Acórdão nº 993/21.4T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-19

Ano2024
Número Acordão993/21.4T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação - Proc. 993/21.4T8VLG.P1
Juízo do Trabalho de Valongo

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório

AA, com residência na Rua ..., ..., R/C Dto, ... ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho contra:

A..., SA, com sede na Rua ..., Edifício ..., ..., ... Paços de Arcos,
Peticionando que:

a) Seja considerado o contrato resolvido com justa causa pelo autor;

b) Seja a ré condenada a pagar-lhe a título de créditos salariais a quantia de € 12.687,75 acrescidos de juros desde a data da citação (na audiência de partes, o A. reduziu este pedido para a quantia de € 3.739,75)
c) Seja reconhecido que a ré exerceu sobre o autor assédio moral, devendo ser condenada ao pagamento da competente indemnização por danos morais, os quais pese embora os seus efeitos se continuem a repercutir na esfera jurídica do autor, desde já se quantificam em montante não inferior a € 25.000,00, bem como à indemnização por resolução com justa causa fixada no seu limite mínimo, a qual ascende ao montante de € 6.867,86, acrescidos de juros desde a data da citação ou, caso assim não se entenda, sempre será de condenar a ré ao pagamento da indemnização por resolução com justa causa pelo seu máximo legal – 45 dias – cuja quantia se fixa em € 20.603,57.

A fundamentar a sua pretensão, o A. alegou, em síntese, que:

Foi admitido ao serviço da ré em 1-08-2007, para exercer, sob a sua autoridade, fiscalização e direção as funções de técnico de manutenção e obras na zona Norte, para prestar serviço em qualquer local da zona Norte do País e com o âmbito funcional que indica. Como contrapartida do trabalho prestado, a ré pagava-lhe, presentemente, € 1.017,46 de vencimento base, € 254,36 de isenção de horário de trabalho e € 5,30 de subsídio de alimentação.
No dia 21-09-2020, conforme prévio agendamento, o autor deslocou-se à sede da ré, para uma reunião, no âmbito da qual lhe foi comunicada a instauração de um processo disciplinar com entrega da nota de culpa, bem como da sua suspensão preventiva. Após ser confrontado com uma panóplia de factos totalmente falsos constantes da nota de culpa e para a qual remeteu, não mais restou ao autor que não fosse responder à nota de culpa e “desmontar” todos os factos falsos e totalmente ardilosos que punham em causa a sua imagem e bom nome perante todos os seus colegas e chefes. Apesar de todos os factos terem sido comprovadamente desmentidos, a ré optou aplicar ao autor uma sanção disciplinar de suspensão de 30 dias com perda de retribuição, a qual foi impugnada judicialmente. Após o cumprimento da referida sanção disciplinar, a ré contatou o autor no sentido de celebrarem um acordo de resolução do contrato de trabalho. A ré encontra-se em processo de reestruturação e o processo disciplinar ao autor não foi mais do que uma tentativa de fazer cessar a relação laboral a custo zero, a qual se revelou falhada.
Como a ré não conseguiu despedir o autor e este não aceitou a proposta que lhe foi apresentada para resolver o contrato por acordo, a ré em 30 de dezembro de 2020 comunica ao autor a sua transferência de local de trabalho para o armazém da ré em Valongo com efeitos a partir do dia 1 de fevereiro de 2021, bem como a revogação do acordo de isenção de horário de trabalho. O autor respondeu que essa ordem de transferência era ilegal, uma vez que essa alegada necessidade de reafectação de recursos humanos teria que ser iniciada pelos colegas mais recentes no departamento que o autor desempenhava funções.
Não obstante, no dia 1 de fevereiro apresentou-se no local indicado pela ré, no armazém de Valongo, para prestação de trabalho. Sucede que, o trabalho que lhe foi atribuído de serralheiro-mecânico em nada tem a ver com as funções que desde 2007 o autor desempenhava. Para além de nunca ter prestado trabalho como serralheiro mecânico, o mesmo não tinha/nem teve formação adequada para o efeito, o que era do conhecimento da ré.
O autor sentindo-se humilhado, desconsiderado e desgastado com todo o comportamento persecutório da ré – que teve início com a instauração de processo disciplinar, obrigando o autor a estar suspenso preventivamente depois de ter estado sempre em funções durante o período do alegado inquérito prévio, a que se seguiu a proposta de acordo para resolução do contrato de trabalho e culminou com a transferência do autor de local de trabalho -, ao fim de três dias de trabalho solicitou uns dias de férias que tinha para gozar, uma vez que já não estava a aguentar toda esta perseguição e pressão. Cumprido o período de férias, o autor não conseguia sequer pensar voltar às funções que agora lhe haviam acometido, uma vez que se sentia humilhado, desprezado e vexado perante os colegas.
Quando regressou ao trabalho, uma vez mais informou e fundamentou que a decisão de mudança de local de trabalho era ilegal e, por conseguinte, qualquer ordem seria ilegítima. Desde logo porque a ré tem em marcha um processo de remodelação das lojas e o autor é o elemento mais antigo no departamento de obras, pelo que, admitindo-se a necessidade de proceder a uma reafectação de recursos humanos, não podia, nem devia ser o autor o elemento a transferir. O trabalhador que substituiu o autor durante o período em que cumpriu a sanção disciplinar de suspensão manteve-se no departamento e o autor foi transferido.
A ré, apesar de todas as evidências, manteve a postura e, ainda, retirou ao autor o acesso ao seu correio eletrónico profissional.
Sustenta que com o seu comportamento a ré claramente diminuiu as funções que o autor sempre executou, bem sabendo que não o podia fazer, nos termos da cláusula 42ª do CCT outorgado entre a APED e a FEPCES, publicado no BTE nº 22, de 15-06-2022.
Defende que a ré atuou de forma persecutória, praticando atos confrangedores, intimidatórios e humilhantes, os quais atentam contra os direitos fundamentais do trabalhador, designadamente a sua integridade física e moral. Pois o stress, o ambiente que o rodeava, o vexame a que estava sujeito e, acima de tudo, o seu bom nome e imagem, levaram a que o autor começasse a entrar num estado de ansiedade e de depressão, com repercussões no seu seio familiar. O autor teve de recorrer à sua médica, tendo ficado de baixa médica e com a prescrição da toma de medicamentos.
Sustenta que se viu, de um momento para o outro, numa situação em que claramente a sua imagem está manchada, a sua dignidade colocada em crise e a sua pessoa humilhada com a diminuição de funções e a atitude persecutória da ré, que entrou num processo depressivo que acabou por culminar na resolução do contrato de trabalho com justa causa nos termos do artigo 394º, nº 2, als. b), c), e) e f) do Código do Trabalho, conforme carta junta a fls. 51 a 52 dos autos datada de 24-02-2021 (doc. 12).
Mais defende que os comportamentos da ré, pelas suas características, reiteração e continuidade configuram uma situação de assédio moral.
Refere que ficaram por liquidar por parte da ré as férias não gozadas vencidas em 1-01-2021 (€ 1271,82), subsídio de férias (€ 1271,82), proporcionais de férias (€ 195,13), subsídio de férias (€ 195,13) e de Natal (€ 156,10) do ano de 2021, formação profissional (€ 649,75), e indemnização por antiguidade.
Sustenta ainda que os danos os danos que sofreu decorrentes da situação de assédio moral a que foi sujeito deverão ser indemnizados a título de danos não patrimoniais com uma quantia não inferior a € 25.000,00.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação com a refª citius 38887930, nos termos aí melhor explicitados, tomando posição sobre a matéria invocada pelo autor, e deduziu reconvenção, aduzindo, em suma, que:

O autor foi contratado como Técnico de Manutenção, com a categoria profissional de Técnico C, cuja descrição consta do Anexo ao CCT entre a APED-Associação de Empresas de Distribuição e a FEPCES-Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviços e Outros com a Revisão Global publicada no BTE nº 22 de 15 de junho de 2008 (com as alterações introduzidas na revisão publicada no BTE nº 18 de 15-05-2010), estando ainda a aplicação deste CCT estendido aos trabalhadores não filiados no sindicato subscritor do CCT através da Portaria de Extensão nº 55/2017 publicada no DR nº 26/2017, Série I, de 26-02-2017. Sem olvidar o disposto na cláusula 2ª do contrato de trabalho junto como doc. 1.
O autor foi transferido para o armazém para desempenhar as funções de técnico de manutenção. O que sucedeu é que o autor vinha habituado a trabalhar em lojas e era necessário fazer o ajustamento das suas competências ao armazém. Por essa razão, foi decidido ministrar-lhe formação inicial de procedimentos internos de manutenção do armazém, assim como os procedimentos gerais de execução e segurança de serralheiro mecânico. E tal assim é porque as funções que o autor desempenhava confundem-se/mais se aproximavam com as funções de oficial serralheiro mecânico cuja descrição também consta do identificado CCT, não existindo outra categoria profissional que enquadre os serviços de manutenção que o autor prestava. O autor permaneceu formalmente ao serviço durante apenas 24 dias, tendo dentro desse período gozado férias entre 4-02 a 9-02, faltado injustificadamente a 10-02, 11-02 e 24-02 e, entrado de baixa médica de 13-02 a 23-02.
Argumenta que foi absolutamente impossível ajustar as competências do autor a qualquer função que pudesse desempenhar dentro do departamento de manutenção do armazém, pois só trabalhou, de facto, 3 dias.
Foi oferecida formação ao autor, mas o mesmo recusou-se a indicar as áreas em que necessitava de formação, tendo resolvido o contrato ao fim de 24 dias, embora com apenas 3 dias de trabalho.
Nenhum crédito ficou por pagar ao autor, o que aconteceu foi que a ré não aceitou a justa causa invocada pelo autor, fazendo assim com que a comunicação
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