Decreto-Lei n.º 289/93, de 21 de Agosto de 1993

Decreto-Lei n.° 289/93 de 21 de Agosto A importância de um regime jurídico actualizado, claro e congruente sobre o património cultural subaquático português de há muito que se faz sentir.

Sendo vasta a nossa costa e extensas as águas sob jurisdição portuguesa, inúmeros são os vestígios arqueológicos que nelas jazem e cuja recuperação nas condições adequadas se impõe assegurar.

Efectivamente, um melhor conhecimento do nosso passado postula a identificação e recuperação dos bens de interesse cultural através de uma metodologia arqueológica específica dos trabalhos subaquáticos, salvaguardando a integridade desses bens e os direitos do achador ou recuperador.

O presente diploma ocupa-se dos bens recuperados que, uma vez classificados de valor cultural, integram o património cultural português e não de todos os achados efectuados no mar ou por ele arrojados, que continuam a reger-se, nomeadamente, pelo Regulamento das Capitanias e pelo Regulamento das Alfândegas, que são em parte derrogados. Na linha dos Decretos-Leis números 416/70, de 1 de Setembro, e 577/76, de 21 de Julho, manteve-se a titularidade dos bens recuperados ou achados fortuitamente.

Estes bens são propriedade do Estado, podendo, no entanto, nas estritas condições previstas, servir para remunerar o achador ou recuperador. Importa salientar que a transferência de propriedade só será autorizada quando os objectos arqueológicos já estejam suficientemente representados nos museus nacionais e regionais.

O regime de prospecção e recuperação é inovadoramente regulado.

Prevêem-se contratos administrativos onde o grau de exigência científica, técnica e financeira dos candidatos é exaustivamente verificado. A par de um procedimento de concurso que garanta a transparência da escolha consagra-se uma apertada fiscalização dos trabalhos arqueológicos subaquáticos.

A remuneração dos concessionários é garantida através de percentagens variáveis sobre o valor dos bens recuperados ou pelos próprios bens quando não haja, como se disse, inconveniente em desafectá-los do domínio público.

Como forma de coordenar os trabalhos arqueológicos subaquáticos institui-se uma comissão com ampla competência deliberativa e consultiva.

Neste órgão estão representados os ministérios cujas atribuições se relacionam com os trabalhos arqueológicos subaquáticos e as Regiões Autónomas.

É de salientar que o funcionamento da comissão permite um acompanhamento eficaz da actividade dos concessionários, a rápida proposta de classificação dos bens que tenham interesse cultural, bem como a respectiva avaliação.

Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Assim: No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.° 13/85, de 6 de Julho, e nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte: CAPÍTULO I Disposições gerais Artigo 1.° Património cultural subaquático 1 - O património cultural subaquático é constituído por todos os bens móveis ou imóveis, testemunhos de uma presença humana, que possuam valor histórico, arqueológico, artístico ou científico, situados inteiramente ou em parte: a) No mar territorial, seus leitos e margens; b) Nos cursos de água, seus leitos e margens; c) Nos lagos e lagoas; d) Nos cais e valas, seus leitos e margens; e) Nas águas sujeitas à influência das marés nos rios, lagos e lagoas, seus leitos e margens; f) Nos pântanos; g) Nas águas subterrâneas; h) Nas águas dos poços e reservatórios; i) Nas zonas inundadas periodicamente ou actualmente assoreadas; 2 - Integram ainda o património cultural subaquático os bens que sejam arrojados ou se encontrem no subsolo das águas referidas no número anterior.

Artigo 2.° Propriedade do Estado 1 - Os bens referidos no artigo anterior sem proprietário conhecido constituem propriedade do Estado.

2 - Equiparam-se a bens sem proprietário conhecido os que não forem recuperados pelo proprietário dentro do prazo de cinco anos a contar da data em que os perdeu, abandonou ou deles se separou de qualquer modo.

Artigo 3.° Trabalhos arqueológicos subaquáticos 1 - São considerados trabalhos arqueológicos subaquáticos todas as acções que, de acordo com uma metodologia arqueológica, tenham por objectivo a prospecção, detecção, localização, sondagem, escavação, remoção, recuperação, tratamento, conservação e protecção dos bens do património cultural subaquático.

2 - Os bens recuperados durante a realização de trabalhos arqueológicos subaquáticos são insusceptíveis de aquisição por usucapião.

Artigo 4.° Comissão do Património Cultural Subaquático É criada a Comissão do Património Cultural Subaquático, abreviadamente designada por Comissão, com o fim de especializadamente acompanhar os trabalhos arqueológicos subaquáticos e proceder à respectiva fiscalização, bem como avaliar os bens achados ou recuperados.

Artigo 5.° Classificação 1 - Os bens referidos no artigo 1.° serão classificados de valor cultural pelo membro do Governo responsável pela área da cultura quando pelo seu relevante interesse histórico, arqueológico, artístico ou científico merecerem especial protecção.

