Acórdão nº 924/20.9PBCSC.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-23

Ano2023
Número Acordão924/20.9PBCSC.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 924/20.9PBCSC, A, melhor identificado nos autos, foi julgado pela imputada prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos dos artigos 14.°, 26.°, 152.°, n.°s 1, alíneas b) e c), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal, e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 14.°, 26.°, 153.°, n.º 1 e 155.°, n.° 1, alínea c), também do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
« Em face do exposto:
1) Não condeno o arguido A na pena acessória de proibição de uso e porte de arma.
2) Condeno o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152°, n° 1, alíneas b) e c), e n° 2, alínea a), n° 4 a 5 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
3) Condeno o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arguidos 14°, 26°, 153°, n° 1 e 155°, n° 1, alíneas a) [com referência ao artigo 145°, n°s 1, alínea a) e 2] e b) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
4) Em cúmulo jurídico das penas referidas em 2) e 3), condeno o arguido A na pena única conjunta de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, que suspendo na execução por igual período, com regime de prova, subordinada ao cumprimento, entre outras, das seguintes regras de conduta:
i) Não contactar, por qualquer meio, com a vítima, nem se aproximar da sua residência e do local de trabalho, devendo os contactos relacionados com o filho de ambos (...) serem efectuados por terceira pessoa, já designada ou a designar pelo Tribunal de Família e Menores.
ii) Sujeitar-se a avaliação médica, frequentando consultas relacionadas com a adição de produtos estupefacientes e efectuar os tratamentos pertinentes.
5) Condeno o arguido A na pena acessória de proibição de contacto com a vítima B pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses, que deverá ser fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância (artigo 152°, n°s 4 e 5 do Código Penal), devendo os contactos relacionados com o filho ... ocorrer através de terceira pessoa, já designada ou a designar pelo Tribunal de Família e Menores.
6) Condeno o arguido A na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica (artigo 152°, n° 4 do Código Penal).
7) Condeno o arguido A a pagar à vítima B a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), nos termos do disposto no artigo 21.°, n.°2, da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro.
(…).»
3. O arguido interpôs recurso da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. Para além da errónea interpretação e aplicação da Lei e do Direito, o presente recurso tem também como fundamento o erro na aplicação da medida da pena, por parte do Tribunal recorrido.
2. Foi ainda admitida prova nula, e por isso proibida, nos termos do art.º 340.º, 126.º e 167.º, n.º 1, todos do C.P.P. e art.º 199.º do C.P., correspondentes à admissão de uma PEN contendo registos áudio constantes da contracapa dos autos.
3. Ora, salvo o devido respeito – que é muito – não se conforma o Arguido com a Douta Decisão do Tribunal a quo.
4. A prova da gravação áudio efectuada pela Ofendida não é admissível, uma vez que se trata de prova ilícita, proibida e nula.
5. O art.º 26.º, n.º 1 da CRP estabelece que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada.
6. Cai neste âmbito a gravação de conversa a viva-voz, no interior de viatura, estabelecida particularmente, entre duas pessoas.
7. Nos termos do n.º 8 do art.º 32º da CRP, é nula - logo ilícita e proibida - a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada.
8. Conforme o também estabelecido na CRP (v. art.º 18.º, n.º 1), tais preceitos são directamente aplicáveis (e exequíveis por si mesmos), e vinculam entidades públicas (a começar pelos tribunais) e privadas.
9. Por outro lado, o art.º 199.º do C.P. tipifica como crime a gravação, sem consentimento, de palavras proferidas, mesmo que dirigidas ao agente, ou a utilização ou permissão de utilização de gravações mesmo que licitamente produzidas, sendo igualmente proibido utilizar ou deixar utilizar as mesmas gravações.
10. Assim, trata-se no caso concreto de uma prova nula na sua obtenção e por isso inadmissível, a prova referente à PEN, na qual consta a gravação áudio apresentada pela Ofendida.
11. Em consequência, não sendo admissível a gravação áudio, não podem ser dados como provados os factos constantes dos artigos 13 a 19 da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
12. Condenou o Tribunal a quo o Arguido pela prática de um crime de ameaça, devido à expressão utilizada pelo Arguido dirigida ao seu filho menor.
