Acórdão nº 926/20.5T8VCD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-04

Ano2022
Número Acordão926/20.5T8VCD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação n.º 926/20.5T8VCD.P1


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
Santa Casa da Misericórdia ... intentou acção de divisão de coisa comum contra AA e BB, com a finalidade de pôr termo à indivisão do prédio urbano composto por casa de três andares, com dependência e quintal, sito na Avenida ..., ..., freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../Vila do Conde.
A requerente sustentou que o prédio em questão era indivisível, mas os requeridos defenderam a divisibilidade do mesmo, pelo menos, em três fracções autónomas.
Foi determinada a realização de prova pericial, de cujo relatório resulta que o prédio em questão é indivisível.
Foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 926.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, decide-se declarar a indivisibilidade do prédio urbano composto por casa de três andares, com dependência e quintal, sito na Avenida ..., ..., freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../Vila do Conde.
Face ao supra decidido, e ao abrigo do disposto no art. 927.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, temos de fixar os quinhões, na proporção de 6/8 para a requerente Santa Casa da Misericórdia ..., 1/8 para o requerido AA e 1/8 para o requerido BB.
Pelo que, atento o regime legal vigente e sendo os prédios indivisíveis, os mesmos terão de ser adjudicados a um dos consortes ou vendidos, nos termos do disposto no art. 929.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Notifique e após trânsito conclua para ser designada data para realização da conferência de interessados (arts. 926.º, n.º 2 parte final e 929.º, ambos do Código de Processo Civil).
Inconformados, apelaram os requeridos, apresentando as seguintes conclusões:
1- O presente recurso tem por fundamento a não apreciação da prova requerida pelos recorrentes.
2- Sendo certo que o Tribunal pode decidir, como decidiu, sem enviar o processo para a forma comum.
3- Porém, o Tribunal a quo, ao fazer tábua rasa do requerimento feito pelos recorrentes, de vistoria/avaliação a realizar pela Câmara Municipal ..., para a mesma aferir das condições do imóvel dos autos para ser submetido ao regime da propriedade horizontal, violou o disposto no artigo 413º do Código de Processo Civil.
4- Sendo certo que tal prova era fundamental para a pretensão dos recorrentes, de provar a divisibilidade do imóvel dos autos.
5- Por outro lado, também a sentença em crise não especifica os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a sua decisão.
6- E também não houve pronuncia quanto à não admissibilidade e utilidade da prova requerida pelos recorrentes.
7- O que gera a nulidade da sentença.
8- Finalmente, o Relatório Pericial, que constitui prova fundamental para a decisão proferida, não contém razões de fundo para a indivisibilidade do prédio, como sugere.
9- De facto, as alterações indicadas são de pequena monta, irrisórias.
10- Não são de modo a alterar a substância, o valor – bem pelo contrário –, nem causam prejuízo para o uso a que se destinam.
11- Não são impeditivas, por isso, de o prédio ser submetido ao regime da propriedade horizontal.
12- Tal foi possível à Autoridade Tributária.
13- A sentença recorrida violou, pelo menos, as disposições constantes dos artigos 413º e 615º,
nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil e ainda o artigo 209º do Código Civil.
Pelo exposto, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente e em consequência, deve a decisão proferida ser substituída por outra que aprecie a admissibilidade da prova requerida pelos recorrentes e, caso assim não se entenda, a considere nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão proferida, procedendo, a final, a divisibilidade requerida por o imóvel dos autos o permitir.
Assim se fazendo JUSTIÇA.

Contra-alegou a apelada, pugnando pela manutenção do decidido.


