Acórdão nº 998/20.2T8SRE-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-01-18

Ano2022
Número Acordão998/20.2T8SRE-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Em 06.5.2020, A. instaurou execução (para pagamento de quantia certa) contra B. e C. , com base no disposto no art.º 14º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano/NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 - na redação conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02), pedindo, além do mais, o pagamento das rendas vencidas correspondentes aos meses de julho de 2015 e junho a setembro de 2017, no valor global de € 925 (€ 185 x 5) e, ainda, atento o disposto no art.º 1045º, n.º 2, do Código Civil (CC), a indemnização pela não restituição do imóvel desde outubro de 2017 a abril de 2020 (restituído em 10.3.2020), no montante de € 11 470 [31 x € 185 x 2].

Por despacho de 11.6.2020, a Mm.ª Juíza a quo, nos termos do art.º 726, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) indeferiu o requerimento executivo relativamente ao pagamento (coercivo) de € 11 470, a título de indemnização, “uma vez que, nessa parte, o título não se mostra revestido de força executiva”.
Inconformada, visando a revogação daquele despacho, o exequente apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - Em 25.8.2017 o Exequente decidiu resolver o contrato de arrendamento, nos termos do n.º 3 do art.º 1083º do CC, tendo por fundamento a falta de pagamento das rendas vencidas referentes aos meses de Julho de 2015 e Junho a Setembro de 2017, no valor global de 925 € (novecentos e vinte e cinco euros).

2ª - Enviando, para o efeito, uma carta registada com aviso de receção, nos termos dos art.ºs 9º e 10º do NRAU, para a morada do locado e do fiador indicada no contrato de arrendamento.

3ª - Não tendo os Executados procedido ao pagamento das rendas vencidas, bem como, da penalidade de 50 % pelo atraso no seu pagamento, no período de trinta dias, desde o recebimento da comunicação supra referida, a resolução produziu retroativamente os seus efeitos em 31.8.2017 (data de assinatura do aviso de receção pelo arrendatário), a partir da qual o Executado arrendatário deveria ter entregue o imóvel ao Exequente.

4ª - Face à conduta relapsa do Executado arrendatário, o Exequente foi obrigado a lançar mão do competente procedimento especial de despejo ao qual foi atribuído o n.º 3508/17.5YLPRT.

5ª - Nessa sequência, o Exequente apenas conseguiu obter a posse do imóvel por via do despejo que ocorreu em 10.3.2020.

6ª - O Exequente nas comunicações enviadas aos Executados é contundente ao informar das implicações legais que recairiam sobre os mesmos, caso não procedessem à restituição do locado após a cessação do contrato. Senão vejamos,

“Caso não procedam aos pagamentos e/ou à entrega do locado ao Fundo nos prazos referidos, o Fundo será forçado a actuar os meios judiciais e a responsabilidade de V. Exas. será agravada pelos custos judiciais e ainda: a) (...); b) Pela indemnização legal por não entrega do locado, correspondente ao dobro do valor da renda mensal, desde a cessação do contrato e até efectiva entrega do locado (art.º 1045º do CC).”

7ª - Da leitura da comunicação, é totalmente percetível para o homem de conhecimento médio que o arrendatário tem como obrigação: (i) desocupar o locado ao fim de um mês após a resolução; (ii) caso assim não proceda deverá manter os pagamentos do valor equivalente à renda, mas a título de indemnização, já que o contrato se encontra resolvido; (iii) caso persista em não restituir o locado nem em pagar a indemnização, esta será elevada em dobro.

8ª - Face ao exposto, além das rendas vencidas deverão os Executados entregar ao Exequente, a título de indemnização, os valores devidos no período mediado entre a resolução do contrato até entrega efetiva do imóvel.

9ª - Nas comunicações rececionadas pelos Executados, é-lhes comunicado os valores em dívida a título de rendas vencidas e em incumprimento, como da obrigação de indemnizar o Exequente em caso de incumprimento futuro da obrigação de restituir o locado, contendo para tal os dados para o cálculo aritmético dos montantes.

