Acórdão nº 955/21.1T8LRA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30-03-2023

Data de Julgamento30 Março 2023
Ano2023
Número Acordão955/21.1T8LRA-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
AA e BB, vieram dar inicio à fase contenciosa da presente ação especial emergente de acidente de trabalho, apresentando petição inicial contra:
1.º Britagem do Fetal, Lda. (subempreiteira executante da obra e empregadora do sinistrado);
2.º Generali Seguros, S.A. (companhia de seguros para a qual a 1.ª Ré havia transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho dos seus trabalhadores);
3.º DD – Construções Civil e Obras Públicas, Lda. (empreiteira da obra);
4.º Rodoviária do Lis, Lda. (dono da obra).
Para o que aqui interessa[2], alegaram, em breve síntese, que são os únicos e universais herdeiros de CC, seu pai, que faleceu na sequência de um acidente de trabalho ocorrido no dia 12/03/2021, aquando da execução de trabalhos de abertura/fecho de uma vala, sendo todos os réus solidariamente responsáveis pela reparação do dito acidente, face à dinâmica do mesmo.
Referiram que o acidente sucedeu por falta de observação das regras sobre segurança no trabalho pela 1.ª Ré, o que determina o agravamento da respetiva responsabilidade, nos termos previstos pelo artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro[3]. Mais alegaram que esta responsabilidade é extensiva à 3.ª Ré, por conduta omissiva da mesma no que toca à supervisão das obras que estavam a ser realizadas e a que estava obrigada, e, também, à 4.ª Ré, por uma conduta ativa - passagem de autocarros junto ao talude, sendo que o podia fazer por outro caminho, provocando tal passagem a trepidação do solo, o que contribuiu para a ocorrência do acidente. Quanto à 2.ª Ré, a sua responsabilidade emerge do contrato de seguro celebrado com a 1.ª Ré.
A 1.ª Ré contestou, invocando que seguiu escrupulosamente as regras estabelecidas no plano de segurança e saúde elaborado pela empreiteira da obra em causa, que procedeu à avaliação dos riscos através de empresa que contratou para o efeito e que assegurou a segurança do falecido trabalhador, orientando-o in loco na execução do seu trabalho por dois dos seus responsáveis de obra. Concluiu que nenhuma responsabilidade agravada e subjetiva lhe poderá ser assacada relativamente ao fatídico acidente dos autos.
A seguradora demandada também ofereceu contestação, tendo aceitado a ocorrência de um acidente de trabalho e a existência do alegado contrato de seguro por acidentes de trabalho. No entanto, pronunciou-se no sentido de que o acidente ocorreu por exclusiva violação das regras de segurança e saúde no trabalho pelas 1.ª, 3.ª e 4.ª Rés, que devem ser consideradas solidariamente responsáveis pela reparação do mesmo.
Na sua contestação, a 3.ª Ré veio invocar a sua ilegitimidade, argumentando que no regime de reparação de acidentes de trabalho, o processo especial de trabalho está estruturado por forma a que a relação jurídica tenha do lado ativo o sinistrado ou seus beneficiários legais e do lado passivo a entidade patronal ou a seguradora. É a entidade patronal que responde, em termos objetivos, pela reparação do acidente (ou a seguradora para a qual tenha transferido a sua responsabilidade) e, no caso de ter ocorrido violação de regras de segurança, em termos agravados e, ainda, em termos subjetivos, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. Tendo os Autores alegado violação de regras de segurança, e tendo em conta o regime previsto no artigo 18.º da LAT, a 3.ª Ré não tem qualquer interesse em contradizer, já que da ação não lhe advirá qualquer prejuízo. Concluiu que, atenta a sua ilegitimidade, deveria ser absolvida da instância.
Por seu turno, a 4.ª Ré, em sua defesa, alegou, na contestação que apresentou, que não adotou qualquer comportamento que tenha contribuído para a produção do acidente de trabalho, pelo que, a final, sempre se terá de concluir pela sua ilegitimidade passiva.
Em 09/09/2022, foi prolatado despacho a colocar a possibilidade de as 3.ª e 4.ª Rés virem a ser consideradas partes ilegítimas e, consequentemente, virem a ser absolvidas da instância. Na sequência, as partes foram convidadas a exercer o contraditório, «nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 3 e 4, 6.º e 547.º do CPC ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, visto a questão da legitimidade das partes dever ficar decidida em sede de saneamento dos autos.».
A Ré seguradora veio expressar a sua discordância com o entendimento manifestado pelo tribunal.
