Acórdão nº 9134/21.7T8LRS.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-14

Ano2023
Número Acordão9134/21.7T8LRS.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Sentença recorrida

1. Por sentença de 31.5.2023 (referência citius 156888922), cujo teor se dá aqui por reproduzido, o 1.º Juízo do Trabalho de Loures, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com base na declaração de insolvência da ré (recorrida).

Alegações da recorrente

2. Inconformado com a sentença mencionada no parágrafo anterior, o recorrente dela veio interpor o presente recurso de apelação (cf. referência citius 13925930 de 20.6.2023), formulando o seguinte pedido:

“Termos em que, pugna o Apelante pela anulação do despacho proferido em 31/05/2023 que decretou a extinção da instância, devendo ser notificado o Sr. Administrador da Insolvência da Ré [ser notificado] para os termos da ação laboral e pleno exercício do contraditório em cumprimento do disposto no artigo 3º do CPC, devendo constituir mandatário para os termos da presente demanda, a qual mantém utilidade e revogada a decisão que decidiu extingui-la, e, ainda, ser o mesmo expressamente notificado para, ao abrigo do disposto no artigo 85º do CIRE, se pronunciar sobre eventual apensação dos presentes autos aos de insolvência da Ré.”

3. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, o recorrente defende, em síntese:

- A ré, recorrida, foi declarada insolvente e, por isso, devia ter sido notificado o administrador de insolvência, para substituir a ré na presente acção, por força dos artigos 81.º n.º s 1 e 4 e 85.º n.º 4 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE);
- Apesar disso, o Tribunal a quo continuou a notificar a ré e seus mandatários;
- O Tribunal a quo apenas notificou a sentença recorrida ao administrador de insolvência o que não é suficiente para assegurar o contraditório previsto no artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC);
- A omissão e observância do contraditório constitui uma nulidade prevista nos artigos 195.º n.º 1, 197.º n.º 1 e 199.º n.º 1 do CPC, que acarreta a nulidade da decisão, nos termos do artigo 615.º n.º 1 do CPC;
- No processo de insolvência o recorrente reclamou o crédito laboral objecto dos presentes autos, o qual foi ali reconhecido pelo administrador de insolvência sob condição suspensiva da procedência da presente acção, nos termos do artigo 50.º do CIRE;
- Atendendo à condição suspensiva acima mencionada, que consta da lista a que alude o artigo 129.º do CIRE, mantém-se a utilidade da presente acção, na qual deve ser ordenada a notificação do administrador de insolvência para constituir mandatário e se pronunciar sobre a conveniência em apensar os presentes autos ao processo de insolvência, nos termos do artigo 85.º do CIRE;
- A solução adoptada pelo Tribunal recorrido conduz à denegação de justiça ao recorrente.

4. O recorrido não contra-alegou.

Parecer do Ministério Público

5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 20613511 de 24.10.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnando pela procedência do recurso com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:

- O recurso interposto merece provimento, devendo ser declarada a nulidade do todos os actos praticados após a omissão da notificação do administrador de insolvência para se pronunciar sobre o teor da sentença que decretou a insolvência, anulando-se em consequência, a sentença objecto de recurso;
- A declaração de insolvência não determina, por si, a apensação ou extinção automática das acções declarativas a correr contra o insolvente;
- Na pendência da presente acção declarativa, os créditos laborais devem figurar no relatório apresentado pelo administrador de insolvência como créditos sob condição suspensiva, participar nos rateios e serem atendidos no rateio final, em função da probabilidade da sua verificação.

6. Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT e as partes nada disseram.

Resumo do litígio na primeira instância

7. O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo o pagamento de créditos laborais que, no momento em que foi proposta a acção, liquidou em 37 913,37 euros (cf. petição inicial de 19.10.2021/referência citius 11486299, cujo teor se dá por reproduzido).

8. A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção (cf. contestação de 28.2.2022/referência citius 12022648, cujo teor se dá por reproduzido).

9. Realizou-se audiência prévia na qual a ré informou a pendencia de Processo Especial de Revitalização (PER), tendo o Tribunal a quo proferido despacho a suspender a instância com base no disposto no artigo 17.º E n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) (cf. acta de audiência prévia de 22.6.2022/referência citius 153239763, cujo teor de dá por reproduzido).

10. O autor recorreu do despacho de suspensão da instância mencionado no parágrafo anterior (cf. peça processual de 9.7.2022/referência citius 12561542, cujo teor se dá por reproduzido).

