Acórdão nº 9684/22.8T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-28

Data de Julgamento28 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão9684/22.8T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório


R e E, casados, e M, intentaram a presente acção declarativa comum, contra o Condomínio do Prédio sito na Rua…, Lisboa, representado pela Administradora C…, Lda, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, pedindo que o tribunal declare a anulação das deliberações da Assembleia de Condóminos do Condomínio do referido prédio, realizada no dia 3 de Fevereiro de 2022, vertidas nos pontos 1, 3 e 4 da respectiva acta.

Citado, o Réu excepcionou a caducidade do direito de acção, uma vez que a acção foi intentada em 14 de Abril de 2022 e as deliberações cuja anulabilidade é peticionada foram tomadas no dia 3 de Fevereiro de 2022. Impugnou ainda parcialmente a factualidade alegada. Os Autores pugnaram pela improcedência da excepção.

Considerando cumprido o contraditório e que os autos dispunham dos elementos necessários ao conhecimento da excepção, o tribunal proferiu saneador sentença do seguinte teor dispositivo:
Em face do exposto, julgo procedente a excepção de caducidade, por provada e, em consequência, absolvo o Réu do pedido
Valor da causa: 5 000,01 € (cinco mil euros e um cêntimo) – artigo 306.º, n.º 2 e 305.º, n.º 4, do Código de Processo Civil”.
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Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1.–Dispõe o artigo 329.º do Código Civil que “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.”
2.–Ao contrário do sustentado pelo Tribunal “A Quo”, não obstante a possibilidade legal de realização de Assembleia Extraordinária ao abrigo do artigo 1433.º, n.º 2 do Código Civil, a verdade é que não tendo sido pedida a convocação de tal Assembleia, não pode resultar limitado ou reduzido o prazo de 60 dias conferido aos condóminos para intentarem a respectiva acção judicial de anulação.
3.–Para os Apelantes condóminos poderem exercer o direito de impugnar as deliberações da Assembleia de Condóminos há que ter em consideração o momento em que esse direito pode ser legalmente exercido, conforme estatui o artigo 329.º do Código Civil.
4.–Os Apelantes não estiveram presentes na assembleia de condóminos identificada neste processo e somente no dia 14 de Fevereiro receberam a acta na qual constavam as deliberações votadas pelos condóminos que nessa assembleia estiveram presentes.
5.–A partir do dia 14 de Fevereiro de 2022 os condóminos ausentes estavam em condições de poder exercer legalmente o seu direito de impugnar essas deliberações, uma vez que foi nessa data que tiveram conhecimento do teor das mesmas.
6.–Defender que o prazo de 60 dias para exercer o direito de anulação de deliberações de Assembleia de Condomínio, começa a correr após a data da assembleia é passível de contribuir, indevidamente, para preclusão do exercício de um direito que é conferido aos condóminos.
7.–Tal posição é, ademais, susceptível de colidir com preceito normativo constitucional previsto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que estatui o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o dificultar de forma não objetivamente exigível.
8.–O entendimento perfilhado pelo Tribunal Recorrido colide com o estatuído na citada norma constitucional e reflecte um impedimento ao exercício de um direito.
9.–A contagem do prazo de 60 dias previsto no artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil, para propor a acção de anulação, tendo por referência a data da deliberação da Assembleia, é aplicável aos condóminos que estiveram presentes na Assembleia.
10.–A contagem de tal prazo nesses termos não pode ser aplicável aos condóminos ausentes, sob pena de ocorrer, indevidamente, a preclusão do direito de propor a acção judicial de anulação da deliberação.
11.–O Tribunal Recorrido devia ter pugnado pelo prosseguimento dos presentes autos e julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de intentar a presente acção de anulação.
12.–Decorrendo da Sentença Recorrida posição diversa, sustentando a procedência da excepção de caducidade alegada pelo Apelado, é manifesto que o tribunal “A Quo” fez uma interpretação errada do estatuído nos artigos 328.º e 1433.º, n.º 4 do Código Civil, disposições legais que resultaram manifestamente violadas, resultando igualmente violado o 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa uma vez que resulta denegado, por via do aresto recorrido, o elementar direito de acesso aos Tribunais por parte dos Apelantes.
Termos em que ora se requer (..) provimento ao presente recurso e em consequência revogar a sentença recorrida, devendo em seu lugar ser proferido acórdão nos termos do qual seja julgada absolutamente improcedente a excepção de caducidade do direito dos Apelante proporem a acção de anulação das deliberações da Assembleia de Condóminos realizada no dia 03/02/2022, devendo prosseguir esta acção em primeira instância para conhecimento do mérito da presente causa”.
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O i. mandatário do R. renunciou ao mandato, R. que notificado não veio a constituir novo mandatário. Não foram produzidas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II.–Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - a questão a decidir é a de saber se não caducou o direito dos autores de pedirem a anulação das deliberações da Assembleia de Condóminos do Condomínio acima identificado, realizada no dia 3 de Fevereiro de 2022, vertidas nos pontos 1, 3 e 4 da respectiva acta, e se, em consequência, os autos devem prosseguir os seus termos.
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III.– Matéria de facto

