Acórdão nº 9442/18.4T8SNT-D.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-11

Ano2023
Número Acordão9442/18.4T8SNT-D.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

S, executada nos autos de execução para pagamento de quantia certa de que estes são apenso, que lhe move e a outros o BANCO …, interpôs recurso do despacho que indeferiu a suspensão durante um ano da venda judicial do imóvel de sua propriedade penhorado nos autos.
Notificada a executado para se pronunciar sobre a modalidade e preço-base da venda desse imóvel, requereu o seguinte:
1. É verdade que a Executada é uma das devedoras solidarias do crédito exequendo, juntamente com os demais executados.
2. No âmbito do processo já foi vendido o imóvel objeto da execução.
3. Para pagamento do remanescente, e já após a habilitação de herdeiros do executado falecido, encontram-se a decorrer diversas penhoras de vencimento, incluindo da ora Executada.
4. Sempre tentou a mesma, em conjunto com o também executado G, chegar a um acordo de pagamento com o Exequente, pois sozinha a mesma não conseguia, mas por virtude da separação dos mesmos, o falecimento do pai deste, o ex-casal desentendeu-se e nunca foi obtido o acordo efetivamente.
5. Não obstante toda esta situação, a verdade é que além dos vencimentos dos executados, e ainda que existam outros bens dos demais executados (incluindo bens da herança que terão com certeza valor patrimonial para liquidar de imediato o valor em divida), apenas a casa de morada de família desta é que foi penhorada e será levada a venda.
6. A Executada vive sozinha nesta casa, com o seu filho menor, que tem a cargo, vivendo do seu parco ordenado (penhorado), não tendo onde viver caso se efetive a referida venda.
7. Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, é de todo desproporcional a penhora e consequente venda deste imóvel, que tem uma hipoteca bancaria a ser cumprida, face ao valor em divida neste momento.
8. Caso esta venda ocorra, previsivelmente, a ora Exequente nada receberá, pois existe uma hipoteca do credor reclamante, apenas tendo como consequência a perda da casa de morada de família da executada, sendo a única que tem uma criança menor a cargo, e todas as despesas, sozinha, inerentes à mesma.
9. É todo injusto e desproporcional, pois não foram atendidos outros bens, existentes, e cuja penhora terá um muito inferior impacto do que esta.
Por todo o exposto, e face à necessidade de assegurar o respeito pelo princípio básico da dignidade humana consagrado constitucionalmente, e atendendo ao superior interesse da criança envolvida, requer-se que seja dada sem efeito a penhora sobre o imóvel da executada, ou, caso V. Exa assim não o entenda, que permaneça registada a penhora, mas que seja a sua venda suspensa pelo prazo mínimo de um ano, prosseguindo as penhoras de vencimento em curso.
O Exequente opôs-se à pretensão como segue:
1. Antes de mais, vem o Exequente esclarecer que a penhora de imóvel só foi requerida, por circunstâncias imputáveis à Executada, uma vez que o contrato de mútuo subjacente à presente execução foi incumprido, deixando de ser pagas as prestações contratualmente devidas.
2. Por outro lado, as condições e circunstâncias apontadas no requerimento da Executada não são determinantes nem constituem base legal para a suspensão da venda/penhora requeridas.
3. Na verdade, a Executada não comprova diversos dos fatos por si alegados, desde logo o que deixa invocado nos artigos 5.º e 9.º do seu requerimento.
4. Desde logo, a Executado não deduziu oposição à penhora de imóvel, nos termos legalmente previstos nos artigos 784.º CPC.
5. Na verdade, a penhora de bem imóvel foi realizada nas circunstâncias legais previstas no artigo 751.º, n.º 3 e 4 CPC, por não se perspetivar que a penhora de outros bens, incluindo as penhoras de vencimento que decorrem nos autos, permitam a satisfação integral do crédito exequendo nos prazos previstos nessa disposição legal.
6. Aliás, tal desiderato está ainda mais longe de ser alcançado, porquanto como se sabe, tem sido determinada a redução da penhora de vencimento de vários Executados para 1/6 do respetivo valor.
7. Alega ainda a Executada que existem bens da herança que permitem liquidar de imediato o valor em dívida.
8. Contudo, não concretiza nem alega quais os bens que integram o acervo hereditário nem qual o valor que lhes atribui e em que estado se encontra a divisão/partilha do mesmo, nem consta que tenha indicado tais bens à penhora ou que tenha pedido o reforço ou substituição da penhora.
9. Tão-pouco comprova as demais circunstâncias pessoais por si alegadas, de que se trate da sua casa de morada de família, e de que ali resida com o seu filho menor.
10. Menos ainda se aceita que a Executada invoque a existência de um crédito hipotecário, e que tal impeça ou tenha por efeito privar o credor exequente de ver satisfeito o seu direito de crédito ou de prosseguir com a venda de imóvel penhorado.
11. Pelo que, a penhora de imóvel determinada nos presentes autos é legal, proporcional e justificada pelos fins da presente execução, devendo por conseguinte execução prosseguir os seus demais termos.
Nestes termos, vem o Exequente opor-se ao pedido de suspensão da venda/penhora de imóvel apresentado pela Executada S, porquanto, conforme supra fica exposto, a penhora em causa é justificada, legal e necessária à realização dos fins da execução.
Foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
Através de requerimento dirigido aos autos em 03.01.2023, veio a executada S requerer seja dada sem efeito a penhora efetuada sobre o imóvel de que é proprietária ou, caso assim não se entenda, seja a sua venda suspensa pelo prazo mínimo de um ano. Para tanto alegou, em síntese, que os outros executados têm bens que não foram penhorados, que o imóvel penhorado constitui a sua habitação, sendo aí que reside com um filho menor, não tendo sítio onde viver, e que o mesmo se encontra onerado com uma hipoteca, relativa a um contrato de mútuo que está a ser cumprido, sendo por isso a penhora desproporcional pois que, previsivelmente, o exequente nada receberá com a venda.
Respondeu o exequente pronunciando-se pela improcedência do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Requer a executada o levantamento da penhora.
Porém, não deduziu oposição a essa penhora quando para o efeito foi notificada.
Pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda (art.ºs 601.º do Código Civil, e 735.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sendo certo que, no caso, a executada é obrigada principal por ter incumprido os contratos de mútuo que celebrou com o exequente, sendo responsável, a par dos demais executados, pelo pagamento da totalidade da dívida.
É por isso indiferente que os demais executados sejam proprietários de bens que não foram penhorados, pois que qualquer bem penhorável de qualquer um dos executados responde pelo pagamento integral da dívida.
De outra sorte, o facto da fração autónoma penhora constituir a sua habitação não obsta também à realização da penhora e subsequente venda, pois que, na linha do que já se decidiu em vários acórdãos do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.º 633/95, de 08.11.1995, in DR II Série, de 24.04.1996; n.º 60/99, de 02.02.1999, in DR II Série, de 30.03.1999; n.º 465/01, de 24.10.2001, in DR II Série, de 26.12.2001) o direito à habitação pressupõe a concretização e a mediação do legislador ordinário decorrente de opções político-administrativas em que, em principio, não há molde constitucional para além das incumbências enunciadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 65.º da Lei fundamental, não competindo aos tribunais substituir-se ao legislador nesta matéria, havendo apenas um conteúdo mínimo determinado constitucionalmente, não podendo aceitar-se como constitucionalmente exigível que a realização do direito à habitação esteja dependente de limitações intoleráveis e desproporcionadas dos direitos de terceiros, porventura também constitucionalmente consagrados, como é o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa).
Não está também demonstrado que o exequente nada venha a receber com a venda do imóvel, como se alega.
Verifica-se, aliás, que na sequência da citação de credores o Banco …, S.A. “apenas” veio reclamar um crédito de €52.291,05, pelo que o que é previsível é que com a venda do imóvel o exequente veja ressarcida a totalidade ou, pelo menos, parte substancial do remanescente do seu crédito.
Finalmente, a suspensão da venda apenas é possível no caso previsto no art.º 733.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que, na circunstância, não tem aplicação, pois que a requerente deduziu oposição à execução, mas a mesma foi considerada não escrita na parte que lhe diz respeito, por não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida.
Termos em que, face ao exposto, indefiro os pedidos de levantamento da penhora e de suspensão da venda formulados pela executada S.
Notifique.
A Executada interpôs o presente recurso do mencionado despacho e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
A. A Executada, juntamente com o seu ex-companheiro, e demais fiadores, foi alvo de uma ação executiva a 17.05.2018, para cobrança do montante de €126.232,30, sendo o Exequente o Banco …, por falta de pagamento de um crédito hipotecário, e por referência ao imóvel sito na Rua …, ..., 3º andar esquerdo, na Amadora.
B. Com o desenrolar da ação executiva, foi vendido e adjudicado o imóvel a
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