Acórdão nº 970/19.5BELRS-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-01-20

Data de Julgamento20 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão970/19.5BELRS-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul


I – Relatório:

E… intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Ordem dos Advogados pedindo que:
- se “recuse, por orgânica e materialmente inconstitucional, nos moldes expostos, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República e por violação do direito fundamental de acesso à profissão, a aplicação de eventual norma regulamentar, extraída nomeadamente do RNE ou de outro Regulamento da Ordem dos Advogados, segundo a qual as intervenções orais de Advogados Estagiários, em processos oficiosos só são aceites, para efeitos de conclusão do estágio, relativamente a processos do patrono; ou”
- se “recuse, por orgânica e materialmente inconstitucional, nos moldes expostos, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por violação do direito fundamental de acesso à profissão e por violação do princípio da proporcionalidade, a aplicação da norma extraída do n.º 4 do artigo 27.º do RNE, segundo a qual, tendo o Advogado Estagiário apresentado duas, das cinco exigidas, intervenções orais em processos oficiosos de Advogado da confiança do patrono, e tendo entregue toda a demais documentação exigida, deve ver cancelada a sua inscrição; ou”
- se “declare nulo o acto em crise, por aplicação violação do conteúdo essencial do direito fundamental de acesso à profissão consagrado no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição; ou”
- se “anule o acto em crise, por violação do direito de audiência prévia, bem como por violação do dever de fundamentação e por inexistência de fundamento jurídico; e”
- se “condene a Ré à prática do acto devido que, no caso, será a aceitação dos Relatórios n.ºs 2, 4 e 5; a aceitação da conclusão do estágio; a convocação da entrevista profissional e subsequente aceitação da realização pelo Autor da prova de agregação; ou, por mera cautela e sem conceder,”
- se “condene a Ré a conceder ao Autor o prazo estritamente necessário para realizar duas intervenções orais para substituição das não aceites”.

