Acórdão nº 94/21.5T8VLF.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-03-19

Ano2024
Número Acordão94/21.5T8VLF.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA)
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – AA, e mulher, BB, intentaram acção declarativa de impugnação de justificação notarial, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 101.º do Código do Notariado, contra CC, pedindo que:

A) Se declare que os factos justificados na Escritura Pública de Justificação, outorgada a 26 de Março de 2021, na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Notário de ..., perante a Conservadora DD, no livro de notas para escrituras diversas numero sessenta e um C, a fls 28 e 29, não são verdadeiros, não correspondem à verdade;

B) Se deem por impugnados os factos justificados na Escritura de Justificação outorgada a 26 de Março de 2021, na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e no Notário de ..., perante a Conservadora DD, no livro de notas para escrituras diversas numero sessenta e um C, a fls 28 e 29, onde se declara que o Réu é dono e legitimo proprietário do prédio urbano inscrito sob o artigo ...03, por o ter adquirido por doação feita por EE em 1995, porquanto não correspondem à verdade as declarações prestadas quanto à invocada aquisição da propriedade do referido prédio urbano e em consequência declarar-se a ineficácia da escritura pública de justificação e considerar-se ineficaz a aquisição do imóvel identificado no artigo 38 da p. inicial;

C) Se dê por impugnada a escritura de Justificação outorgada a 26 de Março de 2021 ,na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Notário de ..., perante a Conservadora DD, no livro de notas para escrituras diversas numero sessenta e um C, a fls 28 e 29, onde se declara que o Réu é dono e legitimo proprietário do prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia ... e ... sob o artigo ...03, por o ter adquirido por doação feita por EE no ano de 1995, porquanto não correspondem à verdade as declarações prestadas quanto à aquisição de propriedade do referido prédio urbano e em consequência declarar-se a ineficácia da escritura pública de Justificação e considerar-se ineficaz a aquisição do imóvel identificado no artigo 38 da p. inicial;

D) Em consequência da ineficácia invocada nos pedidos anteriores se determine o cancelamento de quaisquer registos já feitos ou que venham a ser feitos sobre o identificado imóvel;

E) Se declare que o prédio urbano identificado no artigo 38 da p. inicial faz parte integrante do hoje prédio rústico inscrito na matriz da União de Freguesia ... e ... sob o numero ...83;

F) Se declare que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio rústico descrito no artigo 1 desta petição e inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ... sob o artigo ...83.

Para tanto, e em síntese, alegaram ser proprietários de determinado prédio rústico (matriz 2483/CRP 956), o qual resultou da discriminação do artigo ...05, na sequência da construção de estrada nacional que atravessou este último, o qual adquiriram por escritura pública de compra e venda outorgada a 9 de abril de 2021. No referido e originário artigo ...05 existiam três construções, as quais, com a discriminação desse artigo ficaram implantadas no artigo 2483, pelo que integraram necessariamente o sobredito negócio aquisitivo. Sucedendo que no levantamento topográfico que antecedeu a acima referida discriminação do art 505º, e que foi feito sob a orientação e indicações do aqui R, tendo sido ele quem mostrou ao A. e a FF, anterior proprietário, os limites da propriedade, não lhe deu conta de que que a porção de terreno que viria a justificar como sua integrava o artigo ...05. Os AA. apenas por força da publicação em jornal local da escritura de justificação vieram a tomar conhecimento de que a construção situada na estrema sul do seu artigo 2483, hoje autonomizada sob artigo 903, havia sido inscrita na matriz predial pelo R., e que, segundo ele, lhe teria sido doada em 1995 por EE, encontrando-se preenchidos os pressupostos para a aquisição do prédio por usucapião.

O R contestou, referindo ser verdade o que consta da referida escritura de justificação – que foi EE que no referido ano de 1995 lhe doou o terreno e a construção a que corresponde hoje o art matricial 903, tudo feito com conhecimento e concordância do seu único filho, GG, que também já era herdeiro de seu pai, e cuja vontade em vida era também doar-lhe aquele espaço, por consideração, respeito e amizade com os seus pais, que o utilizaram e fruíram, como ele, R., o continuou a fazer, o que sucede há mais de 60 anos de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé . Refere que o prédio urbano em causa não fazia parte do prédio rústico, pois que sempre foi tratado autonomamente pelos antigos vendedores, apenas se encontrando omisso na matriz como sucede em muitas outras situações. Mais refere que ao longo dos anos os pais dele, e depois ele próprio, chegaram a pagar uma renda simbólica por esses palhais e respectivo quinteiro, e que, após a falecida EE e seu filho lhe terem doado verbalmente esse palhal o passou a utilizar como se seu proprietário se tratasse. Refere ainda que aquando do levantamento topográfico a que os AA. se reportam, transmitiu que não faziam parte as construções em causa e respectivo quinteiro, esclarecendo que não procedeu mais cedo à escritura de justificação por não lhe ter passado pela cabeça que outros se viessem a arrogar proprietários daqueles bens e que o fez por insistência de GG.

