Acórdão nº 99/22.9GBSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26-09-2023

Data de Julgamento26 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão99/22.9GBSTC.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …- Juiz …, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado

AA, filho de BB e de CC, nascido a …1956, solteiro, BI n.º …, residente no …, ….

A final, foi decidido julgar a acusação parcialmente procedente, e, em consequência:

- Absolver o arguido AA, da prática, de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22, n.ºs 1 e 2, al. c), 23, 143, n.º 145, n.º 1, al. a) e n.º 2, e art.º 132, n.º 2, al. l), do C. Penal.

- Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de - DOIS CRIMES DE AMEAÇA AGRAVADA, p. e p. pelos art.ºs 153, n.º 1, 155, n.º 1, als a) e c), e 132, n.º 2, al. l), todos do Código Penal e de - DOIS CRIMES DE INJÚRIA AGRAVADA, p.e p. pelos arts. 181, 184 e 132, n.º 2, l), do Código Penal, nas penas parcelares de - 1 (um) ano de prisão a cada um dos crimes de ameaça agravada praticados e de - 2 (dois) meses e 7 (sete) dias de prisão a cada um dos crimes de injúria agravada praticados, e, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efetiva.

Inconformado, o arguido AA, interpões recurso da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões:

“1.ª O Facto Provado 6 “Vocês vão se foder, quando vos apanhar sem farda”, revela-se insuficiente para ser valorado pelo Tribunal a quo para fundamentar a solução de direito alcançada;

2.ª No exame crítico da prova, concluiu o Mmo Juiz a quo:

“Quanto à matéria das ameaças, parece-nos resultar confirmada no depoimento dos militares da GNR, pelo menos, a expressão “Vocês vão se foder, quando vos apanhar sem farda” descrita no facto(s) provado(s) 6-. Quanto às restantes expressões descritas nesse segmento da acusação pública parece-nos que não foram confirmadas nos depoimentos (facto(s) não provado(s) a-).”

3.ª Concluindo, sem suporte fáctico: “Aceita-se que o arguido está a anunciar algo para o futuro – “quando vos apanhar sem farda” – sendo que a locução “vão se foder aqui só pode estar associada, pelo menos, a um atentado contra a integridade física dos militares.”

“Não se afastando que se possa entender, também, como uma ameaça de morte, já que expressões como “vou-te foder” ou “fodo-te” também podem ter esse significado e interpretação.”

“Seja como for a ameaça sempre será agravada por força de visar militares da GNR no exercício das suas funções e por causa delas.”

4.ª Resulta do Facto Provado (6) que, por um lado, não encerra o mesmo em si um “mal”, um facto maléfico, injusto e grave, consistente em danos físicos, económicos ou morais, a perpetrar;

Por outro lado, não decorre de tal locução que tal “mal”, ocorrência, dependeria da vontade do agente;

5.ª Desta forma, tal como resulta da Sentença posta em crise, o Tribunal a quo não fez um correto uso do Facto Provado (6) que sopesou na condenação do arguido, ora Recorrente na prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.°, n° 1 e artigo 155.° n° 1, alínea a), ambos do Código Penal, pelo que deve ser revogada a sentença proferida e absolvido o arguido da pratica do crime;

6.ª Atenta a factualidade provada constante da Decisão, terá de concluir-se pela não verificação dos respectivos elementos típicos do crime de Ameaça, impondo-se conclusão diversa da decidida pela Sentença recorrida, devendo o arguido ser absolvido, por violação do disposto no artigo 153.º do Código Penal.

7.ª Para que o crime de ameaça se concretize, deverá o julgador atentar se a ameaça em concreto é adequada e susceptível de ser levada a sério pelo destinatário em concreto, para o efeito, deve atender-se ao critério do homem comum, conjugado com as características específicas do ameaçado e o circunstancialismo em que a ameaça foi proferida, bem como à personalidade do agente, só assim se podendo alcançar o âmago desta norma.

8.ª “O presente crime é de qualificar como delito de carácter circunstancial, já que a valoração jurídico-penal da acção desenvolvida deve analisar-se a partir das expressões proferidas, das acções cometidas, do contexto que elas tiveram lugar, das condições pessoais de ameaçante e ameaçado e demais circunstâncias que sirvam para contextualizar o facto. Por outro lado, a ameaça deve ser séria e credível, sob o ponto de vista quer do emissário, quer do destinatário.” – AC. T.R. Coimbra de 04-12-2019, proc. 49/19.0GHCVL.C1.

9.ª Da decisão proferida não resultou provado que a detenção do arguido, nos moldes em que foi concretizada, teve como precedência a prática de crime; Tal não foi nem alegado nem provado; Assim como não foi feita a devida ponderação se era adequada e proporcionada à gravidade dos factos, e até, necessária face às específicas finalidades que a admitem e justificam, tornando ilegítima a conduta dos agentes da GNR, não se enquadrando no cumprimento dos seus deveres profissionais, devendo ser considerados não provados os factos 1,3 e 4;

10.ª Desta contextualização, resulta de forma clara que o arguido, de 67 anos, com sérias dificuldades de vida, conforme consta da sentença quanto às suas condições pessoais, com anterior contacto com o sistema judiciário, não terá apetência, competência, compleição física e muito menos capacidade, para representar um perigo, a não ser para si próprio!

11.ª As autoridades policiais estão habituadas, são formadas e treinadas, para terem “ouvido-mudo”, lidarem com os “Salvadores” com quem se cruzam diariamente, dificilmente se acreditando que tal expressão “vocês vão se foder, quando vos apanhar sem farda” seja apta a constituir uma ameaça e muito menos apta a produzir medo e receio nos militares ofendidos.

12.ª Refere apenas a testemunha/ofendido, o militar DD, quando questionado sobre o que sentiu com as ameaças, “é sempre complicado porque a gente nunca sabe o que é que pode acontecer”. Depoimento vago, impessoal, não se referindo ao arguido em concreto, sem qualquer facto de onde se retire alteração de vida, hábitos, comportamentos, que exteriorizem um qualquer temor ou medo face à referida expressão.

13.ª “Socorramo-nos do ensinamento de Cristina Líbano Monteiro referindo-se aos destinatários da acção: possuem, nalgumas das hipóteses deste tipo legal, especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum. Membros da Forças Armadas, militarizadas ou de segurança não são, para efeitos de atemorização, homens médios. O grau de violência ou de ameaça necessários para que se possa considerar preenchido o tipo não há-de medir-se, por conseguinte, pela capacidade de afetar a liberdade física ou moral de ação de um homem comum.”

14.ª A locução descrita como ameaça, mais não é que uma violência verbal, mas não mais do que isso, incapaz de encerrar em si uma qualquer ameaça séria com representação de perigo para os dois militares da GNR, uma vez que não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar ou manietar comportamento dos dois Militares, tanto mais que estes possuem especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que não assistem ao cidadão comum;

15.ª Errou ainda o Tribunal a quo em duas vertentes: ao desconsiderar/não valorizar as declarações do arguido, sem fundamentar tal opção e, considerar preenchidos os elementos tipo do ilícito criminal de injúria;

16.ª As declarações do arguido são um meio de defesa e não podem, nem em abstracto, nem em concreto, ser menos credíveis do que as dos ofendidos, contudo, o tribunal a quo não valorou a versão dos factos apresentada pelo arguido, mas não fundamenta porque não acreditou na mesma.

17.ª Facto Provado

“3-Nessa sequência foi dada voz de detenção ao arguido, tendo sido usada a força estritamente necessária para a sua neutralização e algemagem, o que o arguido a todo o custo tentou impedir, tendo sido necessária a algemagem junto a uma parede.

Constando do exame critico da prova que:

“No caso que nos ocupa, no que tange aos factos descritos na acusação pública, resulta das declarações do arguido uma negação dos mesmos, que os reputa de mentira ou invenção….

“Não há, com efeito, indício de relevo - para além das declarações do arguido, que não nos parecem credíveis - que os militares tenham sido agressivos com ele; o arguido é que se mostrou agressivo com os militares, e logo nas suas palavras (facto(s) provado(s) 1- e 2-), dificultando, injustificadamente, a sua atuação;

18.ª Em suma, apoiando-se exclusivamente no depoimento dos militares/ofendidos, não cuidou o Tribunal a quo de fundamentar porque considerou que foi o arguido quem dificultou, injustificadamente, a atuação dos agentes e, porque desconsiderou as declarações do mesmo, pelo que devem os factos 1,3 e 4 ser dados como não provados;

19.ª Sendo certo que as palavras do arguido foram proferidas nesse contexto de interpelação, algemagem e detenção, de clara exaltação emocional, sem intenção de ofender os militares da GNR, e que, portanto, não pode ser condenado por injúria agravada.

20.ª As palavras proferidas não foram dirigidas aos militares da GNR em causa, mas à actuação dos mesmos e que, mesmo que o tivessem sido, não ultrapassaram os limites da mera ofensa verbal e não pretenderam, de forma alguma atentar contra a honra dos ofendidos

21.ª Tais expressões não podem constituir ou tipificar o crime de injúria previsto e punido no art.º 181 e 184.º do C.P, porquanto as mesmas não são susceptíveis por si, de causar ofensa da honra e consideração ou de imputar factos ainda que sob a...

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