Acórdão nº 992/15.5BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-06-22

Ano2023
Número Acordão992/15.5BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição intentada por L…, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1546201101064916 e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Mafra, contra a sociedade “A…, Lda”, e contra si revertida, para cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2011, no valor de €12.434,38.

A Recorrente, apresentou alegações tendo concluído da seguinte forma:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por L…, já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, ordenou quanto a esta a extinção do processo de execução. fiscal n.º 1546201101064916 e apensos, a correr no Serviço de Finanças de Mafra.

II. Entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida porquanto, existindo elementos nos autos que impunham decisão diversa na apreciação dos factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao ignorar circunstancias factuais que, constantes dos autos, mas não levadas ao probatório, mas também da matéria de facto dada como provada, denunciam o exercício da gerência de facto por parte da Oponente; circunstâncias estas que, tendo sido ignoradas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.

III. Desde logo, convém ter presente que da matéria de facto dada como provada consta como documentalmente assente (e nunca contestada) que a Oponente era gerente de direito da devedora originária desde a data de constituição desta, que a Oponente assinou documentos juridicamente vinculativos da devedora originária perante a administração fiscal no lapso de tempo relevante para a entrega do tributo nos cofres da Fazenda Pública, e mais ainda, que no exercício das suas funções e mesmo após ter aberto um salão de cabeleireiro, auferiu rendimentos da categoria A (os quais englobam as remunerações dos gerentes pelo exercício do cargo) pagos pela devedora originária até ao ano de 2012.

IV. Tal factualidade abundante vem comprovada por documentação que nunca foi contestada pela Oponente nos autos e só por si é suficiente para afastar a matéria de facto dada como provada nos pontos 11 a 13 do probatório. Pois que se a mesma auferiu até 2012 rendimentos pagos pela Devedora Originária, tal como consta do ponto 10 do probatório, não se pode simplesmente extrair que a mesma afastou-se da vida quotidiana da devedora originária por causa do salão de cabeleireiro que abriu, pois que então como justificar o pagamento de remunerações até 2012? Decerto não seria para pagamento de salários de uma trabalhadora que teria se afastado em 2009 como parece resultar da sentença recorrida. O acervo que resulta da sentença e da documentação junta aos autos também não permitem conjugar o seu afastamento da sociedade como uma mera trabalhadora em 2009 com a assinatura de documentos vinculativos da devedora originária perante a administração fiscal.

V. Com efeito, dos autos resulta inequivocamente que não se pode dar como provada a matéria factual elencada nos pontos 11 a 13 do probatório, pois que se baseou em depoimentos que não afastaram as evidências resultantes da documentação junta aos autos: certidão de registo comercial, requerimentos dirigidos à administração fiscal em Maio e Outubro de 2011 e comprovativos de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos até ao ano de 2012. E nenhuma relevância pode ser atribuída às observações tecidas na sentença recorrida de que um destes documentos foi destinado a um processo de execução fiscal que não está em causa nos presentes autos, pois o que releva é o facto de o mesmo demonstrar que a Oponente agiu perante terceiros vinculando a devedora originária. Aliás, a dar alguma razão a esta consideração ínsita na sentença, toda e qualquer prova que pudesse ser obtida vinculando a devedora originária perante entidades provadas nunca poderia ser apta a provar a gerência de facto pois que nunca esta documentação seria destinada a um processo de execução fiscal.

VI. Das observações acima tecidas é imperioso não só eliminar do probatório aos pontos 11 a 13, como também acrescentar ainda que, conforme documentação constante dos presentes autos e anexa à informação prestada pelo OEF, a Oponente dirigiu-se ao SF Mafra em 03/05/2011 para aí, em representação da devedora originária, ser citada para o PEF n.º 1546201101013360. Tal facto deve assim figurar no probatório, porque documentalmente provado e nunca impugnado pela parte contrária.

VII. Por conseguinte, é inegável que o Oponente, nesse lapso de tempo que decorreu entre os anos de 2001 e 2012, anos em que auferiu rendimentos pagos pela devedora originária, foi uma das pessoas que determinou os rumos financeiros da devedora originária diante de terceiros, o que fez designadamente diante da administração fiscal, e não obstante possa ter passado grande parte do seu tempo ocupada com o salão de cabeleireiro que teria aberto ao público em 2009, pois que, aliás durante o ano de 2011, estabeleceu diversas interações com a administração fiscal.

VIII. Decorre das regras da experiência que existe efetividade e continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre os anos de 2011 e 2012, ainda mais quando tal período engloba a perceção de rendimentos e a assinatura de documentos vinculativos da devedora originária, aliado ao facto de inexistirem acontecimentos que venham a contrariar a presunção constante do Registo Comercial, já que o registo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11.º do Código do Registo Comercial - CRC).

IX. E, no caso sub judice, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte do Oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT. Sendo que o ónus da prova da gerência de facto, conforme já reiterado pela inúmera doutrina e jurisprudência que se debruça sobre a matéria, cabe à Administração Fiscal.

X. Nesse sentido, do que vem acima explanado, nada nos autos permite afastar a continuidade do exercício da gerência de facto pela Oponente no período que medeia a perceção de rendimentos da categoria A na qual se insere a remuneração de gerentes, ou seja nos anos de 2001 e 2012, conclusão esta que deve ainda ser reforçada pela assinatura de documentação diversa em representação da devedora originária em período que coincide com o período de entrega do tributo em cobrança nos autos executivos.

XI. Assim, com base nesta comprovada gerência de direito e facto, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência para concluir a gerência de facto. Face ao referido, deve-se assim concluir que a Oponente era gerente de direito e de facto, sendo responsável pelo não cumprimento do dever fundamental de pagar os impostos por parte da devedora originária.

XII. Em suma, com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na al. b) do n.º1 do art.º 24º da Lei Geral Tributária, impondo-se assim quer a alteração da matéria de facto dada como provada na sentença nos moldes acima descritos, como ainda a substituição do sentido decisório da mesma, julgando a Oposição improcedente por não provada com as legais consequências.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


***


A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“I. No entender da Oponente Recorrida, a lei foi devidamente interpretada e aplicada porquanto o artº 24º, nº1 da Lei geral tributária (LGT) exige uma prática contínua de atos determinantes da atividade económica, financeira , expansão comercial e volume de negócios.

II. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados praticados pelo Oponente, ac. Do TCAN de 2/2/2012, proc. nº 00273/09.

III. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados praticados pelo Oponente.

IV. De dois atos isolados praticados pela Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto do ano 2011, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.” Ac. Do TCA-Norte de 20/02/2012, proc.00273/09.3BEPNF.

V. Do facto de a Oponente ter auferido remunerações da sociedade devedora originária, tal não significa que a Oponente exercesse de facto a gerência, podendo significar a renumeração das funções administrativas desempenhadas ou tão só que, sendo gerente designada, a sociedade cumpriu com as respetivas obrigações declarativas e contributivas à Autoridade Tributária e também para a Segurança Social, independentemente de exercer ou não a...

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