Decreto-Lei n.º 72/90, de 03 de Março de 1990

Decreto-Lei n.º 72/90 de 3 de Março O regime jurídico das associações mutualistas encontra-se presentemente fragmentado em três diplomas, dos quais dois de aplicação directa, o Decreto-Lei n.º 347/81, de 20 de Dezembro, e o Decreto Regulamentar n.º 58/81, de 30 de Dezembro, e o terceiro de aplicação supletiva, o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, esquema de que resulta um quadro normativo imperfeito e algo desconexo.

Por outro lado, o decurso do tempo implicou a desactualização da legislação, em virtude do desenvolvimento de novas ideias acerca dos objectivos das associações mutualistas, em clara demarcação da prática tradicional destas instituições em Portugal, fundamentalmente voltadas para formas de protecção não colectiva, com base em estatutos de âmbito territorial e não sócio-profissional.

De facto, adquiriu-se consciência do considerável desajustamento do regime jurídico das mutualidades face à evolução dos novos conceitos de complementaridade da protecção social, com base em iniciativas privadas, designadamente no sector da Segurança Social.

Daí o objectivo do presente diploma de sistematizar e reformular o enquadramento normativo global e modernizado das associações mutualistas que, adaptado ao actual contexto social a nível das comunidades e dos grupos sócio-profissionais, permita proporcionar-lhes uma resposta mais eficaz às novas necessidades de protecção social.

Deste modo, considera-se agora haver melhores condições para a dinamização do movimento mutualista, renovando, expandindo as actuais associações e promovendo a criação de novas instituições, agora com a perspectiva, socialmente muito relevante, de a solidariedade poder ser exercida no âmbito de actividades, de empresas e de grupos sócio-económicos.

Neste sentido, estabelece o Código sete grandes linhas de orientação, que exprimem os seus objectivos de aperfeiçoamento e modernização legislativa.

Em primeiro lugar, dado que a solidariedade de base sócio-profissional é a que melhor se adequa à complementaridade, a nível privado, das prestações garantidas pelo sistema de segurança social, para as quais as mutualidades se encontram especialmente vocacionadas, prevê-se a constituição de associações mutualistas com tal âmbito, isto é, integrando trabalhadores de empresas, grupo de empresas ou de um mesmo ramo de actividade.

Em segundo lugar, em consonância com aquela concepção das instituições mutualistas, reformula-se a matriz dos esquemas de benefícios, diversificando-os e adequando-os às aspirações de uma maior protecção de segurança social e de saúde da comunidade e dos grupos profissionais.

Assim, a par das modalidades de benefícios individuais, em que se tem caracterizado até agora a actividade das mutualidades, prevêem-se modalidades de benefícios colectivos, bem como a gestão, pelas associações mutualistas, de regimes profissionais complementares de segurança social.

Os regimes profissionais complementares, versão comunitária dos esquemas complementares a que se refere a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, Lei da Segurança Social, foram regulamentados pelo Decreto-Lei n.º 225/89, de 6 de Julho, que estabeleceu o seu regime jurídico e financeiro e as condições a que deve obedecer a sua gestão.

Em terceiro lugar, tal diversificação dos esquemas de benefícios envolve, por sua vez, a reforma dos esquemas e métodos de financiamento das associações mutualistas. Deste modo, a quotização dos associados deixa de ser a fonte exclusiva do seu financiamento, mantendo-se, embora, como a sua fonte essencial de receitas. Por outro lado, estabelecem-se princípios que visam salvaguardar o crescimento dinâmico das receitas face aos esquemas de prestações, mediante melhor adequação e aplicação de critérios de actualização de valores.

Em quarto lugar, se na clarificação dos fins das associações mutualistas se dá especial ênfase à sua vocação institucional para prosseguirem objectivos de protecção complementar nos domínios da segurança social e da saúde, prevê-se, no entanto, que, cumulativamente com estes, desenvolvam quaisquer outras actividades de protecção social, designadamente no sector da acção social e, de um modo geral, a promoção da melhoria da qualidade de vida dos associados e suas famílias.

Em quinto lugar, através de uma maior flexibilização da legislação estatutária e de uma certa ideia de desregulamentação, valoriza-se a liberdade e autonomia da organização e do funcionamento das associações mutualistas, com a correlativa responsabilização acrescida dos seus órgãos associativos.

Em sexto lugar, em matéria de gestão financeira, desenvolvem-se regras relativas aos fundos e às aplicações financeiras, por forma a melhor acautelar os interesses e os direitos dos associados e beneficiários. Em contrapartida, prevê-se a possibilidade de reajustar os benefícios e as quotas em consequência da aplicação dos excedentes técnicos.