2 - O acto de classificação será objecto de publicação no Diário da República.

Artigo 6.° Procedimento de classificação 1 - O achamento ou recuperação de bens determina a abertura de um procedimento de classificação.

2 - Enquanto decorrer o procedimento de classificação os bens achados ou recuperados não poderão ser alienados, repartidos ou exportados.

3 - É interdita a alienação, repartição ou exportação de bens classificados fora dos termos previstos no presente diploma, sob pena de nulidade dos negócios respectivos.

Artigo 7.° Prazo para a classificação 1 - O procedimento de classificação de achado fortuito inicia-se com o recebimento do auto de achado fortuito na Comissão.

2 - O procedimento de classificação de bens recuperados no decurso de trabalhos arqueológicos subaquáticos inicia-se: a) Em momentos previamente determinados pela Comissão e durante os trabalhos arqueológicos subaquáticos; b) No fim dos trabalhos arqueológicos subaquáticos; c) Quando a Comissão o entender, em função do valor de algum bem recuperado; 3 - O procedimento deve ser concluído no prazo de 60 dias, prorrogável por idêntico período, por despacho do membro do Governo responsável pela área da cultura, ocorrendo circunstâncias excepcionais.

Artigo 8.° Registo Os bens classificados serão registados e só poderão ser alienados, repartidos ou exportados mediante a emissão de um certificado de registo donde constem as especiais limitações a que, nos termos deste diploma e da legislação sobre o património cultural português, ficam sujeitos.

Artigo 9.° Sítios arqueológicos 1 - Poderão ser classificadas como sítios arqueológicos subaquáticos zonas submersas onde se encontrem bens culturais que pela sua natureza ou interesse de conjunto devam permanecer in situ.

2 - A classificação referida no número anterior é precedida de parecer das entidades com atribuições e competências nas áreas das pescas e transportes marítimos.

3 - O decreto de classificação estabelecerá a delimitação da zona e as medidas de salvaguarda do sítio arqueológico subaquático.

CAPÍTULO II Achados fortuitos Artigo 10.° Achado fortuito 1 - Quem por acaso achar ou localizar quaisquer bens previstos no artigo 1.° deverá comunicar o facto à estância aduaneira ou capitania do porto com jurisdição no lugar do achado ou directamente à Comissão.

2 - Pode também o achador comunicar o facto a qualquer autoridade policial, que deverá dar conhecimento da comunicação à Comissão dentro de vinte e quatro horas.

3 - A comunicação do achador a que se referem os números 1 e 2 do presente artigo deverá ser efectuada de imediato ou no prazo máximo de quarenta e oito horas quando a comunicação imediata não seja possível.

4 - Salvo caso de força maior, a falta de comunicação do achado no prazo referido no número anterior determina a perda dos direitos do achador, sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal e contra-ordenacional a que haja lugar.

Artigo 11.° Auto de achado fortuito 1 - A estância aduaneira, capitania do porto ou a autoridade policial a que for comunicado o achado ou a localização de bens lavrará auto de achado fortuito.

2 - O auto especificará a natureza e as características do bem, local, dia e hora da descoberta, bem como a identificação do achador.

3 - A autoridade que lavrar o auto guardará o bem ou, quando isso não for possível, assegurará o depósito do mesmo em condições de segurança.

4 - É obrigatória a entrega ao achador de cópia do auto e recibo do depósito do bem.

5 - A autoridade que lavrar o auto enviará de imediato cópias à Comissão e à autoridade aduaneira, bem como à autoridade marítima que tenha a jurisdição do local do achado.

Artigo 12.° Valor cultural do achado 1 - Quando o membro do Governo responsável pela área da cultura classifique o bem determinará o local do depósito provisório.

2 - A Comissão notificará a classificação ao achador, à autoridade aduaneira, bem como à autoridade marítima que tenha a jurisdição do local do achado.

3 - No caso de a Comissão não se pronunciar pelo valor cultural ou o membro do Governo não concordar com a proposta de classificação, aquela notificará a autoridade aduaneira, bem como a autoridade marítima que tenha a jurisdição do local do achado.

Artigo 13.° Achados fortuitos em obra nova 1 - Quando, em virtude de trabalhos de qualquer natureza, designadamente dragagens, remoção de terra, areia ou outros materiais, prospecções petrolíferas ou de minerais, forem encontrados ou localizados bens previstos no artigo 1.°, o achador ou a entidade responsável pela execução da obra suspenderá de imediato os trabalhos e procederá à comunicação prevista no artigo 10.° 2 - Os trabalhos ficarão suspensos até que a Comissão autorize a respectiva continuação.

3 - A Comissão tem um prazo de 10 dias para deliberar sobre a continuação dos trabalhos, a partir do recebimento do auto de achado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT