Decreto n.º 14/2021

ELIhttps://data.dre.pt/eli/dec/14/2021/06/07/p/dre
Data de publicação07 Junho 2021
SeçãoSerie I
ÓrgãoPresidência do Conselho de Ministros

Decreto n.º 14/2021

de 7 de junho

Sumário: Projeto de Decreto que classifica como bens de interesse nacional a laje votiva em língua lusitana proveniente do Monte do Coelho, a placa em mármore com representação escultórica da Virgem com o Menino, atribuída a Gregorio di Lorenzo, a píxide sapi-portuguesa do século XVI e o esqueleto da Criança do Lapedo e artefactos arqueológicos associados, e como conjunto de interesse nacional as 29 estelas decoradas provenientes do Cabeço da Mina, sendo-lhes atribuída a designação de «tesouro nacional».

O presente decreto procede à classificação, como bens de interesse nacional, com a designação de «tesouro nacional» dos seguintes bens móveis: laje votiva em língua lusitana proveniente do Monte do Coelho, em Arronches; placa em mármore com representação escultórica da Virgem com o Menino, atribuída a Gregorio di Lorenzo, Itália, século xv, incorporada na coleção da Parques de Sintra-Monte da Lua, S. A.; píxide sapi-portuguesa do século xvi, pertencente a coleção particular; esqueleto da Criança do Lapedo e artefactos arqueológicos associados, em depósito no Museu Nacional de Arqueologia, e 29 estelas decoradas provenientes do Cabeço da Mina, em Vila Flor.

De acordo com os critérios e os pressupostos de classificação previstos na Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização cultural, os bens que o Governo classifica como de interesse nacional revestem-se de excecional interesse nacional, pelo que se torna imperativo que se lhes proporcione especial proteção e valorização, nos termos que a lei prevê.

Nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 148/2015, de 4 de agosto, os bens ora classificados refletem os critérios constantes do artigo 16.º do mesmo diploma, relativos ao interesse dos bens enquanto testemunhos notáveis de vivências ou factos históricos, ao seu valor estético, técnico ou material intrínseco, ao seu interesse como testemunho simbólico ou religioso, à sua importância na perspetiva da sua investigação histórica e científica, e ao que nele se reflete do ponto de vista de memória coletiva.

Assim, no que concerne à laje votiva em língua lusitana proveniente do Monte do Coelho, em 1997 foi identificada nesse Monte, em Arronches, uma inscrição votiva em língua lusitana efetuada sobre uma laje de grauvaque em relativo bom estado de conservação. Esta peça apresenta uma altura máxima de 89,5 cm, por uma largura máxima de 79 cm e uma espessura entre os 2,7 cm e 7,5 cm, destinando-se, na sua função original, a ser fixa no solo em posição vertical. O texto foi epigrafado em caracteres latinos, mas em língua lusitana, devendo datar da primeira metade do século i d.C. A paginação é cuidada atendendo à regularidade dos espaços interlineares, à pontuação e ao esmero posto na gravação por goiva, ocupando a epígrafe, dividida em duas partes distintas, o espaço disponível no sentido da largura e da altura, tendo igualmente existido a preocupação de a situar na zona superior da laje. A superfície destinada à gravação foi previamente alisada podendo ser lido o seguinte texto:

+++A+++AM. OILAM. ERBAM [...] / HARASE. OILA. X. BROENEIAE. HA[RACAE]/ OILA. X. REVE. A(ugusto?). HARACVI. T. AV[RO] / IFATE. X. BANDI. HARAGVI AVR[...] / MVNITIE CARLA CANTIBIDONE. A [...]

APINVS. VENDICVS. ERIACAINVS / OVGVRANI / ICCINVI. PANDITI. ATTEDIA. M (?).TR (?) / PVMPI. CANTI. AILATIO

Segundo os últimos estudos efetuados, a laje de Arronches documenta o sacrifício de 35 animais, entre ovelhas e touros, a divindades indígenas: Harase, Broeneia, Reve, Bandi e Munitie. Na segunda parte da inscrição, surgem os nomes dos três oficiantes que celebraram a cerimónia: Apinius, Vendicus e Eriacainus.

