Acórdão nº 933/13.4 BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-12-19

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão933/13.4 BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C…, S.A., contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação da taxa anual de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, com o n.º F212000123, referente ao ano de 2012, no valor de € 689 067,98 dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

«1.ª Deve ser corrigido o facto considerado provado sob o n.º 3 do probatório, nos termos aduzidos nos nºs 32 e 33 das presentes alegações;
2.ª Devem ser aditados ao probatório os factos indicados sob os nºs 35 e 36 das presentes alegações, relativos (i) ao procedimento de liquidação, (ii) ao procedimento de reclamação, (iii) ao relatório dos custos administrativos e montante resultante da cobrança de taxas no ano de 2012, (iv) à revisão da liquidação em virtude de ter sido corrigido o valor dos proveitos relevantes indicado pela PTC em função dos valores dos custos líquidos do serviço universal (CLSU) relativos aos exercícios de 2011 e 2012, (v) ao relatório dos custos administrativos e montante resultante da cobrança de taxas no ano de 2013, (vi) ao relatório dos custos administrativos e montante resultante da cobrança de taxas no ano de 2014 e (vii) ao valor da taxa impugnada nos presentes autos;
3.ª Verifica-se um erro quanto à fixação do valor da causa, na medida em que a sentença recorrida atribui à ação o valor de € 689.067,98 quando, em virtude de sucessivos atos de revisão da liquidação praticados pela ANACOM e devidamente documentados nos autos, a liquidação viria a ser reduzida para € 571.112,67, tendo sido devolvida à impugnante a quantia de € 117.955,31;
4.ª Está em causa um erro que deverá ser corrigido em sede de recurso, devendo ser fixado o valor de causa em € 571.112,67 (689.067,98 - 117.955,31);
5.ª A questão dos custos administrativos de regulação não se confina à temática das provisões que, no ano em causa, 21,7% dos custos totais repercutidos sobre as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (€ 6.337.808 / € 29.108.637);
6.ª Embora uma provisão seja, por definição, constituída para salvaguardar riscos futuros e assente num juízo de probabilidade quanto a um eventual exfluxo de recursos baseada numa estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro [NCR21, §13]) não deixa de ser um gasto, com impacto nas demonstrações financeiras da entidade, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;
7.ª A ANACOM não só tem a necessidade de constituir provisões, como tem que assegurar ex ante os respetivos meios de financiamento, o que só pode fazer através da taxa de regulação impugnada nos presentes autos;
8.ª Num sistema de autofinanciamento (associado à independência financeira da entidade reguladora) e de partilha dos custos da regulação entre os regulados, não se vê que outra alternativa existiria ao financiamento da responsabilidade emergente de atos praticados no exercício da atividade de regulação que não fosse a taxa de regulação;
9.ª O Tribunal a quo confunde os critérios de reconhecimento e mensuração de provisões, que se colocam ex ante (em sede de interpretação e aplicação da NCRF 21) com o impacto do seu efetivo reconhecimento e registo contabilístico, que se coloca ex post, quer em sede de balanço (conta 29), como um elemento do passivo, quer em sede demonstração de resultados (conta 67), como um gasto do exercício;
10.ª O gasto (custo) das provisões para processos judiciais em curso é relevado contabilisticamente na conta “673-Processo judiciais em curso”;
11.ª Não podem existir dúvidas de que as provisões para processos judicias em curso são aceites como gastos para efeitos fiscais e como tal são deduzidas na matéria coletável em IRC;
12.ª As provisões têm um tratamento contabilístico autónomo e distinto dos demais gastos, pois todas as naturezas de gastos são discerníveis entre si, com regras contabilísticas diferentes;
13.ª No caso das provisões, o seu registo contabilístico obedece a regras próprias, devidamente explicitadas na Norma Contabilística de Relato Financeiro 21 – Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes (“NCRF 21”);
14.ª O Tribunal a quo confundiu (i) a questão do reconhecimento contabilístico das provisões para processos judiciais relacionados com a atividade de regulação do sector das comunicações eletrónicas como gasto ou custo administrativo da ANACOM, com (ii) a questão da sua elegibilidade para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas;