O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão em termos de matéria de facto:

a)-De Facto
Com relevância para a decisão, considero provados, em face do registo de entrada da petição, do teor do mencionado articulado, das certidões prediais juntas aos autos, do acordo das partes, do teor da acta da assembleia de condóminos e da convocatória não impugnadas e ainda do teor dos autos de procedimento cautelar, que foram apensados aos presentes, a seguinte factualidade:

1.–Estão registadas a favor dos Autores a aquisição da propriedade das fracções designadas pelas letras “…” e “…” do imóvel sito na Rua …, constituído em propriedade horizontal.

2.–No dia 19 de Janeiro de 2022 foi enviada aos Autores a convocatória para Assembleia Geral de Condóminos a realizar no dia 3 de Fevereiro de 2022, junta com a petição inicial como documento n.º 6, cujo teor se dá aqui por reproduzido, com a seguinte ordem de trabalhos:
1.–Apresentação e aprovação das contas de 2021;
2.–Nomeação da Administração para 2022;
3.–Apresentação e aprovação do orçamento para 2022;
4.–Deliberação sobre as dívidas das frações … e I… e cumulação das mesmas às ações executivas em curso;
5.–Análise e decisão de obras necessárias ao condomínio;
6.–Outros assuntos de interesse geral do condomínio.

3.–No dia 3 de Fevereiro de 2022, realizou-se a assembleia-geral de condóminos, conforme acta junta com a petição inicial como documento n.º 7, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no âmbito da qual foi deliberado: aprovar as contas de 2021; aprovar o orçamento para 2022; imputar aos Autores R e E os seguintes valores em dívida 3041,64 € do ano de 2020, 2140,56 € do ano de 2021 e 356,76 € do ano de 2022 e cumular tais valores ao processo executivo n.º 18425/20.3T8LSB; e imputar à Autora M… os seguintes valores em dívida 3 041,64 € do ano de 2020, 2140,56 € do ano de 2021 e 356,76 € do ano de 2022 e cumular tais valores ao processo executivo n.º …T8LSB.
4.–Os Autores não compareceram à referida Assembleia de Condóminos.
5.–Os Autores intentaram a presente acção em 14 de Abril de 2022, peticionando a anulação das deliberações da Assembleia de Condóminos realizada no dia 3 de Fevereiro de 2022, vertidas nos pontos 1, 3 e 4 da respectiva acta da referida Assembleia.
6.–A acta da assembleia de condóminos foi remetida aos Autores no dia 14 de Fevereiro de 2022.
7.–Os Autores intentaram, em 23 de Fevereiro de 2022, procedimento cautelar de suspensão das deliberações da Assembleia de Condóminos realizada no dia 3 de Fevereiro de 2022, vertidas nos pontos 1 e 4 da respectiva acta da referida Assembleia, procedimento que foi julgado procedente”.
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IV.–Apreciação

Sendo certo que não foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto, a primeira instância, em matéria de direito, fundamentou a sua decisão de julgar procedente a excepção de caducidade do seguinte modo:
“Dispõe o n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil que “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.”. O n.º 2 do mesmo artigo preceitua que “No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes”. Por sua vez, estabelece o n.º 4 do artigo citado que “O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.”.

Como resulta dos normativos citados, assiste ao condómino que não tenha aprovado as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados o direito a pedir em juízo a anulação das deliberações no prazo de 20 dias contados da assembleia extraordinária a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo
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