Jurisprudência n.º 6/2002, de 18 de Julho de 2002

Jurisprudência n.º 6/2002 Processo n.º 3470/2001 - 2.' Secção Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em plenário das secções cíveis: A Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A., com sede em Lisboa, veio propor a presente acção declarativa com processo ordinário contra António Manuel Castro Leite Rosa Pinheiro, residente em São Martinho do Bispo, Coimbra, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 20339470$00, acrescida de juros que se vencerem desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Alega como fundamento da condenação que celebrou com o réu um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 582 430, até ao limite de 20000000$00, emergentes da circulação do veículo QO-80-79.

No dia 26 de Dezembro de 1988, pelas 0 horas e 30 minutos, na estrada nacional n.º 111-1, na Geria, Coimbra, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias QO-80-79, conduzido pelo réu e a ele pertencente, e o veículo ligeiro de passageiros EH-35-17, propriedade de Acácio Manuel Cruz Ferreira e conduzido por Pedro Miguel de Sousa Cruz, e o ligeiro de passageiros NL-79-66, pertencente a Carlos Bento Ferreira e tripulado por Mário Rui Dias Santos Bento Ferreira. Os veículos EH e NL seguiam no sentido Geria-Coimbra, a cerca de 30 m um do outro, pela metade direita da faixa de rodagem, e o veículo QO, tripulado pelo réu, seguia na mesma via, em sentido oposto.

A cerca de 40 m da casa da JAE, onde a estrada se desenvolve numa curva para a direita, pouco pronunciada, atento o sentido de marcha do réu, este deixou que a sua viatura saísse fora da sua hemifaixa de rodagem e, repentinamente, fosse invadir a faixa de rodagem contrária, não conseguindo, assim, dominar o veículo que conduzia, que foi embater com a frente esquerda na parte lateral esquerda do EH, que circulava em sentido contrário, e depois noNL.

Em consequência do acidente, resultaram ferimentos no condutor e passageiro do veículo EH e danos neste veículo bem como a morte do condutor do veículo NL, de uma passageira, ferimentos noutros passageiros e danos nesta viatura. Foi demandada a autora que pagou a quantia peticionada pelos prejuízos causados com o acidente, vindo nesta acção, com fundamento no direito de regresso, exigir do autor a quantia que teve de despender, dado que o réu conduzia sob o efeito do álcool.

Citado o réu veio contestar. Aceita a culpa na produção do acidente tal como foi definida no acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Janeiro de 1999 e cuja fotocópia consta a fls. 60 e seguintes. Todavia, o aparelho que foi usado na pesquisa de álcool não é fidedigno, não podendo ter-se como provado que conduzisse à taxa de alcoolemia que foi dada como provada. Por outro lado, não está demonstrado que, a conduzir o autor com a taxa de alcoolemia indicada, essa circunstância fosse a causa do acidente.

Replicou a autora pedindo a condenação do réu nos termos em que foi formulado o pedido.

Proferida sentença em primeira instância, foi julgada improcedente a acção por se entender que se não provou o nexo de causalidade entre a condução com grau de alcoolemia superior ao legal e o acidente.

Interposto recurso para a Relação, veio aí a ser proferido acórdão que julgou a acção procedente e condenou o réu no pedido, com fundamento em que, embora se não tenha provado o nexo de causalidade entre a condução com taxa de alcoolemia e o acidente, não é à seguradora que competia fazer a prova desse nexo, mas sim ao réu cabia provar que não teve culpa, pois a lei presume que quem conduz com taxa de álcool superior ao legal se presume que o faz sob a influência do álcool. A ser outra a causa do acidente isso constitui excepção à presunção legal, pelo que é ao condutor que cabe alegá-la e prová-la, a fim de impedir o direito de regresso da seguradora.

Inconformado recorreu o réu, concluindo, em resumo, nas suas alegações: O estabelecimento da taxa de alcoolemia não se baseou em dados científicos que permitissem afirmar que a partir de 5 g/l o condutor já agia sob a influência do álcool; ou seja, que esta taxa entorpecia os sentidos e condicionava os reflexos.

Com o estabelecimento daquela taxa de álcool como limite legal apenas se estabeleceram novos limites para o estabelecimento de normas dissuasórias de condução sob influência de álcool, o que é comprovado com a tendência a nível europeu para limitar a zero a taxa de álcool na condução.

Os limites da TAS nada têm a ver com a incidência de álcool no comportamento do condutor, mas inserem-se, antes, numa política de segurança rodoviária a nível europeu com vista à uniformização da TAS, com níveis cada vez mais baixos, tendo como objectivo a eliminação completa da condução sob o efeito do álcool.

Ao contrário do decidido no acórdão recorrido não existe qualquer presunção com base na taxa de álcool no sangue.