Finalmente, atenua-se a tutela do Estado, sem prejuízo da salvaguarda, nos casos prescritos, da garantia da efectivação dos direitos dos associados e beneficiários. Nesse sentido, é introduzido um dispositivo tendente a repor o saneamento financeiro ou a regularização do funcionamento das mutualidades, antes de se promover a destituição judicial dos titulares do órgãogestionário.

Estes são, em traços gerais, os grandes parâmetros em que assentam as principais inovações introduzidas pelo Código e que visam revitalizar o movimento mutualista português, facultando-lhe adequado suporte jurídico à sua modernização e à sua inserção cada vez mais profunda no espaço da segurança social privada que lhe é próprio.

Há, de facto, uma área específica para a intervenção organizada dos cidadãos na sua própria protecção. Esta ideia é tanto mais importante quanto é sabido que os sistemas oficiais de segurança social, por razões financeiras e demográficas, bem como pelo seu natural gigantismo, tendem a encontrar certaslimitações.

No entanto, como é evidente, por muito importante que seja uma reforma de legislação, mesmo com a publicação de um Código, que permita a todos um melhor conhecimento das regras aplicáveis, o movimento mutualista e a sua renovação e expansão dependem sempre do reforço do espírito de solidariedade social, pedra de toque do movimento mutualista.

Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Assim: Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo único. É aprovado o Código das Associações Mutualistas, publicado em anexo ao presente diploma, do qual faz parte integrante.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Janeiro de 1990. - Aníbal António Cavaco Silva - Vasco Joaquim Rocha Vieira - Lino Dias Miguel - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Joaquim Fernando Nogueira - Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares - José Albino da Silva Peneda.

Promulgado em 13 de Fevereiro de 1990.

Publique-se.

O Presidente da República, MÁRIO SOARES.

Referendado em 14 de Fevereiro de 1990.

O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.

CÓDIGO DAS ASSOCIAÇÕES MUTUALISTAS CAPÍTULO I Dos princípios fundamentais Artigo 1.º Natureza e fins em geral As associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social com um número ilimitado de associados, capital indeterminado e duração indefinida que, essencialmente através da quotização dos seus associados, praticam, no interesse destes e de suas famílias, fins de auxílio recíproco, nos termos previstos neste diploma.

Artigo 2.º Fins em especial 1 - Constituem fins fundamentais das associações mutualistas a concessão de benefícios de segurança social e de saúde destinados a reparar as consequências da verificação de factos contingentes relativos à vida e à saúde dos associados e seus familiares e a prevenir, na medida do possível, a verificação desses factos.

2 - As associações mutualistas podem prosseguir, cumulativamente com os objectivos referidos no artigo anterior, outros fins de protecção social e de promoção da qualidade de vida, através da organização e gestão de equipamentos e serviços de apoio social, de outras obras sociais e de actividades que visem especialmente o desenvolvimento moral, intelectual, cultural e físico dos associados e suas famílias.

Artigo 3.º Fins de segurança social Para a concretização dos seus fins de segurança social, as associações mutualistas podem prosseguir, designadamente, as seguintes modalidades: a) Prestações de invalidez, de velhice e de sobrevivência; b) Outras prestações pecuniárias por doença, maternidade, desemprego, acidentes de trabalho ou doenças profissionais; c) Capitais pagáveis por morte ou no termo de prazos determinados.

Artigo 4.º Fins de saúde Para a concretização dos seus fins de saúde, as associações mutualistas podem prosseguir, designadamente, as seguintes modalidades: a) Prestação de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação; b) Assistência medicamentosa.

Artigo 5.º Modalidades individuais e colectivas 1 - As associações mutualistas podem exercer os fins referidos nos artigos anteriores através de modalidades de benefícios individuais ou colectivas.

2 - Considera-se modalidade de benefícios colectiva aquela cujo esquema de financiamento é estabelecido em função de um determinado grupo de associados, os quais deverão aderir em conjunto aos benefícios da modalidade.

Artigo 6.º Associações de âmbito sócio-profissional 1 - Podem ser constituídas associações mutualistas cujos objectivos sejam prosseguidos através de modalidades de benefícios colectivas, que abranjam trabalhadores do mesmo sector sócio-profissional, ramo de actividade, empresa ou grupo de empresas.

2 - A criação de associações mutualistas de âmbito sócio-profissional pode resultar de iniciativa das empresas ou grupo de empresas e respectivos trabalhadores, bem como das entidades que os representam.

Artigo 7.º Regimes profissionais...

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