2. Fundamentos de facto

São os seguintes os factos relevantes para a apreciação do recurso:
1. O prédio urbano composto por casa de três andares, com dependência e quintal, sito na Avenida ..., ..., freguesia e concelho de Vila do Conde e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../Vila do Conde, constando a Santa Casa da Misericórdia ... como titular de 6/8, e AA e BB, de 1/8 cada.
2. Do relatório pericial ordenado consta, designadamente, o seguinte:
b) É possível a constituição do prédio dos autos em propriedade horizontal sem proceder à realização de obras, designadamente substituição das infraestruturas elétricas e canalizações?”
Resposta do perito:
Não é possível, a constituição do prédio em propriedade horizontal, sem a realização de obras nas infraestruturas elétricas e canalizações.
3. O Sr. Perito enumerou como “situações de inconformidades detectadas na data da perícia com o exigido para a constituição da propriedade horizontal”:
1. Receptáculos de correio
O prédio apresenta um espaço de comércio e duas habitações, existindo unicamente um recpetáculo de correio.
O exigido para a constituição em regime de propriedade horizontal
Teria de existir três receptáculos de correio e com dimensões regulamentares.
2. Contadores de luz e da água das habitações e comércio
Os contadores da luz e da água das habitações (1.º e 2.º piso) encontram-se localizados do seguinte modo: contador da luz no interior da habitação e contador da água no piso do rés-do-chão.
Os contadores da luz e da água do comércio encontram-se localizados no interior do comércio.
O exigido para a constituição em regime de propriedade horizontal
Os contadores de luz das habitações teriam de se encontrar juntamente com os da água num armário conjunto localizados num espaço comum (espaço de circulação comum) de acesso às habitações.
O exigido para a constituição em regime de propriedade horizontal
Os contadores de luz e da água do comércio teriam de se encontrar no exterior do mesmo localizados na fachada do prédio num armário conjunto.
3. Logradouro
A habitação do 1.º piso tem acesso ao logradouro através de umas escadas localizadas na fachada posterior do edifício, bem como o comércio localizado no rés-do-chão, através de uma porta na fachada posterior do edifício.
O exigido para a constituição em regime de propriedade horizontal
O acesso ao logradouro, teria de estar afeto unicamente ou à habitação ou ao
comércio.
4. Construção (anexo)
O fornecimento de luz ao anexo provem do contador das escada (acesso à habitação dos 1.º e 2.º pisos).
O exigido para a constituição em regime de propriedade horizontal
O fornecimento de luz ao anexo não pode estar afecto a um espaço comum (escada (acesso à habitação dos 1.º e 2.º pisos).
*
O ponto 1 foi considerado provado com base na certidão da Conservatória do Registo Predial, junta a fls. 4 v.º e ss., e os pontos 2 e 3 com base no relatório pericial, junto a fls. 66 e ss., que não foi objecto de reclamação.


3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
─ nulidade processual consistente na não apreciação do requerimento formulado pelos apelantes na contestação no sentido de ser notificada a Câmara Municipal ... para fazer uma vistoria /avaliação do prédio e atestar que o mesmo tem condições para ser submetido ao regime da propriedade horizontal;
─ nulidade da sentença nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC;
─ (in)divisibilidade do prédio.

Escreveu-se na sentença recorrida:
Os presentes autos de acção de divisão de coisa comum instaurados pela Santa Casa da Misericórdia ... contra AA e BB, destinam-se a pôr termo à indivisão do prédio urbano composto por casa de três andares, com dependência e quintal, sito na Avenida ..., ..., freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../Vila do Conde.
*
A Requerente defendia que o prédio em questão era indivisível, mas os requeridos vieram defender a divisibilidade do mesmo, pelo menos, em três fracções autónomas.
Foi determinada a realização de prova pericial, encontrando-se o relatório pericial junto a fls.66 e ss. dos autos, de onde resulta que o prédio em questão é indivisível.
E cumpre neste momento decidir a questão da divisibilidade, ou não, do imóvel supra identificado, ao abrigo do disposto no art. 926.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Do relatório pericial resulta que o prédio não pode ser dividido, nem pode ser constituída a propriedade horizontal, sem processo de licenciamento, e sem obras nas infraestruturas elétricas e canalizações (vide fls. 69).
Ora, acerca dos requisitos necessários para a divisão dos
...

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