Acórdão nº 999/21.3T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 09-04-2024

Data de Julgamento09 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão999/21.3T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA)

Processo nº 999/21.3T8GRD.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Catarina Gonçalves

2º Adjunto: Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra A... – Companhia de Seguros, S.A.,

pedindo a condenação da Ré condenada a pagar à autora a título de indemnização pelos danos sofridos, a quantia global de 314 183,00 €,

alegando – em síntese – ter sido interveniente em acidente de viação no qual foi atropelada por viatura automóvel cuja responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação estava transferida para a Ré.

A Ré contestou, aceitando alguma da factualidade alegada, desde logo no respeitante ao contrato de seguro e às características do sinistro, impugnando a demais factualidade alegada, concluindo pela improcedência total da ação por ter sido a Autora quem, com o seu comportamento, deu exclusiva causa ao acidente.

Realizada audiência final, foi proferida Sentença, a julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.


*

Inconformada, a autora interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula, face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, ínsito no art. 639º, nº1 do CPC:

(…).

*
A Ré Seguradora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto:
a. Aditamento de factos;
b. Impugnação da decisão proferida quanto aos pontos 12., 15., 17. e 2., da matéria de facto dada como “provada”.
2. Se é de atribuir responsabilidade total/parcial ao condutor do veículo seguro na Ré, pela presunção do artigo 503º, nº3, do CC, ou efetiva.
3. Em caso afirmativo, fixação do montante da indemnização a atribuir à autora.
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A. Matéria de facto

1. Impugnação da matéria de facto.

(…).


*

É a seguinte, a decisão proferida em sede de matéria de facto na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas na sequencia da apreciação da impugnação deduzida pela Apelante:

1. Factos provados

1. No dia 27 de agosto de 2018, pelas 08:00 horas, na EN ...24, ao Km 82,818, na freguesia e concelho ..., distrito ... o veículo ligeiro de mercadorias, marca ..., modelo ..., de cor ..., com matrícula ..-..-XD, propriedade de C... Unipessoal, Lda., conduzido por BB, circulava no sentido ... – ...;

1.a. O condutor do veículo encontrava-se em trabalho às ordens de “C... Unipessoal, Lda”, proprietária do veículo, tinha saído das instalações da entidade patronal, em ..., e dirigia-se para uma obra que estava a ser executada em ....

2. A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação do veículo ..-..-XD estava transferida para a Ré por contrato titulado pela apólice de seguro n.º ...84.

3. O local do acidente configura um entroncamento à direita, atento o sentido de marcha do veículo;

4. A via configura uma subida muito acentuada, atento o sentido de marcha do veículo;

5. A largura da faixa de rodagem no local do acidente é de 7,30 metros e é dividida em duas hemifaixas de largura igual com 3,65 metros cada uma, dedicadas a cada um dos sentidos de trânsito;

6. O limite de velocidade para a circulação dos veículos no local é de 50 Km/hora;

7. Era dia, o piso e traçado estavam secos e em bom estado de conservação;

8. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, a Autora AA fazia a travessia da estrada, da direita para a esquerda – atento o sentido de marcha do veículo – no entroncamento, tendo sido colhida pelo veículo;

9. Não há passadeira para peões no local do embate, nem numa distância de 50 metros;

10. A estrada de acesso de onde provinha o peão tem uma inclinação ascendente, desde o seu início até intercetar com a Estrada Nacional;

11. A Autora realizava esse mesmo atravessamento, com periodicidade diária, há, pelo menos, 30 anos;

12. A Autora foi colhida pelo veículo na hemifaixa da direita, quando se encontrava na metade da via de trânsito mais próxima do eixo da faixa de rodagem e quando havia já percorrido 2,55 metros, a contar da berma.

13. Ocorrendo o embate na parte frontal esquerda da viatura;

14. A Autora transportava um balde equilibrado na sua cabeça contendo legumes no seu interior;

15. Após o embate, a Autora ficou prostrada no solo a distância não superior a 2 metros da viatura;

16. Não resultaram quaisquer marcas de travagem no solo;

17. A viatura imobilizou-se no local do embate;

18. Da placa com as indicações Quinta ... e ... até ao eixo do acesso de onde provinha o peão distam sensivelmente 86 metros;

19. Existe visibilidade livre desde pelo menos 7,60 metros antes do ponto de confluência do eixo da via de acesso de onde provinha o peão com a berma da Estrada Nacional e a 2ª curva situada à sua esquerda (sendo que, a curva mais próxima do peão é aquela que intercepta com a saída para a Quinta .../... e que se desenvolve para a esquerda atento o sentido de marcha de quem sobe; e a 2ª curva, aqui em causa, situa-se mais abaixo desenvolvendo-se para a direita atento o sentido de marcha de quem sobe, portanto aquele em que seguia a viatura interveniente nos autos);

