Acórdão n.º 292/2008, de 23 de Julho de 2008

Acórdáo n. 292/2008

Processo n. 459/07

Acordam na 3.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos em que sáo recorrentes Público Comunicaçáo Social, SA e outros e recorrido Sporting Clube de Portugal, os primeiros vêm interpor recurso para este Tribunal do acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da Lei do Tribunal Constitucional, invocando a inconstitucionalidade da norma que resulta da conjugaçáo dos artigos 484. e 483., n. 1, do Código Civil e 14., als. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas [e náo da Lei de Imprensa, como erradamente referem os recorrentes], interpretados no sentido de que, estando em causa o direito à informaçáo, basta a

verificaçáo de culpa inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, bem como a inconstitucionalidade da norma do artigo 494. do Código Civil, interpretada no sentido de que, estando em causa o direito à informaçáo, o montante indemnizatório por danos náo patrimoniais por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva possa ser superior ao montante habitualmente arbitrado judicialmente ao valor da vida humana, por violaçáo da liberdade de expressáo e informaçáo e da liberdade de imprensa constantes dos artigos 37., n.os 1 e 2, e 38., n.os 1 e 2, da CRP, e ainda, no segundo caso do princípio da proporcionalidade constante dos artigos 2. e 18., da CRP.

2 - A Relatora ordenou a notificaçáo dos recorrentes para produzirem alegaçóes junto deste Tribunal, nos termos do artigo 79., n.os 1 e 2, da LTC, relativamente à questáo de inconstitucionalidade dos artigos 484. e 483., n. 1, do C.C. e 14., alíneas a), c) e h), do Estatuto dos Jornalistas [e náo da Lei de Imprensa, como erradamente referem os recorrentes], tendo proferido Decisáo Sumária de náo conhecimento do objecto do recurso, quanto à questáo relativa ao artigo 494., do C.C., por considerar que os recorrentes náo individualizaram qualquer questáo de inconstitucionalidade normativa ou de interpretaçáo normativa aplicada pelo tribunal a quo, antes pretendendo pôr em crise a própria decisáo judicial recorrida, em termos absolutos, e por comparaçáo com outras proferidas pelo mesmo ou por outro tribunal, a qual transitou em julgado, uma vez que náo foi reclamada.

3 - Os recorrentes produziram alegaçóes, das quais constam as seguintes conclusóes:

I - Vem o presente recurso interposto do acórdáo do S.T.J. que condenou os ora recorrentes no pagamento da quantia de € 75.000,00 ao Sporting Club de Portugal por danos causados ao seu bom nome e reputaçáo com a publicaçáo de notícias respeitantes à existência de uma dívida fiscal do referido clube.

II - Entendem os recorrentes estar ferida de inconstitucionalidade, por violaçáo dos artigos 37. e 38. da C.R.P., a norma aplicada e que resulta da conjugaçáo dos artigos 484. e 483. n. 1 do C.C. e 14. da Lei de Imprensa, interpretados no sentido de que, estando em causa o direito à informaçáo, basta a verificaçáo de culpa inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, por violaçáo dos artigos 37. e 38. da C.R.P.

III - O S.T.J. considerou que a "diligência devida" que náo foi usada e que configura a "culpa inconsciente" determinante da condenaçáo, resulta de "os factos provados náo admit(ir)em, em termos de razoabilidade, a conclusáo de que os recorridos imprimiram ao processo de difusáo da notícia a escrupulosa observância das legis artis próprias da actividade jornalística".

IV - Ora, dada a centralidade da liberdade de expressáo e de informaçáo em matérias de relevo público numa sociedade demo-crática como a nossa, a culpa inconsciente como fundamento para serem responsabilizados civilmente os jornalistas por eventuais danos causados póe em causa de forma estrutural a liberdade de expressáo, de informaçáo e de imprensa consagradas nos artigos 37. e 38. da C.R.P. e no artigo 10. da C.E.D.H.

V - Tal ofensa aos preceitos constitucionais em causa, resulta reforçada pelo facto de estar em causa, náo a honra de pessoa singular mas o direito ao bom -nome e reputaçáo de pessoa colectiva.

VI - O entendimento de que o preenchimento da responsabilidade civil decorrente dos artigos 483. e 484. do C.C., se basta com a culpa inconsciente do agente, no caso em que este esteja em causa o direito à informaçáo e o crédito e bom -nome de pessoa colectiva, viola o disposto no artigo 37. n. 1 e 38. nos 1 e 2) da C.R.P. por pôr em causa os núcleos essenciais de tais liberdades violando, deste modo, também o princípio da salvaguarda do núcleo essencial consagrado no artigo 18. n. 3 da C.R.P.

VII - Termos em que deverá ser decretada a inconstitucionalidade da norma resultante interpretaçáo em causa.