13. No entanto, o mesmo depôs no sentido de confirmar havê-las proferido, mas no calor de uma discussão com a Ofendida, onde foram proferidas frases que serviram o mero propósito de magoar emocionalmente os envolvidos não tendo qualquer objetivo intencional que não o referido.
14. Tratou-se de uma discussão acalorada onde se referiram coisas sem sentido ou intenção, sendo notório que o Arguido nunca agrediu ou exerceu violência sobre o menor, que o Arguido tem carinho pelo seu filho e que ficou emocionalmente perturbado por não lhe ser permitido estar com ele.
15. A ameaça proferida não se revela apropriada a provocar aos seus recetores medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, como se percebe tomando em conta a postura da Ofendida, que ao invés de sair de casa, proceder a queixa-crime e contar aos pais, escolhe continuar a residir com o filho menor e com o Arguido.
16. Aliás, a Ofendida sentiu-se de tal forma ameaçada, pela integridade física do seu filho, e o menor sentiu-se de tal forma ameaçado com a frase proferida pelo progenitor, que no decorrer de toda a investigação não foi possível apurar da data em que a mesma ocorreu e o seu contexto.
17. Só tendo sido possível provar que tal facto tinha ocorrido, porque o Arguido e Recorrente, arrependido de havê-la proferido, a confessou à Mma. Juíza.
18. Uma a ameaça adequada é aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, como passível de provocar medo ou inquietação.
19. Pelo contrário, a simples utilização daquela expressão, de forma isolada, sem a utilização de nenhum objecto, e de acordo com o contexto descrito pelos assistentes, não é possível extrair a ilação de que o menor e a Ofendida, como qualquer homem médio colocado nas concretas circunstâncias em que ela se encontrava, levou naturalmente a sério o mal anunciado.
20. O facto de ambos os progenitores continuarem a residir, como se nada tivesse acontecido, é sinónimo de que a ameaça não foi, nem pela Ofendida, nem pelo menor, considerada idónea ou suficiente a provocar medo ou inquietação.
21. Nem nunca o Arguido a proferiu com a intenção de a concretizar.
22. Por não se encontrarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste crime, deverá o Arguido e Recorrente ser absolvido do crime de ameaça pelo qual foi condenado pelo Tribunal a quo.
23. Acresce que, o Tribunal entendeu por adequado, necessário e proporcional aplicar ao arguido uma pena única conjunta a 3 anos e 3 meses de prisão, atendendo em conjunto aos factos e à personalidade do agente e às demais circunstâncias elencadas na sentença.
24. O Tribunal suspendeu ainda a execução da pena de prisão, por considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
25. No entanto, não concorda o Recorrente com a aplicação da pena no caso concreto.
26. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art.º 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.
27. A favor do arguido é inegável o facto de não possuir registados quaisquer antecedentes criminais, nem pendência de qualquer outro processo judicial (a não ser a regulação das responsabilidades parentais).
28. Durante a pendência do presente processo, nunca o Arguido tentou contactar com a Ofendida, seus amigos ou familiares, excepto para agendamento das visitas do seu filho menor, contactos esses imprescindíveis.
29. As trocas de mensagens electrónicas, via e-mail, foram sempre sobre assuntos relacionados com o filho menor de ambos, nunca tendo o Arguido encetado qualquer contacto com a Ofendida.
30. A Ofendida encontra-se a residir com o seu pai e as visitas do menor, segundo o relatório social, no âmbito do ARRP ficaram estipuladas através da mediação do CAFAP.
31. O Arguido não é um delinquente, trabalha e provém ao respectivo sustento, não existindo qualquer reincidente na prática delituosa.
32. Apesar de se encontrar afastado da sua família, devido à negligência desta, o que originou que o arguido passasse a maior parte da sua vida institucionalizado, ainda assim, o Arguido consegue manter uma relação cordial com o progenitor, o qual reside no centro de acolhimento para sem abrigo na ....
33. A privação do contacto com o seu filho deixa o Arguido emocionalmente afectado, de acordo com o relatório social. Prova que o Arguido tem uma relação próxima com o seu filho e se preocupa com a proximidade da sua relação com este.
34. O Arguido possui o 9.º ano
...

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