20. O ponto de confluência do eixo da via de acesso de onde provinha o peão com a berma da Estrada Nacional e a 2.ª curva situada à sua esquerda conforme descrito em 19 distam aproximadamente 350 metros;

21. A via de trânsito onde ocorreu o sinistro situa-se fora de localidade e ladeada por campos;

22. Para quem seguia no sentido do veículo, àquela hora a luminosidade era encandeante, pelo que, a visão do condutor do veículo XD vinha sendo perturbada pela luminosidade do sol.

22. a. O condutor conhecia a estrada em que circulava, sabia que se aproximava de um entroncamento onde é frequente a travessia de peões.

23. Foi elaborada, pelo destacamento territorial de ..., Participação do Acidente de Viação, no qual não foi nomeado o peão em virtude de ter sido transportado para o Centro de Saúde antes da chegada dos elementos da GNR;

24. Na sequência do sinistro, a Autora, à data com 68 anos, foi assistida no local pela VMER que a transportou para a unidade de saúde da Guarda EPE;

25. Deu entrada no serviço de urgência com politraumatismos e fraturas diversas;

26. Esteve internada entre 27 de agosto e 16 de outubro de 2018 nos serviços de medicina intensiva e de ortopedia;

27. Em 16/10/2018 foi transferida para a UMDR SCM de ... onde permaneceu até 13/06/2019, data em que regressou para a sua residência;

28. Na sequência do sinistro a Autora, à data com 68 anos, passou a padecer das seguintes sequelas:

i. Pescoço: cicatriz cervical anterior linear com 4cm normocromica;

ii. Ráquis: Cervicalgia mecânica com rigidez cervical mais marcada em inclinações laterais. Ligeira diminuição da força muscular apendicular dos quatro membros G4. ROT com ligeira hiperreflexia de bicipital e patelar de forma simétrica. Rigidez e dor lombar de características mecânicas. Sem capacidade para realização de Romberg. Mantem ortostatismo em posição com base alargada com necessidade de supervisão;

iii. Membro superior esquerdo: limitação da mobilidade do membro superior esquerdo, mais focalizada ao nível do ombro esquerdo. EA50⁰; EL30⁰; RE 0⁰' RI polegar a L5. Leva mão à boca, mas não permite mão a orelha ipsilateral

iv. Membro inferior direito: Limitação da mobilidade do membro inferior direito com arco em 0 e 100⁰

v. Membro inferior esquerdo: dor sacroilíaca e pélvica mais marcada à esquerda. Limitação da mobilidade do membro inferior esquerdo com arco em 0 e 80⁰. Realiza marcha com andarilho, lentificada, segura, com transferência de carga para o membro inferior direito;

29. A data de consolidação das lesões é fixável em 13/06/2019;

30. O défice funcional temporário total é de 56 dias;

31. O défice funcional temporário parcial é de 235 dias;

32. O quantum doloris de grau 6 numa escala de 7;

33. Padece de um dano estético de grau 4 numa escala de 7;

34. Como consequência do sinistro, a Autora passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 50,36 pontos;

35. E de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer num grau de 3 numa escala de 7;

35.a. Com repercussão na atividade sexual.

36. Por força do sinistro, a Autora passou a depender de:

a. tratamentos médicos regulares, estimados em até 3 ciclos de 20 sessões por ano de programa de reabilitação física;

b. ajudas técnicas, nomeadamente, andarilho, cadeiras de rodas e cadeira de banho;

c. ajuda de terceira pessoa, em período estimado em 5 horas diárias;

37. À data do sinistro, a Autora encontrava-se reformada desde 16/07/2016;

38. Como consequência do atropelamento de que foi vítima, a Autora suportou as seguintes despesas:

a. Medicamentos: 893,17 €

b. Consulta, exames: 780,00 €

c. Pagamentos Santa Casa da Misericórdia: 5 991,83 €

d. Tala de joelho: 128,00 €

e. Fraldas, fralda - cueca e resguardos de cama: 2 400,00 €

f. Obras de adaptação que na sua residência: 3 690,00 €

39. A Autora padeceu de sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, consultas e o período de recuperação;


*

B. O Direito.

1. Contribuição do veículo seguro na Ré para o deflagrar do acidente.

A decisão recorrida veio a julgar a ação totalmente improcedente, atribuindo a culpa do acidente em exclusivo ao peão, com base na seguinte apreciação que faz do circunstancialismo dado como provado:

“Num...

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