A 3.ª Ré também respondeu, dando por integralmente reproduzido o declarado na sua contestação quanto à exceção da ilegitimidade.
Em 20/10/2022, o tribunal a quo procedeu ao saneamento do processo, e apreciou assim o pressuposto processual da legitimidade das partes:
«Da legitimidade:
Os AA. vieram propor a presente ação contra:
1º Britagem do Fetal, Ldª;
2º Generali Seguros, SA;
3º DD – Construção Civil e Obras Públicas, Ldª; e,
4º Rodoviária do Lis, Ldª.
A 1.ª Ré era a entidade patronal do sinistrado, a terceira Ré era a empreiteira que havia contratado a primeira como subempreiteira e a 4.º Ré era a dona de obra.
A responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho recaí sobre o empregador relativamente a trabalhador ao seu serviço (artigo 7.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09), sendo que o empregador é obrigado a transferir a sua responsabilidade para uma empresa de seguros (artigo 79.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09).
Se o acidente for causado por terceiros, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de ação contra aqueles nos termos gerais (artigo 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09). Por outro lado, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais (artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09).
Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04/09). O empregador tem também direito de regresso sobre o seu representante (artigo 18.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04/09).
Da conjugação do supra citado resulta, além do mais, que em caso de responsabilidade de terceiro, da violação das regras de segurança e saúde pelo empregador ou dos seus representantes, é demandado o empregador e a seguradora, cabendo ao primeiro a satisfação da indemnização integral, com condenação solidária da seguradora nos termos e limites previstos no artigo 79.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04/09, não podendo haver lugar à condenação solidária das 1.ª, 3.ª e 4.ªs RR na satisfação da indemnização emergente de acidente de trabalho que constitui o objeto destes autos, não sendo aplicável, a este tipo de ação, o artigo 16.º, n.º 5 da Lei 102/2009, de 10/09, visto esse estabelecer, outrossim, a responsabilidade solidária mas enquanto garantia de pagamento da coima (e não uma transferência da responsabilidade pela prática da contraordenação), o que não se cuida nestes autos.
Se a entidade patronal do sinistrado, permitiu que o seu trabalhador recebesse ordens ou instruções de terceiro, na execução do trabalho, designadamente por parte da empreiteira ou de pessoa por esta indicado ou por terceiro, estaremos perante um seu representante[4], como indicado no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09.
Porquanto, nos presentes autos de acidente de trabalho, apenas têm de figurar do lado passivo, o empregador e a seguradora.
Se os AA. pretenderem exercer o seu direito de ação contra terceiros, podem fazê-lo, mas nos termos gerais, como determina o artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09.
Aliás, é esta a situação indicada no Ac. do TRG de 23/11/2017, acessível em www.dgsi.pt, ao condenar a empreiteira solidariamente, por violação do dever de vigilância previsto no artigo 493.º, n.º 1 do CC. Semelhante caso é apreciado na ação de processo comum no Ac. do STJ de 13/09/2018, acessível em www.dgsi.pt.
Pelo exposto, entende-se que quer a 3.ª Ré quer a 4.ª Ré devem ser absolvidas da instância, por serem partes ilegítimas, já que o dever de indemnização, nos termos definidos nas ações emergentes de acidente de trabalho, recai sobre as primeiras RR., nos termos indicados, sem prejuízo do direito de regresso destas, ou do direito de ação dos AA. sobre terceiros, mas nos termos gerais (veja-se, neste sentido, o Ac. do TRP de 18/11/2019, acessível em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, julgo as 3.ª e 4.ªs Rés, partes ilegítimas, absolvendo-as da instância.
Consigna-se, no entanto, que sendo relevantes os documentos que juntaram aos autos, serão os mesmos valorados com a demais prova.
§
Os Autores e as 1.ª e 2.ªs Rés têm legitimidade para a presente ação e estão devidamente patrocinadas.».

Não se conformando com o decidido, a 1.ª Ré veio interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A. No douto despacho saneador ora posto em crise, o tribunal a quo não interpretou corretamente a lei aplicável ao caso dos autos, à luz da configuração que os autores deram (na p.i.) à relação material controvertida entre as partes.
B. Compete ao dono da obra, in caso, a 4.ª ré, elaborar ou mandar elaborar o plano de segurança e saúde para garantir a segurança e a saúde de todos os intervenientes no estaleiro,
C. Assim como compete ao empreiteiro geral, in caso, a 3.ª ré, desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde para a fase da execução da obra.
D. O dono da obra e o empreiteiro geral são solidariamente responsáveis pelas violações das
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