11. Em 16.12.2022 foi junto aos autos anúncio da declaração de insolvência da ré, datado de 12.12.2022, dando publicidade à sentença que declarou a insolvência da ré, ordenou a citação dos credores e nomeou administrador de insolvência o senhor Dr. CC (cf. referência citius 13150917 cujo teor se dá por reproduzido).

12. Em 20.12.2022 o anúncio mencionado no parágrafo anterior foi notificado aos Exmos. mandatários do autor e da ré (cf. referencia citius 155133507 e 155133508).

13. Em 19.1.2023 o Tribunal a quo proferiu despacho a requisitar a junção da sentença que declarou a insolvência da ré e ordenou que, uma vez junta a mesma, fossem notificadas as partes para se pronunciarem em 10 dias (cf. referência citius 155311456, cujo teor se dá por reproduzido).

14. O despacho mencionado no parágrafo anterior foi notificado aos Exmos. mandatários do autor e da ré em 20.1.2023 (cf. referências citius 155474257, 155474262, 155474263, 155474264).

15. Em 13.3.2023 foi junta aos autos a sentença que declarou a insolvência da ré, proferida em 7.12.2022 às 14:43, no processo 3395/22.1T8VFX, pelo Juízo do Comércio de Vila Franca de Xira, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (cf. referência citius 13511866 junta aos presentes autos em 13.3.2023, cujo teor se dá por reproduzido).

16. A certidão da sentença mencionada no parágrafo anterior foi notificada aos Exmos. Mandatários do autor e da ré em 14.3.2023 (cf. referências citius 156165975, 156165978 e 156165979).

17. Por requerimento junto aos autos em 27.3.2023, o autor veio dizer que reclamou no processo de insolvência 3395/22.1T8VFX o crédito laboral objecto dos presentes autos, que foi reconhecido no processo de insolvência como “Crédito sob condição suspensiva, cuja constituição está sujeita à verificação de um evento, nomeadamente, a pendência da ação declarativa, Processo nº 9134/21.7T8LRS, que corre termos no Juízo de Trabalho de Loures ….”, tendo junto a esse requerimento, como “Outro [Doc.1]” a relação de créditos reconhecidos pelo Administrador de insolvência, prevista no artigo 129.º n.º 2 do CIRE, cujo teor se dá por reproduzido (cf. referência citius 13582963 de 27.3.2023).

18. Na relação de créditos junta ao processo de insolvência da ré, referida no parágrafo anterior, com o número 266, está relacionado o crédito do autor, objecto da presente acção, qualificado da seguinte forma:
- [Total:] “37.913,37”
- [Garantias e Privilégios:] “Os créditos do trabalhador gozam de privilégio creditório mobiliário geral sobre a generalidade dos bens móveis da empregadora – ora insolvente”;
- Condições suspensivas ou resolutivas: “Crédito sob a condição suspensiva, cuja constituição está sujeita à verificação de um evento, nomeadamente, a pendência da acção declarativa, Processo n.º 9134/21.7T8LRS, que corre termos no juízo de Trabalho de Loures – juiz 1”;
- Fundamento: “Créditos Laborais”.

19. A sentença recorrida mencionada no parágrafo 1 foi notificada aos Exmos. mandatários do autor e da ré e ao administrador de insolvência (cf. referências citius 157106001 a 157106006 de 1.6.2023).

20. As alegações de recurso mencionadas no parágrafo 2 foram notificadas aos Exmos. mandatários da ré.

21. O despacho que admitiu o presente recurso, de 19.9.2023 com a referência citius 158074531 foi notificado ao administrador de insolvência (cf. referência citius 158128992 de 20.9.2023).

Delimitação do âmbito do recurso

22. Tem relevância para a decisão do recurso a seguinte questão, suscitada nas conclusões:

A. Efeitos da declaração de insolvência da ré sobre presente acção

Factos que o Tribunal leva em conta para fundamentar o presente acórdão

23. Os factos processuais constantes dos parágrafos 1 a 21, que têm por base os autos, termos e peças processuais com as referências citius acima indicadas.

Quadro legal relevante

24. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:


Constituição da República Portuguesa ou CRP
Artigo 2.º
(Estado de direito democrático)
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa

Código da insolvência e da Recuperação de Empresas ou CIRE
Artigo 47.º
Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência
1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza
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