10ª - Assim, veio o Exequente apresentar o requerimento executivo para cobrança coerciva do montante global de 12 420,50 €, aritmeticamente calculado, uma vez que a obrigação já se encontra líquida, além de certa e exigível.

11ª - O valor exequendo é composto pela soma dos seguintes montantes: i) € 925 referente às rendas vencidas e não pagas; ii) € 11 470 a título de indemnização por mora na restituição da fração ao Senhorio; iii) € 25,50 referente à liquidação da taxa de justiça devida pela entrada da presente ação judicial.

12ª - O Recorrente encontra-se, assim, munido de um título executivo complexo nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 703º do CPC, conjugado com o art.º 14-A do NRAU, a obrigação é certa, exigível e líquida.

Não houve resposta.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, apenas, se o título compósito dado à execução compreende o mencionado valor indemnizatório.


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva a descrita factualidade (e tramitação) e ainda:

a) O exequente fundou o seu pedido nos seguintes factos:

- É o legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 3º Andar Direito, Bloco B, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1760, inscrito na respetiva matriz sob o art.º 1080.

- Em 01.4.2015, o exequente e o executado/arrendatário celebraram um contrato de arrendamento habitacional, mediante o qual aquele deu de arrendamento ao executado e este tomou de arrendamento o mencionado prédio urbano para habitação.[1]

- O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início no dia 01.4.2015 e termo em 31.3.2020, renovável por períodos de 1 (um) ano.

- A renda mensal contratada teve o valor inicial de € 185, que se vencia no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita.

- Porém, o executado não efetuou os pagamentos da/s renda referentes aos meses de julho de 2015 e junho, julho, agosto e setembro de 2017.

- Por meio de carta registada com aviso de receção remetida a 29.8.2017 para a morada convencionada pelas partes (recebida a 31.8.2017), o exequente procedeu à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, interpelando ainda o executado/arrendatário para este efetuar o pagamento das quantias que mantinham em dívida, a título de rendas vencidas e não pagas.[2]

- Do mesmo modo, por meio de carta registada com aviso de receção remetida a 29.8.2017, o exequente comunicou ao executado fiador que procedeu à resolução do contrato de arrendamento do qual era fiador por falta de pagamento das rendas, interpelando-o para que efetuasse o pagamento das quantias em dívida, a título de rendas vencidas e não pagas.

- Porém a comunicação não foi regularmente realizada por factos imputáveis ao executado fiador, obrigando o exequente a remeter nova carta registada com aviso de receção a 28.9.2017, nos termos do art.º 10º, n.º 3 do NRAU, recebida a 29.9.2017.[3]

- Os executados não efetuaram qualquer pagamento, nem o seu recebimento foi recusado pelo exequente.

- Somente em 10.3.2020 foi restituída a posse da fração ao exequente, não tendo sido paga nenhuma indemnização pela mora na entrega.

- O executado fiador e o executado arrendatário foram interpelados pelo exequente por comunicação com o aludido conteúdo, para os devidos efeitos, incluindo quanto à indemnização prevista no art.º 1045º, n.º 2 do CC.[4]

b) Com o requerimento executivo foi junta a certidão predial urbana da mencionada fração autónoma e foram ainda juntos o contrato de arrendamento (e respetivos anexos) e cópia de toda a documentação referente às aludidas cartas remetidas aos executados

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5 do CPC).

De entre as espécies de títulos executivos taxativamente previstos na lei adjetiva, figuram os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC).

O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário (art.º 14º-A, n.º 1 do NRAU - sob a epígrafe “título para pagamento de rendas, encargos ou despesas” -, na redação conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12.02). O contrato de arrendamento, quando acompanhado da comunicação ao senhorio do valor em dívida, prevista no n.º 3 do artigo 22º-C do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo DL n.º 157/2006, de 08.8, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente à compensação pela execução de obras pelo arrendatário em substituição do senhorio (n.º 2).

Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 % do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento (art.º 1041º, n.º 1 do CC).

Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida (art.º 1045º, n.º 1 do CC, sob a epígrafe “indemnização pelo atraso na restituição da coisa”). Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro (n.º 2).

É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por...

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