Decreto-Lei n.º 46350, de 22 de Maio de 1965
Decreto-Lei n.º 46350 Tomam-se pelo presente decreto-lei algumas disposições que são pressupostos essenciais da vasta e profunda obra que urge empreender no sector das bibliotecas e arquivos.
Seria injusto esquecer os progressos que neste sector se conseguiram nas últimas três décadas.
O sistema de formação e recrutamento dos funcionários técnicos, organizado pelo Decreto n.º 19952, de 30 de Julho de 1931, e diplomas complementares, entre os quais o Decreto-Lei n.º 26026, de 7 de Novembro de 1935, que instituiu na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra o curso de bibliotecário-arquivista, permitiu elevar consideràvelmente o nível cultural e profissional daqueles funcionários. E a substancial melhoria de vencimentos operada pelo Decreto-Lei n.º 42046, de 23 de Dezembro de 1958, evitará que continuem a perder-se para a carreira valores que só por motivos de ordem económica não obedeciam a decidida inclinação de espírito.
Criaram-se e entraram em funcionamento novos estabelecimentos, como os Arquivos Distritais do Porto, Coimbra (este anexo ao Arquivo da Universidade), Funchal, Ponta Delgada, Viseu e Portalegre, a Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, o Arquivo Municipal de Guimarães.
Ao Arquivo da Universidade de Coimbra e à Biblioteca Geral da mesma Universidade deram-se novos e vastos edifícios que, pela forma por que foram estudados e apetrechados, satisfazem todos os requisitos de estabelecimentos verdadeiramente modelares, e deram-se-lhes também amplos quadros de pessoal que perfeitamente se ajustam à sua importância e às suas necessidades. A Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, depois de concluídos os grandes trabalhos de adaptação e restauro do antigo Palácio de D. José de Bragança e do antigo Paço Arquiepiscopal, ficou com uma bela e completa instalação. E a Biblioteca Nacional de Lisboa, que neste aspecto constituiu durante largos anos problema gravíssimo, vai transferir-se dentro de algum tempo para o grandioso edifício em via de conclusão no Campo Grande.
Mutilar-se-ia, porém, a verdade não acrescentando que, a despeito da melhoria registada, os nossos serviços bibliotecários e arquivísticos estão muito longe de cumprir a sua missão.
Núcleos importantes do nosso património documental se encontram espalhados por todo o País sem que se lhes dispensem os mais elementares cuidados de guarda e conservação. Por outro lado, os nossos estabelecimentos continuam a ter os seus fundos incompleta e defeituosamente inventariados e catalogados, quando não estão convertidos em simples armazém de papéis e livros sobre que não se exerceu ainda o mais leve trabalho de reconhecimento.
Com apresentar nestes termos rudes uma situação que vem de longe, não há a menor intenção de ferir aqueles que têm tido, em qualquer medida, a sua responsabilidade ligada aos serviços, pois, vítimas de circunstâncias que lhes não era possível remover, não merecem agravo. Há apenas o propósito de encarar as realidades e de partir do seu exame para as medidas capazes de as melhorarem.
A primeira e imprescindível medida a tomar no sentido de pôr termo a um estado de coisas tão prejudicial aos interesses da nossa cultura e ao próprio prestígio nacional consiste em dotar o Ministério da Educação Nacional de organismos realizadores da unidade de pensamento e de acção que deve ser a característica dominante da sua política neste sector.
A este pensamento obedeceu a criação da nova 3.' Secção da Junta Nacional da Educação, com a incumbência de definir as directrizes para a defesa, protecção e enriquecimento do património bibliográfico e documental da Nação, bem como a remodelação, a que no presente diploma se procede, dos serviços de inspecção das bibliotecas e arquivos.
Constituída por pessoas altamente qualificadas, umas pelos seus títulos e posições oficiais, outras pela sua cultura e predilecções de espírito; congregando representantes dos serviços bibliotecários e arquivísticos pertencentes não só ao Ministério da Educação Nacional, mas também aos outros departamentos estatais e aos corpos administrativos; proporcionando o contacto de especialistas nas ciências que interessam ao livro e ao documento; dotada da mais ampla competência legal, a nova secção da Junta Nacional da Educação fica a dispor de todas as condições necessárias a um labor que, pela sua índole, não cabia à Inspecção Superior e que a Junta Consultiva das Bibliotecas e Arquivos, reorganizada em 1931 e logo extinta em 1936, não chegou a empreender.
Mas não basta estabelecer orientações e fixar directrizes. É preciso garantir, através de uma acção constante de conselho e de fiscalização técnica, a sua execução e o seu respeito. Importa assegurar, em termos de plena eficiência, a inspecção dos serviços.
A actual Inspecção Superior das Bibliotecas e Arquivos, subordinada à Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes, constitui, sob o ponto de vista legal, um organismo simultâneamente burocrático e técnico.
Tem de modificar-se este regime, que oferece os mais sérios inconvenientes. Por um lado, absorvendo com exigências puramente administrativas grande parte do esforço do pessoal, leva a sacrificar as mais importantes formas de actividade técnica. Por outro, reduzindo frequentemente a Inspecção no domínio burocrático ao papel de mera estância de transmissão, de simples ponte de passagem entre os estabelecimentos e a Direcção-Geral, conduz a inútil duplicação de formalidades e a consequente demora na resolução dos assuntos.
Colocam-se agora os estabelecimentos bibliotecários e arquivísticos na imediata dependência da Direcção-Geral, o que permitirá sensível economia de tempo e de trabalho no andamento dos processos. E libertam-se os inspectores de quaisquer preocupações burocráticas, integrando-os na sua verdadeira função de fiscais da actividade técnica dos serviços.
Uma nota cabe ainda fazer.
Tanto a 3.' Secção da Junta Nacional da Educação como a Direcção-Geral não devem limitar as suas preocupações e a sua actividade aos núcleos documentais e bibliográficos em poder dos serviços do Estado, dos corpos administrativos, dos organismos paraestatais e das entidades subsidiadas pelo Estado.
Na posse de particulares encontram-se, na verdade, muitos documentos que se revestem da mais alta importância para o conhecimento e estudo do passado.
Ora a situação da maioria dos arquivos particulares portugueses, no que respeita à sua conservação e integridade, pode considerar-se francamente precária. De facto, uma série de circunstâncias geralmente conhecidas não permite em muitos casos aos seus actuais proprietários ou detentores conservá-los integralmente como património familiar. E não permite porque, ainda que se considere esse património como vínculo espiritual, o certo é que variadas solicitações de carácter venal muitas e muitas vezes conduzem à sua alienação.
Quem sabe alguma coisa do recheio de certos arquivos estrangeiros, designadamente do Museu Britânico e da Biblioteca do Congresso de Washington, lamenta o conjunto de circunstâncias que favoreceram a compra e consequentemente a saída do nosso país de tantos documentos da mais extrema raridade.
Os estudiosos e os investigadores portugueses são frequentemente alarmados por notícias de que tal ou tal arquivo se encontra à venda, total ou parcialmente. E não raras vezes essas notícias têm tido, infelizmente, real concretização.
São muitos e variados os arquivos particulares portugueses que ainda restam, e que de um momento a outro podem correr o risco de dispersão por venda e de exportação.
E o que se diz dos arquivos tem inteira aplicação a bibliotecas particulares em que se reúnem verdadeiras preciosidades.
Ao Ministério da Educação Nacional, pelos seus órgãos qualificados, pertence tomar ou promover as disposições necessárias para se impedir que a Nação seja privada daquilo que espiritualmente lhe pertence.
Apesar do que sobre o assunto se encontra há muito legislado, apesar dos constantes apelos e renovadas tentativas da Inspecção Superior e da Direcção-Geral junto dos corpos administrativos, apesar das veementes reclamações da opinião pública esclarecida, estão ainda por criar numerosos arquivos distritais. E...
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