Acórdão nº 951/21.9T8CRB-F.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão951/21.9T8CRB-F.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)


Apelação n.º 951/21.9T8CRB-F.C1

Juízo de Comércio ... – Juiz ...

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Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

Por sentença de 15.03.2021 foi declarada a insolvência de AA, residente na Rua ..., ... ....


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Por decisão de 03.09.2021 foi, ao demais, admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor e determinado que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o mesmo viesse a auferir se considera cedido ao fiduciário, constituindo rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, e nomeadamente do que seja razoavelmente necessário para o sustento do seu agregado familiar, correspondente ao montante de uma vez e meia o salário mínimo nacional[2].

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Por decisão de 29.10.2022 a insolvência foi declarada como culposa, julgado afetado pela qualificação o insolvente e declarado o mesmo inibido para administrar patrimónios de terceiros, bem como inibido para o exercício do comércio, pelo período de 3 (três) anos, e inibido, por igual período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.

Essa decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.01.2022, tendo transitado em julgado.

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Na sequência do despacho de 15.11.2022, o devedor e a fiduciária foram notificados para, querendo, se pronunciarem relativamente à cessação antecipada do procedimento de exoneração, nos termos da previsão contida no artigo 243.º, n.º 1, alínea c), do CIRE.

O devedor pronunciou-se manifestando o entendimento que “A previsão da alínea c) do art.º 243º, n.º 1, do CIRE não deve ter consequência natural a cessação antecipada como consequência do incidente de qualificação de insolvência, especialmente nos presentes autos onde o devedor, designadamente, se encontra a cumprir as obrigações que decorrem da admissão do pedido de exoneração”, não devendo ser determinada essa cessação antecipada.

Já a Sra. Fiduciária pugnou no sentido de “a decisão proferida no incidente da qualificação de insolvência como culposa é fundamento bastante para a cessação antecipada do procedimento de exoneração, nos termos e para os efeitos da al. c) do nº 1 do art.º 243 º do CIRE”.

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Por decisão de 19.12.2022, com os fundamentos que dela constam, o Sr. Juiz recusou a exoneração do passivo restante do devedor e declarou antecipadamente cessado o procedimento.

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Inconformada, o insolvente interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:

“Conclusão Um - O douto Tribunal recorrido violou o n.º 1, do art. 3.º, e o n.º 2, do art. 608.º, ambos do CPC, e violou o n.º 1, do art. 243.º, do CIRE, ao decidir a cessação antecipada do procedimento de exoneração sem que tal tivesse sido requerido por qualquer dos intervenientes processuais, sejam elas o AI, aqui Fiduciário, os credores e o Insolvente;

Conclusão Dois - Deve a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que ordene o prosseguimento do procedimento de exoneração (isto é, a sua retoma, uma vez que, tendo o recurso efeito devolutivo, no entretanto, a decisão em crise surte efeito);

INCONSTITUCIONALIDADE:

Conclusão Três - Ao decretar a cessação antecipada do procedimento de exoneração, com inerente recusa dela quanto ao passivo restante, sem a prática de quaisquer diligências e sem análise factual, o douto Tribunal recorrido violou os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da justiça e da solidariedade, plasmados no art. 1.º, da CRP, o princípio do Estado de Direito Democrático, plasmado no art. 2.º, do mesmo texto constitucional, e o n.º 3, do art. 3.º, de tal diploma fundamental, dispositivos que violou;

Conclusão Quatro - Deve a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que ordene o prosseguimento do procedimento de exoneração (isto é, a sua retoma, uma vez que, tendo o recurso efeito devolutivo, no entretanto, a decisão em crise surte efeito)

VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO:

Conclusão Cinco - Ao não discriminar os factos que considera provados, o douto Tribunal recorrido violou o seu dever de fundamentação fáctica, violando os n.ºs 1, 2 e 3, do art. 607.º, do CPC;

Conclusão Seis - Deve a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que ordene o prosseguimento do procedimento de exoneração (isto é, a sua retoma, uma vez que, tendo o recurso efeito devolutivo, no entretanto, a decisão em crise surte efeito)”.


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Não foi oferecida resposta.

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No despacho em que admitiu o recurso, o Sr. Juiz, prevenindo a possibilidade de se entender que no recurso foi suscitada a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pronunciou-se nos seguintes termos: “Compulsado o teor da sentença, verifica-se que a mesma se encontra fundamentada de facto. Na verdade, constata-se que a mesma decidiu «tendo- se em consideração a factualidade acima descrita [no relatório] que resulta do próprio processado.».

Face ao exposto, consideramos que não se verifica a nulidade invocada, nada havendo a suprir”.


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Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

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II-Objeto do recurso

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir (ordenadas por precedência lógica, a partir da forma para a substância):

Saber se:

1.ª – A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 do CPC e 243.º, do CIRE, por a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante ter sido decretada sem que existisse requerimento nesse sentido apresentado por qualquer credor ou pela Sra. fiduciária.

2.ª – A decisão recorrida violou o dever de fundamentação emergente do art. 607.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC ao não discriminar os factos que considera provados.

3.ª – É inconstitucional - por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da justiça, da solidariedade e do Estado de Direito...

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