Acórdão n.º 631/99, de 28 de Dezembro de 1999

Acórdão n.º 631/99 Processo n.º 245/99 Acordam no plenário do Tribunal Constitucional: 1 - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores requer, nos termos dos artigos 281.º, n.º 1, alínea e), e 2.º, alínea g), da Constituição da República Portuguesa (CRP), em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, por violação do princípio contido no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto.

Fundamentou o pedido nos seguintes termos: '1.º Dispõe o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, que 'o Governo Regional fica autorizado, através do Secretário Regional da Presidência para as Finanças e Planeamento, a assumir, nos termos legais e até ao montante de 2,1 milhões de contos, a dívida das autarquias locais'.

  1. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, estatui que 'não são permitidas quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e freguesias por parte do Estado, das Regiões Autónomas, dos institutos públicos e dos fundos públicos'.

  2. Ora, a competência legislativa regional encontra-se limitada não apenas por parâmetros de constitucionalidade - o interesse específico e as matérias reservadas aos órgãos de soberania -, mas também por um parâmetro de legalidade - o respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República [artigos 112.º, n.os 4 e 5, e 227.º, n.º 1, alínea a)].

  3. A Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, constitui uma lei geral da República, na medida em que preenche os três requisitos constitucionalmente consagrados para o efeito: o âmbito espacial de aplicação; a razão de ser; e a autoqualificação (Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores - Anotado, Lisboa, 1997, pp. 107 e segs.).

  4. Em primeiro lugar, a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, vigora em todo o território nacional, como esclarece o seu artigo 35.º ao estabelecer que 'a presente lei é directamente aplicável aos municípios e freguesias das Regiões Autónomas'.

  5. Em segundo lugar, não obstante as dificuldades inerentes à dilucidação da 'razão de ser' de uma lei, afigura-se indiscutível que a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, versando sobre uma componente basilar do poder local, contém necessariamente princípios fundamentais cuja observância é sinal e garantia do carácter unitário do Estado (Barbosa de Melo, Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, Estudo e Projecto de Revisão Constitucional, Coimbra, 1981, pp.

    264 e segs.), estabelecendo, em consequência, um regime cujo âmbito nacional é imperativo por natureza (Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1984, pp. 203 e 204).

  6. Em terceiro lugar, a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, foi decretada pelo legislador parlamentar, nos termos do n.º 5 do artigo 112.º, 'para valer como lei geral da República', como se comprova pela simples leitura do proémio do diploma (artigos 9.º, n.º 5, e 11.º, n.º 1, da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro).

  7. Por outro lado, não há dúvida de que o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, proibindo quaisquer formas de subsídios ou comparticipações, estabelece um princípio fundamental em matéria de relacionamento financeiro entre as autarquias locais e o Estado e entre as autarquias e as Regiões Autónomas, o qual constitui não só um corolário da autonomia financeira daquelas, mas também uma regra essencial à transparência das relações financeiras em questão e uma garantia da igualdade de tratamento das autarquias por parte do Estado e das Regiões Autónomas.

  8. O n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, ao autorizar o Governo Regional a assumir uma parte substancial das dívidas das autarquias, permite a atribuição aos municípios e freguesias sediados na Região de uma determinada modalidade de comparticipação financeira, colocando em risco os valores ínsitos no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, e, muito em especial, a igualdade de tratamento entre as autarquias locais dos Açores e as demais autarquias do continente e da Madeira.

  9. É certo que o princípio contido no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, comporta excepções, algumas delas previstas nos restantes números do mesmo preceito, mas é igualmente verdade que nenhuma dessas excepções permite enquadrar a simples assunção de dívidas das autarquias locais.

  10. Aliás, a única referência da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, a dívidas das autarquias locais, constante do artigo 8.º, apenas se refere às dívidas 'definidas por sentença judicial transitada em julgado ou por elas não contestadas' e destina-se, numa lógica de autonomia e responsabilidade financeira, a estabelecer um regime em que o pagamento dessas mesmas dívidas se faz por conta das verbas a transferir, segundo as regras gerais do diploma, para as autarquias respectivas.

  11. Nem se invoque o poder normativo atribuído às Assembleias Legislativas Regionais pelo n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, onde se estatui que, 'tendo em conta a especificidade das Regiões Autónomas, as Assembleias Legislativas Regionais poderão definir outras formas de cooperação técnica e financeira', porque não apenas a situação de endividamento de algumas das autarquias açorianas não apresenta quaisquer especificidades face às demais autarquias, como também a assunção de dívidas não se enquadra no conceito de cooperação técnica e financeira, que abrange somente as situações que transcendam 'a capacidade ou responsabilidade autárquica' (artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 363/88, de 14 de Outubro) ou 'projectos de investimento', envolvendo um ou mais municípios e departamentos da administração central ou regional (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 384/87, de 24 de Dezembro; Decreto Legislativo Regional n.º 6/95/A, de 28 de Abril).

  12. Da mesma forma, o artigo 35.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, ao estatuir que a sua aplicação às Regiões Autónomas se faz 'sem prejuízo da sua regulamentação pelas Assembleias Regionais, na medida em que tal se torne necessário' não constitui norma habilitante suficiente para o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, porquanto, como frisou já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 82/86 (Diário da República, 1.' série, de 2 de Abril de 1986), o sentido de tais disposições não pode ser outro senão o de reconhecer aos referidos órgãos a competência para a emanação de meros regulamentos de execução, com o objectivo de 'enunciar os pormenores ou minúcias que o legislador omitiu e são necessários à aplicação da lei (no caso, à sua adaptação às especificidades regionais)'.

  13. Por outro lado, não procede também...

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