Acórdão n.º 576/2006, de 13 de Dezembro de 2006

Acórdáo n.o 576/2006

Processo n.o 755/2006

Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1- Relatório. - Por decisáo de 5 de Maio de 2006 do juiz do

  1. o Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Guimaráes, foi declarada a insolvência de BÉBÉLAR - Têxteis e Confecçóes, L.da, que se apresentara à insolvência, e designado como administrador da insolvência José António Ferreira de Barros.

No decurso da assembleia de credores, realizada em 17 de Agosto de 2006, foi submetida à votaçáo uma proposta de substituiçáo do administrador anteriormente nomeado, proposta que foi aprovada por credores que representavam 63,25 % dos créditos reclamados, na sequência do que foi proferido o seguinte despacho judicial:

Do resultado da votaçáo extrai-se que a assembleia de credores votou maioritariamente pela substituiçáo do Sr. Administrador.

Nos termos do disposto no artigo 53.o, n.o 3, o juiz só pode deixar de nomear como administrador da insolvência a pessoa eleita pelos credores quando a mesma náo esteja inscrita na lista oficial ou quando careça de idoneidade ou aptidáo para o exercício do cargo.

Nos termos do disposto no artigo 202.o, n.o 1, da Constituiçáo da República Portuguesa, é aos tribunais que compete administrar a justiça em nome do povo, aqui se incluindo obviamente, nos termos das leis processuais, a tramitaçáo dos vários processos e o respectivo julgamento.

Ora, face às competências previstas no CIRE para o administrador da insolvência, crê-se que o conteúdo das normas previstas no artigo 53.o do CIRE padece de inconstitucionalidade por manifesta violaçáo do conteúdo essencial da funçáo jurisdicional. Com efeito, é ao juiz que incumbe a nomeaçáo do administrador de insolvência, bem como a fiscalizaçáo do exercício das respectivas funçóes, sendo essa nomeaçáo um acto de relevante importância no desenvolvimento de todo o processo.

Assim, é nosso modesto entendimento que viola frontalmente a CRP a atribuiçáo de poderes à assembleia de credores para alterar, sem qualquer fundamentaçáo mínima, sem qualquer justificaçáo válida, a nomeaçáo feita pelo juiz do processo.

Assim, por considerar inconstitucionais, in casu, as normas do artigo 53.o do CIRE e nos termos do disposto no artigo 204.o da CRP, decido desaplicar, por violaçáo do disposto no artigo 202.o, n.os 1 e 2, da CRP, as referidas normas e, em consequência, mantenho em funçóes o Sr. Administrador já nomeado.

É deste despacho que vem interposto recurso pelo Ministério Público, nos termos dos artigos 70.o, n.o 1, alínea a), e 72.o, n.o 3, da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.o 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo-se ver apreciada a inconstitucionalidade, por violaçáo do artigo 202.o da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), da norma constante do artigo 53.o, n.o 3, do Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.o 53/2004, de 18 de Março.

Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério

Público apresentou alegaçóes, concluindo:

1.o Náo se situa no âmbito da funçáo jurisdicional a escolha ou designaçáo, em processo de natureza executiva, singular ou universal, da pessoa ou entidade a quem está cometida uma funçáo de gestáo material do processo, realizando todos os actos que náo dependam de actuaçáo ou decisáo do juiz.

2.o Mesmo que se considere que, em tais processos, o princípio constitucional da 'reserva do juiz' implica que - apesar da des-

judicializaçáo parcial prosseguida pelo legislador - ao juiz deve estar cometido um poder geral de controlo do processo, adequando-o aos seus fins e sindicando a actuaçáo dos intervenientes processuais que cooperam com o tribunal, a norma constante do artigo 53.o do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 53/2004, de 18 de Março, náo afronta tal princípio.

3.o Na verdade, face ao regime legal estabelecido, incumbe ao juiz valorar a nomeaçáo feita pela assembleia de credores, rejeitando-a quando formule um juízo negativo acerca das capacidades e idoneidade do eleito, bem como sindicar a sua actuaçáo processual, destituindo o quando ocorra justa causa.

4.o Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com um juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisáo recorrida.

Os recorridos náo apresentaram contra alegaçóes.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2- Fundamentaçáo. - 2.1 - A decisáo recorrida recusou a aplicaçáo da norma do artigo 53.o,n.o 3, do CIRE, por a reputar violadora do artigo 202.o, n.o 1 («Os tribunais sáo os órgáos de soberania com competência para aplicar a justiça em nome do povo») e n.o 2 («Na administraçáo da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadáos, reprimir a violaçáo da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados»), da CRP, já que desrespeitaria o «conteúdo essencial da funçáo jurisdicional», por ser «ao juiz que incumbe a nomeaçáo do administrador de insolvência, bem como a fiscalizaçáo do exercício das respectivas funçóes, sendo essa nomeaçáo um acto de relevante importância no desenvolvimento de todo o processo».

O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de, por várias vezes, densificar o conceito constitucionalmente relevante de funçáo jurisdicional, cujo exercício incumbe aos tribunais, mas tem-no feito, na maioria das vezes, em contraposiçáo...

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