O conteúdo da mensagem da inscrição de Arronches, seguramente um dos achados mais relevantes dos últimos anos na epigrafia da Lusitânia romana, esclarece vários aspetos importantes sobre o comportamento das comunidades classificáveis como lusitanas que, de outra maneira, não era possível conhecer, nomeadamente a prática de ritos coletivos como fator identitário, bem como a sua dimensão social, jurídica e religiosa. Não menos importante é confirmar-se a existência de indivíduos que, entre as populações lusitanas, demonstravam não só dominar o alfabeto latino mas também compreender o seu mecanismo a ponto de serem capazes de o adequar ao registo da sua própria língua.

No que concerne à placa em mármore com representação escultórica da Virgem com o Menino, está atribuída a Gregorio di Lorenzo, escultor florentino ativo entre meados do Quattrocento e os primeiros anos da centúria seguinte e discípulo de Desiderio da Settignano, durante muito tempo conhecido como o anónimo Mestre das Madonnas de mármore. Pertenceu à Coleção Cook, integrando o acervo do Palácio de Monserrate, no qual foi recentemente reintegrada.

Relativamente ao interesse histórico da obra, destaca-se o facto de respeitar a um período artístico de cronologia fundamental para a História da Arte europeia, estando o seu percurso ainda relacionado com a história do colecionismo e do mecenato cultural europeu e nacional, nomeadamente com a constituição da notável coleção portuguesa de Sir Francis Cook. A este respeito, importa, ainda, salientar a raridade das esculturas florentinas do Quattrocento e Cinquecento em Portugal, particularmente notória nas coleções públicas, constituindo este relevo marmóreo uma importante adição ao acervo nacional.

No que alude à píxide sapi-portuguesa, importa referir que como resultado do interesse português e, por esta via, igualmente europeu, que despertavam, entre meados do século xv e meados do século xvi, os marfins africanos provenientes dos territórios situados entre o Senegal e a Serra Leoa, os exímios artesãos locais produziram muitas peças neste material, destinadas a satisfazer encomendas portuguesas. De entre todas as obras importadas deste género, a categoria mais rara é a das pequenas caixas com tampa, designadas píxides, e geralmente identificadas como hostiários. Atualmente conhecem-se apenas três exemplares desta tipologia, estando apenas dois em território nacional, e sendo aquele agora classificado o mais completo e interessante deste pequeno conjunto.

Com efeito, a peça constitui uma fusão harmoniosa entre o imaginário devocional europeu, de referencial tardo-gótico, com aposição de heráldica manuelina e inscrições em latim, e as técnicas, traços étnicos e mestria dos artistas da região onde foi produzida. Constitui, assim, um notável cruzamento de culturas, linguagens artísticas e materiais, e um testemunho de grande valor das relações estabelecidas entre Portugal e a antiga Serra Leoa entre finais de Quatrocentos e o primeiro terço da centúria seguinte.

No que respeita ao esqueleto da Criança do Lapedo, cumpre referir que o achado deste esqueleto, pertencente a uma criança do Paleolítico Superior, com cerca de 29.000 anos, ocorreu em 1998, na região de Leiria, num abrigo natural existente na margem esquerda do Vale do Lapedo, denominado Abrigo do Lagar Velho. Objeto de diversas intervenções arqueológicas, o Abrigo do Lagar Velho tem vindo a revelar uma importante sequência de ocupações humanas do Paleolítico Superior, encontrando-se, desde 2013, classificado como Monumento Nacional.

Aproveitando uma reentrância natural existente na parede de fundo deste Abrigo, um grupo de caçadores recoletores do Período Gravetense depositou aí o corpo de uma criança que terá falecido no decurso do seu quinto ano de vida. A deposição desta criança envolveu um ritual muito cuidadoso e complexo, incluindo a colocação de um gorro ornamentado com quatro caninos de veado (Cervus...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT