Acórdão n.º 1/92, de 20 de Fevereiro de 1992

Acórdão n.º 1/92 Processo n.º 299/87 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - O procurador-geral-adjunto em exercício no Tribunal Constitucional requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, da Constituição (na sua versão de 1982, a que corresponde, na actual versão decorrente da Lei Constitucional n.º 1/89, o artigo 281.º, n.º 3) e do artigo 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade superveniente com efeitos a partir da entrada em vigor da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro - do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81, de 7 de Março.

Invoca como fundamento do seu pedido o facto de aquela norma ter sido julgada inconstitucional, por violação do artigo 115.º, n.º 5, da Constituição, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/82, em três casos concretos, através dos Acórdãos n.os 354/86, de 16 de Dezembro, no processo n.º 195/85, da 2.' Secção, 19/87, de 14 de Janeiro, no processo n.º 332/85, da 2.' Secção, e 384/87, de 22 de Julho, no processo n.º 173/85, também da 2.' Secção.

O requerimento vem instruído com cópia dos mencionados Acórdãos n.os 354/86, 19/87 e 384/87, os quais foram, entretanto, publicados no Diário da República, 2.' série, de 11 de Abril, de 31 de Março e de 15 de Dezembro de 1987,respectivamente.

2 - Admitido o pedido, foi notificado o Primeiro-Ministro para, querendo, sobre ele se pronunciar, no prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 54.º e 55.º da Lei n.º 28/82.

Na sua resposta, o Primeiro-Ministro limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.

3 - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 281.º, n.º 2, da Constituição (na redacção que antecedeu a Lei Constitucional n.º 1/89) e 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional em três casos concretos, cabendo a iniciativa do processo a qualquer dos seus juízes ou ao Ministério Público e seguindo este processo de repetição do julgado trâmites idênticos aos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade.

Estando, no caso dos autos, reunidos os requisitos indispensáveis ao conhecimento de meritis do pedido, vejamos se existem fundadas razões jurídicas para, em sede de fiscalização abstracta, este Tribunal declarar a inconstitucionalidade da norma em apreço.

II - Fundamentos 4 - O Decreto-Lei n.º 39/81, de 7 de Março, veio, no seu artigo 1.º, dar nova redacção ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, o qual passou a dispor o seguinte: As pensões devidas por acidente de trabalho ou por doenças profissionais que não sejam de responsabilidade da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais são sempre calculadas com base na Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, no Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 459/79, de 23 de Novembro, e nos salários anuais correspondentes a 12 vezes a remuneração mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exerce a sua actividade e para o território continente ou Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira - onde a exerce, desde que a respectiva remuneração anual seja inferior a esses valores.

Por sua vez, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81 prescreve: As dúvidas suscitadas na execução deste diploma serão resolvidas por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais.

É justamente a última disposição legal transcrita - a qual habilita a Administração (in casu, os Ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais) a emanar regulamentos interpretativos (na forma de despacho ministerial conjunto) das disposições do Decreto-Lei n.º 39/81 - que constitui objecto do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, com efeitos a partir da entrada em vigor da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.

O preceito constitucional que é invocado pelo requerente como sendo ferido por aquela norma legal é, como já foi referido, o artigo 115.º, n.º 5 - disposição aditada pela Lei Constitucional n.º 1/82 -, o qual dispõe o seguinte: Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

Não é, porém, esta norma constitucional no seu todo - a qual encerra uma pluridade de comandos - que tem de chamar-se para ser confrontada com a norma do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81, mas tão-só uma sua dimensão ou segmento, precisamente aquele em que se estatui que 'nenhuma lei pode [...] conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar [...] qualquer dos seus preceitos'.

5 - Os fundamentos dos três arestos mencionados, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81, podem sintetizar-se nos seguintes termos: a) Antes da revisão constitucional de 1982 eram frequentes no nosso ordenamento jurídico normas com a do citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81, de 7 de Março, isto é, preceitos nos termos dos quais as dúvidas suscitadas na execução dos diplomas legais em que estavam inseridos seriam resolvidas por despachos ministeriais. Aquelas normas eram havidas como constitucionalmente legítimas, à luz da versão originária da Constituição de1976; b) O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81, tendo sido editado antes da Lei Constitucional de 1982, não era, pois, passível de qualquer censura no plano da constitucionalidade, o mesmo acontecendo com o Despacho Normativo n.º 180/81, uma vez que também este viu a luz do dia antes da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro; c) Mas, com a publicação da Lei Constitucional n.º 1/82, e mais concretamente por força do artigo 115.º, n.º 5, da Constituição - preceito aditado por aquela -, a norma do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81 tornou-se supervenientemente inconstitucional (com efeitos a partir da entrada em vigor daquela lei constitucional). E isto por aquele preceito da lei fundamental veio inconstitucionalizar os 'actos de outra natureza', isto é, os actos de natureza diferente das leis, com o poder de, com eficácia externa, interpretar qualquer dos preceitos contidos em lei.

Além disso, acolhendo a doutrina de Gomes Canotilho/Vital Moreira, esclarecem os mencionados arestos que 'a proibição de actos interpretativos ou integrativos das leis não exclui obviamente todos os actos interpretativos ou integrativos, mesmo com eficácia externa. O que se pretende proibir é a interpretação (ou integração) autêntica das leis através de actos normativos não legislativos, seja de natureza administrativa (ex.: regulamentos), seja de natureza jurisdicional (ex.: sentenças) [...] Proíbe-se também a interpretação (ou integração) autêntica da lei através de actos administrativos (ex.: despachos normativos), os quais, portanto, só podem ter eficácia interna, em relação aos próprios serviços administrativos' (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 2.' ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pp. 62 e 63); d) Todavia, o Despacho Normativo n.º 180/81, publicado no Diário da República, 1.' série, n.º 165, de 21 de Julho de 1981 - que contém disposições interpretativas do Decreto-Lei n.º 39/81 e foi emitido ao abrigo da habilitação constante do artigo 3.º deste diploma legal -, não é supervenientemente inconstitucional, já que não lhe é directamente aplicável o artigo 115.º, n.º 5, da Constituição, e a sua inconstitucionalidade também não pode derivar da inconstitucionalidade da norma do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81.

6 - Os Acórdãos deste Tribunal n.os 354/86, 19/87 e 344/87 basearam-se num determinado pressuposto (o qual não é, porém, explicitado por eles): o de que o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/81 contém uma abertura para uma interpretação autêntica, através de um despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais, dos preceitos...

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