15.ª O conceito de contabilístico ou fiscal de gasto (ou custo) não exige um exfluxo financeiro atual ou presente de fundos (pagamento);
16.ª De um ponto de visa contabilístico e fiscal, não são apenas gastos [custos] aqueles que envolvam um exfluxo financeiro atual ou presente, isto é, aqueles que correspondam a despesas efetivamente incorridas, por importarem a mobilização de recursos financeiros;
17.ª De um ponto de vista contabilístico e fiscal, as provisões, tal como as depreciações e amortizações, são um custo efetivo, ainda que assentem em gastos estimados;
18.ª E são um custo real, porque o seu reconhecimento tem impacto financeiro nas contas da entidade que as constitui, afetando os resultados do exercício;
19.ª Uma vez identificado o risco de exfluxo de recursos, as normas contabilísticas obrigam à constituição de provisões, pelo que não é correta a asserção constante da p. 11 da sentença recorrida, segundo a qual as provisões seriam reservas que são constituídas pelas entidades para fazer face a despesas futuras mais ou menos certas e, aparentemente, de mera constituição facultativa;
20.ª A elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre, desde logo e em primeira linha, do referencial contabilístico aplicável à ANACOM e da utilização da respetiva contabilidade para efeitos de apuramento dos gastos [custos] administrativos de regulação do sector das comunicações eletrónicas;
21.ª O elenco de custos constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do n.º 4 do artigo 105.º da LCE é meramente exemplificativo;
22.ª O TJUE já se pronunciou por duas vezes sobre a interpretação do artigo 12.º da Diretiva Autorização e, embora afirme a natureza limitada dos custos administrativos suscetíveis de cobertura pelas taxas de regulação (cf. considerandos 22, 23 e 27 do acórdão Telefónica proferido em 21 de julho de 2011 no processo C-284/10 e considerandos 36 e 38 a 42 do acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, proferido nos processos apensos nºs C-228/12 a C-232/12 e C-254/12 a C-258/12) nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais;
23.ª O TJUE afirmou claramente que os custos elegíveis para efeitos de financiamento através dos encargos administrativos a que se refere aquele artigo 12.º compreendem a totalidade dos custos resultantes das atividades mencionadas na alínea a) do n.º 1 daquela disposição de direito da União Europeia e não apenas uma parte (cf. considerandos 38, 41, 42 e 43 do acórdão de 18 de julho de 2013);
24.ª Se todas as atividades de regulação são suscetíveis de controlo jurisdicional (cf. artigo 4.º da Diretiva-Quadro e artigo 13.º da LCE) seria manifestamente absurdo considerar tais atividades elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando as mesmas se desenvolvem de modo normal, e já não as considerar elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando se desenvolvem de modo patológico, maxime se e quando a ANACOM fosse condenada a pagar indemnizações a terceiros por atos de regulação ilegais, sustentando que, nesses casos, deve ser a generalidade dos contribuintes a suportar tais custos;
25.ª Caso a ANACOM não pudesse repercutir nas taxas de regulação das comunicações eletrónicas os custos com a constituição de provisões ligadas à regulação do sector, ficaria dependente do Orçamento de Estado, o que prejudicaria a sua independência financeira e administrativa, para além de pôr em causa o princípio do autofinanciamento da regulação hoje consagrado nos artigos 6.º, n.º 3, alínea c) e 7.º, n.º 3, alínea e), da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (LQER);
26.ª A utilização dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espectro radioelétrico para financiar a constituição de provisões ligadas à atividade de regulação, equivaleria a transferir para outras fontes de financiamento custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação (artigo 12.º da Diretiva Autorização e artigo 105.º, n.º 4 da LCE), implicando o regresso ao sistema anterior à Portaria n.º 1473-B/2008, em que a regulação era financiada pelo produto das taxas de utilização do espectro radioelétrico;
27.ª O facto de, porventura, poderem ser utilizadas outras fontes de financiamento para suportar os custos administrativos da regulação na sua vertente patológica, maxime se e quando a ANACOM for condenada a pagar indemnizações a terceiros por atos de regulação ilegais, não quer dizer que tenha sido essa a opção do legislador...

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