Com o Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, que reduziu o limite da taxa de alcoolemia de 0,8 g/l para 0,5 g/l, não se baseou em dados científicos que permitissem afirmar que a partir de 0,5 g/l o condutor já agia sob influência de álcool, que este lhe entorpecia os sentidos e condicionava os reflexos.

De acordo com as regras do nosso direito, caberá àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, cabia à seguradora a prova do nexo de causalidade por inexistência da presunção legal a seu favor.

Da matéria dada como provada resulta que a autora não logrou demonstrar as condições por si alegadas em que ocorreu o acidente e em que fundamentava o direito que pretendia exercer.

Nem a taxa de álcool leva em conta as condições morfológicas de cada condutor.

Contra-alegou a autora pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Perante as alegações do réu as questões postas são as seguintes: Se a condução com taxa de álcool superior à legalmente permitida exige ainda nexo de causalidade entre essa taxa e a condução que foi causa do acidente; Se a taxa de álcool superior à legal é presunção da condução ilícita.

Matéria de facto: A A. no exercício da sua actividade seguradora celebrou com o réu um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º 582 430, através do qual assumiu a responsabilidade civil, até ao limite de 20000 contos, emergente da circulação do veículo de matrícula QO-80-79, junta, por cópia, a fls. 17 a 19, aqui dada por reproduzida.

No dia 26 de Dezembro de 1988, pelas 0 horas e 30 minutos, na EN 111-1, próximo da casa da JAE, na Geria, Coimbra, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias QO-80-79, conduzido e pertença de Álvaro Manuel Castro Leite Rosa Pinheiro, ora réu, o ligeiro de passageiros EH-35-17, propriedade de Acácio Manuel Cruz Ferreira e conduzido por Pedro Miguel Sousa Cruz, e o ligeiro de passageiros NL-79-66, pertencente a Carlos Bento Ferreira e tripulado por Mário Rui Dias Santos BentoFerreira.

Em acta de audiência de julgamento de 6 de Novembro de 1996, no âmbito da acção n.º 60/96, o 3.º Juízo do então Tribunal de Círculo de Coimbra, foi celebrada uma transacção, homologada por sentença, em que a aqui A. se obrigou a pagar as indemnizações de 87260$00 ao lesado Acácio Manuel, de 128892$00 ao lesado Pedro Miguel e de 64468$00 à lesada Isabel Cristina, pagamentos estes que a aqui A. efectuou em Janeiro de 1997, conforme documentos de fl. 117 a fl. 119, aqui dados por reproduzidos.

Nesse mesmo termo de transacção a aqui A. obrigou-se a pagar aos HUC os créditos por estes reclamados, que se apuraram ser de 645650$00 e que foram igualmente liquidados pela aqui A. em Fevereiro de 1997, conforme documentos de fl 30 a fl. 44, aqui dados por produzidos.

Por Acórdão de 20 de Dezembro de 1996, proferido no âmbito do supra-referido processo n.º 60/96, de que se acha junta cópia de fl. 45 a fl. 58, aqui dado por reproduzido, em que a ora A. e o ora réu foram condenados, aquela até ao limite do seu capital disponível, a pagarem aos aí AA. Carlos Bento Ferreira e Maria Odete Dias Santos Ferreira a indemnização de 32000000$00 e a Célia Margarida Fernandes Oliveira a indemnização de 4140000$00, acrescidas de juros, desde esta decisão e até integral pagamento.

A aqui A. conformou-se com esta decisão colocando à disposição dos AA.

Carlos Bento, Maria Odete e Célia Margarida o valor do capital disponível de 18773730$00, que os mesmos aceitaram receber, tendo pago, em Março de 1997, esta quantia, acrescida de 339470$00, de juros, contados desde a decisão até ao pagamento, no total de 19113200$00 - cf. documento a fl. 59, aqui dado por reproduzido.

Da decisão referida acima foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que correu seus termos sob o n.º 1232/97, no decurso do qual foi proferido o acórdão junto, por cópia, de fl. 60 a fl. 83, aqui dado por reproduzido.

Dele consta que o réu, ao iniciar uma curva para a direita, pouco pronunciada, sita a uns 40 m da casa da JAE, que ficava à sua direita, o réu Álvaro deixou que a sua viatura saísse da sua hemifaixa de rodagem e repentinamente fosse invadir a semifaixa oposta não a conseguindo assim controlar na sua faixa.

Na semifaixa oposta circulava o veículo EH-35-17 dentro da sua semifaixa de rodagem.

A estrada no local tinha 6 m de largura e apresentava piso seco.

Em consequência da súbita invasão da faixa de rodagem oposta, a parte da frente esquerda do veículo QO, conduzido pelo réu, foi embater contra a parte esquerda do veículo EH.

Prosseguindo a sua marcha descontrolada e desmandada foi embater frontalmente contra o...

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