Foi decidido convolar os autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, decisão que o A. não aceita, tendo, portanto, apresentado o presente recurso no qual formula as seguintes conclusões:
1º.
O Tribunal a quo, na decisão recorrida (consubstanciada nos despachos de 3 e 5 de Setembro de 2019, que se complementam entre si) incorreu em evidentes nulidades, que devem ser declaradas por este Tribunal de recurso, porquanto omitiu pronúncia quanto a um vasto conjunto de questões colocadas pelo Autor/Recorrente, em vários requerimentos – designadamente aquele em que se pronunciou quanto à improcedência da alegada inidoneidade do meio processual e aquele, de 3 de Setembro de 2019, em que se pronunciou contra a anunciada convolação da Intimação em providência cautelar;
2º.
A decisão recorrida, consubstanciada nos despachos de 3 e 5 de Setembro de 2019, é nula por não especificar os fundamentos de facto que a justificam, designadamente nem sequer refere quais as «datas agendadas» pela Recorrida que motivam a decisão [primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada;
3º.
A mesma decisão também não especifica os fundamentos de direito que a justificam, com o que viola flagrantemente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 154.º e a segunda parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 1.º do CPTA;
4º.
É insuficiente, para cumprir o dever de especificação dos fundamentos de direito, dizer-se no primeiro dos referidos despachos que «a arguida inidoneidade revela-se como procedente» (Despacho de 3 de Setembro de 2019) ou no segundo deles que «A Ré na contestação ofereceu defesa por exceção, ao arguir a exceção dilatória de inidoneidade do presente meio processual, pelas razões e fundamentos que aqui se dão por reproduzidas e que se acompanham, já que não está em causa o exercício de direito fundamental, e de que o A. obtém tutela pela via cautelar com a suspensão de eficácia do acto impugnado - cancelamento da inscrição e consequente devolução da cédula profissional - aditada de pedido de providência de regulação provisória de situação» (Despacho de 5 de Setembro de 2019);
5º.
O Tribunal a quo, no despacho liminar de 31 de Maio de 2019, mandou citar a Ré, porque, certamente entendeu nesse momento – e bem – que o meio processual da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias era idóneo;
6º.
Por este motivo, se o Tribunal recorrido considera que não está em causa o exercício de um direito fundamental, sempre careceria de ser devidamente fundamentada a razão de ser pela qual não foi, logo no despacho liminar proferido em 31 de maio de 2019, invocado esse fundamento, tendo sido, ao invés, ordenada a citação da Ré;
7º.
Igualmente careceria de fundamentação adicional o motivo pelo qual o Tribunal recorrido diverge do decidido quanto a esta matéria pelo STA no Acórdão de 18 de maio de 2017 proferido no processo n.º 0283/17;
8º.
Sob outra perspectiva, a decisão recorrida é ambígua e obscura, pois não permite compreender se o Tribunal decidiu convolar a Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, porque as datas de 9 e 12 de junho de 2019, relativas aos exames escritos de agregação da Ordem dos Advogados, já tinham decorrido, ou se o fez porque as datas dos exames de 9 e 12 de dezembro de 2019 ainda estariam longe e permitiriam a decisão de uma providência cautelar;
9º.
Tal ambiguidade e tal obscuridade não permitem ao Autor/Recorrente exercer adequadamente o seu direito de recurso, na medida em que não é sequer claro (rectius, é até contraditório) para o destinatário de ambas as decisões qual o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo julgador para decidir como o fez;
10º.
Em consequência, a decisão recorrida, consubstanciada nos despachos de 3 e 5 de setembro de 2019, é nula por ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível [segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada;
11º.
Por outro lado, o Tribunal a quo pecou por excesso de pronúncia, pois, tendo o despacho liminar sido praticado nestes autos em 31 de maio de 2019, o qual ordenou a citação da Ré, deveria ter julgado verificados os pressupostos processuais de que depende a Intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, uma vez que, em momento anterior, ocorreu caso julgado formal do despacho liminar, nos termos do n.º 1 do artigo 620.º do Código de Processo Civil;
12º.
Pelo que, ao decidir sobre matéria transitada em julgado, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre matéria cujo conhecimento lhe estava vedado e incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, devendo essa nulidade ser declarada;
13º.
Acresce que, estando, como estavam preenchidos os pressupostos processuais à data da propositura da Intimação, são irrelevantes, para efeito de aferição da idoneidade do meio processual, as modificações nos pressupostos processuais ocorridas após a propositura da Acão, considerando que a mesma foi intentada a 30 de maio de 2019, isto é, antes dos exames marcados para o mês Junho do mesmo ano;
14º.
Logo, não poderia o Tribunal a quo, nomeadamente por considerar que as datas dos exames de 9 e 12 de dezembro de 2019 ainda estariam distantes e que, por isso, permitiriam a tramitação de um procedimento cautelar, decidir, face a estas datas, que afinal o meio processual da Intimação passou a ser inidóneo;
15º.
Por esta razão, ao conhecer dessa matéria da idoneidade do meio processual em momento posterior ao do despacho liminar, relativamente ao qual já se havia consolidado caso julgado formal, e atendendo a factos posteriores à data da propositura da Acão, é forçoso concluir que o Tribunal a quo não podia pronunciar-se sobre esta questão e, tendo-o feito, incorreu em nulidade por excesso de pronúncia [segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada, o que se requer.
16º.
A decisão recorrida do Tribunal a quo também incorre em omissão de pronúncia, porquanto o Autor/Recorrente referiu nos autos que a questão das datas de realização da prova de agregação é absolutamente irrelevante no caso vertente, na medida em que também está em causa o facto de o Autor/Recorrente estar, desde a prolação do ato administrativo impugnado, privado de exercer a advocacia como Advogado estagiário;
17º.
Além disso, nada impedia que o Tribunal recorrido determinasse a convocação de entrevista e de uma prova de agregação em data ad hoc para o Autor/Recorrente, como modo de celeremente minimizar os profundos prejuízos causados;
18º.
Nenhum dos despachos de 3 e 5 de setembro de 2019 esclarece porque é que, não tendo o Autor/Recorrente formulado no seu pedido qualquer data concreta, ainda assim o Tribunal a quo tenha considerado relevantes umas quaisquer datas de provas de agregação (9 e 12 de Junho ou 9 e 12 de Dezembro de 2019) para considerar inidóneo o meio processual da Intimação;
19º.
Ao não se pronunciar sobre o motivo pelo qual atendeu a (in)certas datas das provas de agregação, sem que o pedido formulado pelo Autor/Recorrente as indicasse, o Tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, sendo certo que a resposta a esta questão não se mostra prejudicada pela resposta dada a qualquer outra questão [primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada;
20º.
Relativamente aos erros de julgamento, o Tribunal a quo, em primeiro...

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