4 - O recorrido apresentou as seguintes conclusóes nas contra-alegaçóes:

1 - O presente recurso náo pode ser apreciado por uma questáo processual, visto que nas contra -alegaçóes para o STJ a questáo de inconstitucionalidade suscitada foi a verdade e o interesse público em informar enquanto causas de exclusáo da ilicitude, enquanto no requerimento de interposiçáo de recurso e nas alegaçóes para a presente instância foi a inadmissibilidade da culpa inconsciente e da culpa abaixo da mediana, enquanto pressupostos da responsabilidade subjectiva por ofensa ao bom -nome;

2 - Nos termos do disposto no artigo 76., n. 2 da LCT, o presente recurso é inadmissível porque a questáo da inconstitucionalidade (culpa inconsciente e abaixo da mediana) náo foi suscitada durante o processo (artigos 280., n. 1, al. b) da CRP e artigo 70., n. 1, al.

32728 b) da LCT), náo foi indicada a peça processual (artigo 75. -A, n. 2 da LCT) e o recurso é manifestamente infundado;

3 - O argumento da surpresa ou da imprevisibilidade da decisáo recorrida para justificar o facto da questáo da inconstitucionalidade náo ter sido suscitada no Tribunal a quo, náo deve colher, uma vez que a interpretaçáo feita pelo STJ é suportada pela própria lei - o artigo 484. do C.C. é uma especificidade da responsabilidade subjectiva que se basta com a culpa inconsciente;

4 - à cautela, sempre se dirá que, o STJ considerou que a culpa inconsciente é um juízo de censura e de reprovaçáo pela falta de previsibilidade, pela falta de consciência da ocorrência do evento danoso, quando, com a diligência devida, e atentas as normas reguladoras da actividade jornalística, tal ocorrência era expectável; A culpa inconsciente é ainda um estado psicológico que se traduz no relaxamento do esforço da vontade para actuar licitamente, o que é reprovável;

5 - Entendeu -se também que a diligência devida remete para o critério do artigo 487., n. 2 do C.C. do bom pai de família, do homem médio, do jornalista tipo naquelas circunstâncias concretas; era, assim exigível que, atentas as regras dos artigos 14., al. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas e 3. da Lei de Imprensa, um jornalista médio previsse o dano.

6 - O STJ usou dois critérios distintos para apuramento dos pressupostos da responsabilidade subjectiva por ofensa ao bom -nome: o da culpa inconsciente, enquanto nexo de imputaçáo do acto ilícito ao agente e o da culpa abaixo da mediana, enquanto critério para a fixaçáo da indemnizaçáo, nos termos do disposto no artigo 494. do C.C., o qual prevê que haja uma aplicaçáo ao caso concreto de circunstâncias atenuantes para a graduaçáo da indemnizaçáo - veja-se parecer anexo.

7 - Os dois critérios náo sáo confundíveis e, em última instância, o critério da culpa abaixo da mediana só revela para efeitos do disposto no artigo 494. do C.C; ora, a apreciaçáo do quantum indemnizatório - verdadeiro motivo que move os recorrentes no presente recurso - náo pode ser ora conhecida por extemporânea.

8 - Em suma, o STJ socorreu -se dos conceitos e dos critérios supra referidos para fundamentar a sua decisáo, a qual náo padece de qualquer inconstitucionalidade por violaçáo do disposto nos artigos 37. e

38. da C.R.P., uma vez que a interpretaçáo feita foi sustentada tanto pelo disposto nos artigos 483., 484., 487., n. 2, 494. e 496., n. 3 do C.C., como nos artigos 14., al. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas e 3. da Lei de Imprensa e ainda nos artigos 18. e 26. da CRP.

Nestes termos e nos demais de direito, náo deverá ser dado provimento ao presente recurso.

5 - Tendo o recorrido invocado a excepçáo de náo conhecimento do objecto deste recurso, foram os recorrentes notificados, ao abrigo dos artigos 702., n. 2, e 704., n. 2, CPC, aplicáveis ex vi artigo 69. da LTC, para responder às contra -alegaçóes nessa parte, o que fizeram nos seguintes termos:

1 - Náo tem o recorrido razáo no que alega náo só quanto à imprevisibilidade do teor da decisáo do STJ como quanto à dicotomia que estabelece entre ilicitude e culpa para afastar a ilicitude dos presentes autos.

2 - No que concerne ao primeiro aspecto, dir -se -á táo -somente que ao recorrente náo é exigível que preveja todas as hipóteses de soluçáo possíveis e quanto a todas elas invoque as eventuais inconstitucionalidades.

3 - Na verdade, o recorrente que vencera na 1.ª instância e no Tribunal da Relaçáo, no seu recurso para o Supremo configurou uma hipótese de decisáo desfavorável, com o grau de generalidade possível, que, no seu entender, configuraria um entendimento inconstitucional das normas em causa, salientando a questáo da licitude/ilicitude.

4 - O STJ veio a decidir no sentido altamente improvável que se admitira mas, em vez de focar o aspecto da ilicitude, por considerar irrelevante a veracidade ou náo da notícia e náo considerar ser de interesse público a sua divulgaçáo, baseou -se na culpa do jornalista resultante de uma pretensa falta de diligência, construída a partir de uma factualidade que a náo consagrava.

5 - Face ao teor da decisáo, entendeu entáo o recorrente dever o recurso de inconstitucionalidade, sem prejuízo de estar em causa o direito à informaçáo, isto é, tratar -se de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT