Acórdão nº 976/22.7T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-20

Ano2024
Número Acordão976/22.7T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PINHEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA)
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Proc. Nº 976/22.7T8GRD.C1-Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo de Competência Genérica do Pinhel

Recorrente: AA

Recorridos: BB

CC

A... Lda.

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: António Silva

Henrique Antunes


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



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RELATÓRIO

AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra BB e marido CC, e contra Sociedade A..., Lda, peticionando a condenação destes RR.:

a) a reconhecer que o autor é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra J, correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado à habitação, com garagem “J” na subcave e dependência J para arrumos no sótão, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no Loteamento ..., ..., na ..., inscrita na matriz da freguesia ... sob o art.º ...51... e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...16..., que adquiriu por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 12/10/2021 no Cartório Notarial ...;

b) a reparar os defeitos existentes na fracção à data da outorga da escritura, no prazo de 10 dias; e

c) a indemnizar o autor pelos danos morais sofridos na quantia de 7.500,00€, acrescida dos juros legais que se vencerem até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou o A., em síntese, que adquiriu a facção autónoma acima descrita, por compra aos 1.º e 2.º réus no dia 12/10/2021, venda promovida e mediada pela 3.º ré, tendo constatado a existência de “defeitos/vícios”, designadamente na porta do quarto da suíte, na casa de banho privativa, na cozinha, na caixa de correio e no chão de cimento da garagem, que impedem ou diminuem a normal utilização da fracção para o fim a que se destina.

Mais alega que estes defeitos foram tapados e ocultados pelos RR. durante as visitas ao imóvel de forma a evitar que o autor deles se apercebesse, sendo que o estado em que o autor viu a fracção, sem as referidas anomalias, foi determinante para formar a vontade negocial, pois que, se lhe tivesse sido comunicada a existência dos referidos defeitos antes da outorga da escritura, não teria querido celebrar o negócio, ou pelo menos, não o teria celebrado nos precisos termos e condições em que o concluiu.

Por último, alega que denunciou os defeitos por carta registada no dia 22/10/2022, não tendo os réus procedido à reparação de quaisquer dos defeitos, não obstante aceitarem a sua existência, situação que lhe causa incómodos e preocupações e lhe faz perder o sono e a vontade de comer.


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Citados para contestar, os RR. alegaram que a fracção foi vendida no estado em que se encontrava, usada e já com 25 anos, que o A. tomou pleno conhecimento do estado da fracção nas visitas que a ela realizou, por si e por intermédio da filha e, que estes alegados “defeitos” não impedem a normal utilização da fracção.

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Por requerimento apresentado nos autos em 20/02/2023, veio o A. desistir do pedido formulado na alínea a) do seu petitório, tendo sido proferida decisão em 24/02/2023 que julgou “válida a desistência parcial do pedido formulado pelo autor (relativamente à alínea a) do petitório), considerando, em consequência, extinto o direito que nos autos este pretendia fazer valer - cfr. artigos 277.º, alínea d), 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 1, 286.º, n.º 2, 289.º, n.º 1, a contrario, e 290.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.”

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Após, dispensada a audiência prévia, fixou-se o valor da acção, foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, dos quais não houve reclamação.

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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, finda a qual, se proferiu sentença que decidiu julgar a acção totalmente improcedente e absolver os RR. do pedido formulado.


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Não conformado com esta decisão, impetrou o A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

(…).


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Por sua vez, os 1º e 2º RR. vieram interpor contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

(…).


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Já a terceira R. contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

(…).


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QUESTÃO PRÉVIA

Vem o recorrente juntar, com as suas alegações, certidão de articulados processuais da acção (incluindo p.i. e transacção entre as partes) interposta no Tribunal Judicial da Guarda acção a que coube o n.º 223/21...., alegando que nesta acção “o condomínio do prédio onde se encontra inserida a fracção dos RR., representado por todas elas, nomeadamente a fracção dos RR., demandou os proprietários da fracção responsável pela dita inundação, a reparar os danos causados nas partes comuns do prédio e nas várias fracções afectadas, que foram os seguintes: “os danos nas escadaria e partir do r/ch até ao piso inferior onde se encontram localizadas as garagens”, “os tectos das zonas comuns das garagens”, “reparar e pintar dois tectos de duas garagens”, “bem como reparar, isolar e pintar toda a escadaria”, tendo por “acordo almejado na acção entre as partes, os aí RR. obrigaram-se a reparar os referidos danos causados.” (artº 25, al. a)).

Quanto à oportunidade da junção veio alegar que esta se tornou necessária em virtude do julgamento em primeira instância, “do teor dos depoimentos da Ré e da testemunha DD que se acabaram de transcrever, contraditórios e eivados de falsidade, e consequentemente, atenta da factualidade dada como provada em 26) com base nos mesmos”.

A decisão sobre a admissão de documentos que a parte pretende juntar com as alegações de recurso, cabe ao relator, conforme decorre do disposto no artº 652, nº2, al. e), do C.P.C.

No entanto, nada obsta que prosseguindo os autos para acórdão, se inclua neste o despacho sobre a admissão de documentos, por economia processual e coerência da decisão a proferir, tendo em conta que a impugnação da matéria de facto, se baseia também neste documento cuja junção ora é pretendida.

Assim sendo, constituindo esta uma questão de conhecimento prévio, cumpre decidir da admissibilidade de junção de documentos nesta fase.


a) Dos requisitos de admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso;

No que respeita à junção de documentos em fase de recurso, dispõe o artº 651, nº1, do C.P.C. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.

Por sua vez, o artº 425 do C.P.C., consigna que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, norma esta excepcional, semelhante à prevista no nº3 do artº 423, no que se reporta à fase junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.

Sendo esta uma fase excepcional, a junção de documentos em sede de recurso, depende de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:

-a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso. A superveniência em causa, pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;[1]

-o ter o julgamento efectuado na primeira instância, introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessário esta junção, até aí inútil. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui os casos em que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.

Com efeito, como refere Abrantes Geraldes[2], “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” Prossegue ainda este autor, em anotação ao artº 651 nº1, referindo que “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado[3].

A este respeito já Antunes Varela[4], a propósito do regime anterior à Lei nº 41/2013, defendia que “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.”[5]

Quer isto dizer que o nosso regime processual civil, quer antes, quer depois da alteração introduzida pela Lei 41/2013, só admite a junção de documentos em fase de alegações, excepcionalmente, precisamente porque terminada a fase processual de produção da prova, com exercício do contraditório da outra parte e à produção de outros meios de prova com a virtualidade de abalar o ora apresentado. Possibilidade coarctada ou muito diminuída, quando apresentada em sede de instância de recurso.

Volvendo ao caso concreto, fácil é concluir que não estão verificados os pressupostos de admissibilidade do aludido documento. Os factos que este documento se destinaria a...

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