Foi fixada à acção o valor de 60.000,00, em consequência do que foi determinada a remessa dos autos para os Juízos Centrais Cíveis da Comarca ..., foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador e, subsequentemente, realizada audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

II – Do assim decidido, apelaram os AA., que concluíram as respectivas alegações, do seguinte modo:

4.1.O Recurso de Apelação que ora se interpõe versa sobre matéria de facto e sobre matéria de Direito dessa decisão, tendo como fundamentos o erro de julgamento por:

i) No que toca a matéria de facto, por errada e deficiente análise crítica da prova, insuficiência de prova ou incorrecta valoração desta para a decisão de facto proferida e inobservância do juízo prudencial na formação da convicção, uma vez que a prova testemunhal e documental conduz, indiscutivelmente, a solução oposta à da sentença ora em crise;

e ii) No que toca a matéria de Direito, por errada interpretação e aplicação do Direito, quer por violação das regras de apreciação de prova e de ónus de prova, quer por violação de normas do Código do Notariado, do Código Civil e do Código de Processo Civil.

4.2. A discordância quanto à matéria de facto tem uma dupla vertente: por um lado determinados factos adicionais devem ser julgados como provados por existência de produção de prova conclusiva quanto aos mesmos; por outro, determinados factos fixados como provados na sentença recorrida devem ser julgados como não provados por inexistência e/ou incorrecta valoração da prova produzida.

4.3. Deve ser julgado como facto provado o seguinte facto: A inscrição da referida construção na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... efectuada pelo do R. aconteceu já depois de o primitivo dono do artigo ...05, GG, ter vendido aquele artigo ao senhor Dr. FF, venda esta que teve lugar em Junho de 2020.

4.4.Deve ser julgado como facto provado o seguinte facto: As paredes do prédio urbano inscrito sob o número ...03 são a continuação dos muros que dividem o prédio rústico inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ... sob o artigo ...83, do caminho público e das outras propriedades.

4.5.Deve ser julgado como facto provado o seguinte facto: O Réu iniciou o pagamento de impostos sobre o prédio justificado a partir de Setembro de 2020.

4.6. Deve ser julgado como facto provado o seguinte facto:As testemunhas sobrevivas da escritura de justificação notarial tiveram conhecimento dos factos que outorgaram por lhes terem sido transmitidos pelo Réu no dia da escritura.

4.7.A discordância quanto à matéria de facto da sentença recorrida na vertente de factos que foram fixados como provados e ao invés devem ser julgados como não provados, diz respeito a factos identificados sob a epígrafe “Da Contestação”, cuja fundamentação de suporte à decisão evidencia três vícios que consumam o erro de julgamento desta parte da matéria de facto: a) Ausência de juízo prudencial na apreciação de prova; b) Incorrecta imposição do ónus da prova aos Autores ao invés do Réu como caberia; c) Confusão, ou pelo menos inconsistente distinção, entre o conteúdo dos conceitos de possuidor e simples detentor/detentor precário

4.8.Estes três vícios manifestam-se de forma flagrante e em particular nos factos fixados como provados sob o items .15 e .17, devendo antes estes ser julgados como não provados.

4.9.Relativamente aos factos sob os itens .12, .13, .14 e .16, embora se discorde integralmente da fundamentação que é construída na sentença recorrida para os sustentar, porquanto enferma dos mesmos três vícios enumerados em 4.7 supra, são factos que na estrita expressão em que ficaram fixados resultam efectivamente provados à luz dos elementos que constam dos autos (embora não à luz dos elementos em que o Tribunal a quo os estriba).

4.10. O facto fixado como provado sob o item .15 sob a epígrafe “Da Contestação” deve ser eliminado do conjunto de factos provados e antes ser julgado como facto não provado o seguinte:

Facto não provado: Desde 1995, o Réu continuou a fazer a mesma utilização que faziam seus pais do bem em causa, agora de forma gratuita, na sequência de lhe ter sido comunicado pela então proprietária que deveria deixar de pagar qualquer renda e passar a considerar o bem como seu;

4.11. O facto fixado como provado sob o item .17 sob a epígrafe “Da Contestação” deve ser eliminado do conjunto de factos provados e...

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