artigos 168.º, n.º 1, alínea i), e 106.º, n.º 2, da Constituição]; Por isso, como os direitos de importação são impostos, não podia a Assembleia Regional ampliar o âmbito das respectivas isenções, incluindo no § único do artigo 1.º do diploma em apreço matérias-primas que não constam da legislação vigente. Fazendo-o, violou o artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição; Além disso, o artigo 8.º do mencionado decreto legislativo regional reduz para 2 anos a duração da medida de encerramento de estabelecimento, e bem assim a da de proibição do exercício da actividade industrial de bordados, que o artigo 5.º do Decreto n.º 30290, de 13 de Fevereiro de 1940, manda aplicar, sem limitação temporal, ao delinquente que seja condenado por descaminho, em virtude de ter utilizado para fins diferentes do da indústria de bordados os fios e tecidos importados, com isenção de direitos, com essa finalidade; Ora, também aqui se trata de matéria compreendida no artigo 168.º da Constituição [n.º 1, alínea b)], que a Assembleia Regional não tem competência para alterar, ainda que invocando a especificidade insular; Finalmente: as ditas medidas de encerramento de estabelecimentos e de proibição do exercício da actividade industrial de bordados são 'penas acessórias', traduzindo-se na perda de direitos, liberdades e garantias, por isso que não possam impor-se como efeito necessário da condenação: a tanto se opõe o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, que desse modo é infringido.

2 - Notificado o Presidente da Assembleia Regional dos Açores para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, respondeu dizendo, em síntese, na parte que importa, o seguinte: O § único do artigo 1.º limita-se a clarificar o que se deve entender hoje por matérias-primas destinadas à indústria de bordados dos Açores, para o efeito de as isentar de direitos de importação - o que a Assembleia Regional pode fazer, por se conter no seu poder tributário, conjugado com o seu direito de dispor das receitas cobradas localmente, uma vez que isentar é não cobrar em receita fiscal; O artigo 30.º, n.º 4, da Constituição não é violado pelo artigo 8.º, uma vez que aí se prevêem sanções que, sendo das previstas para as contra-ordenações, podem, no caso, ser impostas, pois no artigo 8.º prevê-se uma contra-ordenação.

3 - Cumpre decidir.

As questões são as seguintes: 1.' O § único do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/84 da Assembleia Regional dos Açores - na parte em que aumenta o elenco das matérias-primas isentas de direitos de importação por se destinarem à indústria de bordados daquele arquipélago - viola a alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição? 2.' O artigo 8.º do mesmo diploma - na parte em que reduz para 2 anos a duração das medidas de encerramento de estabelecimento e de proibição do exercício da actividade industrial de bordados - infringe a alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 168.º, ou antes a alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo 168.º? 3.' O citado artigo 8.º - na parte em que prevê aquelas medidas como efeito necessário da condenação pelo descaminho de direitos nele previsto - ofende o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição? II - Fundamentação 1 - Preliminarmente, há que assentar em que as normas aqui questionadas só vêm postas em causa na medida que se deixa apontada. É o que - não obstante essa precisão não vir feita na conclusão do requerimento inicial claramente resulta da fundamentação aduzida.

Ora, este Tribunal só pode pronunciar-se sobre a constitucionalidade de normas cuja apreciação lhe seja requerida (artigo 51.º, n.º 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).

2 - Dito isto, passemos à 1.' questão: a de saber se o § único do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/84/A, na parte em que amplia o elenco das matérias-primas isentas de direitos alfandegários quando destinadas à indústria de bordados dos Açores, viola ou não a alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.

Vejamos: 2.1 - Dispõe o artigo 1.º e seu § único: Artigo 1.º São isentas de direitos de importação e de todas as imposições de carácter local as matérias-primas destinadas à indústria de bordados quando importadas na Região Autónoma dos Açores.

§ único. Para efeitos do presente diploma deverão considerar-se matérias-primas destinadas à indústria de bordados, nomeadamente, as seguintes: a) Fios de algodão, de linho, de lã e de seda; b) Tecidos de linho, de algodão, de seda, de fibras artificiais ou sintéticas e de talagarça denominados 'canevas'; c) Lenços cortados ou em peça; d) Tecidos cortados, embainhados ou com qualquer outra obra realizada no país de origem destinados à exportação depois de bordados; e) Rendas de fibras sintéticas e de fibras de algodão ou linho; f) Modelos bordados; g) Etiquetas.

O referido § único é inovador, pois amplia o elenco das matérias-primas isentas de direitos aduaneiros.

De facto, o Decreto n.º 30290, de 13 de Fevereiro de 1940, como se diz no respectivo preâmbulo, veio reunir num único diploma as normas que regulavam a importação de fios e tecidos destinados aos bordados da Madeira e dos Açores. E, para além disso, veio alargar as isenções de direitos de importação no tocante à indústria de bordados da Madeira. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 34951, de 28 de Setembro de 1945, alargou novamente o âmbito das isenções fiscais aduaneiras, agora quanto às importações dos Açores destinadas à respectiva indústria de bordados - embora tão-só durante 1 ano (artigo 3.º). Depois foi o Decreto-Lei n.º 46183, de 8 de Fevereiro de 1965, que, quanto à Madeira e durante 2 anos, aumentou o elenco das isenções fiscais aduaneiras (artigo 1.º). Finalmente, o Decreto-Lei n.º 81/71, de 19 de Março, veio tornar extensivas à indústria de bordados dos Açores 'todas as isenções de direitos de importação e de imposições de carácter local estabelecidas na legislação vigente para a indústria de bordados do arquipélago da Madeira' (artigo único).

2.2 - É este quadro legal que o Decreto Legislativo Regional n.º 18/84/A pretende alterar: desde logo, para juntar num único diploma a 'numerosa legislação avulsa' que contém 'o regime de isenções de direitos e demais imposições aduaneiras na importação de matérias-primas destinadas à indústria de bordados'; e depois, para proceder à 'revisão do regime de isenções de forma a adaptá-lo às novas necessidades das empresas do sector' (v. preâmbulo). Revisão que se traduz num aumento das matérias-primas a isentar de direitos de importação [a título de exemplo, refiram-se as 'etiquetas' - alínea g) do mesmo § único -, que nenhum dos diplomas anteriores refere, e bem assim a falta de referência aos artigos pautais das matérias-primas que isenta de direitos].

2.3 - Daí, pois, a pergunta: terá a...

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