Acórdão nº 913/11.4PBEVR.E3 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-18

Ano2023
Número Acordão913/11.4PBEVR.E3
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Cível e Criminal de … – J… do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o nº 913/11.4PBEVR, foi o arguido AA, identificado nos autos, condenado pela prática, em concurso efetivo e em coautoria material, de:

- Um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 3 do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.

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Por decisão proferida em 20.06.2023 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido havia sido condenado e determinado o seu cumprimento.

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Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“I. O arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado em uma pena de 3 anos e 6 meses e um crime de falsificação de documento 3 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena de única 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, sujeito à condição de pagar aos lesados a indemnização fixada e a regime de prova.

II. Ora, o douto Acórdão transitou em julgado em 21.05.2014.

III. Preceitua o artigo 122º, nº2 do CP que o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a tiver aplicado, no presente caso em 21.05.2014, estando sujeito às causas de suspensão e interrupção previstas nos artigos 125º e 126º do CP, data em que se interrompeu o prazo prescricional.

IV. Tendo em conta o artigo 126º, nº3 do CP, a execução da pena prescreveu em 21.05.2020.

V. O arguido, nesse período, cumpriu os deveres que lhe foram impostos bem como foi sujeito ao regime de prova.

VI. Atento o disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do CP, o prazo de prescrição da pena aplicada ao Arguido é de 4 anos, iniciando-se a contagem de tal prazo a partir do termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, a partir de 21.05.2019.

VII. Não ocorreu qualquer causa de suspensão da prescrição, nos termos do art.º 125.º, do CP, nem ocorreu qualquer causa de interrupção da prescrição, nos termos do art.º 126.º, do CP.

VIII. Assim e atento o exposto, forçoso é concluir que a pena em que o Arguido foi condenado prescreveu em 21.05.2023.

IX. Ora salvo o devido respeito, por superior e melhor opinião, com a execução da pena suspensa, interrompe-se o prazo da prescrição dessa pena autónoma (126º nº 1 al. a do CP), que volta a correr após o seu término, aplicando-se, neste caso o disposto no artigo 122º nº 2 do CP (4 anos) e não a al. c) do nº 1 do artigo 122º do CP.

X. Logo se findo o período da suspensão da execução da pena (decorrerem mais de 4 anos sem que haja lugar à revogação da mesma não se inicia novo período de suspensão da prescrição dessa pena, mas tão só da «nova» pena, a principal, se entretanto, durante esse período de 4 anos a ela houver lugar.

XI. E isto porque só com essa «nova pena» a prescrição volta e pode começar a correr até à sua execução (125º nº 1 al. a) a contrario e 126º nº 1 al. a) do CP.

XII. Dessa autonomia decorre, pois, a sua necessária sujeição a prazo prescricional próprio, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 26.10.2010, da Relação do Porto, de 12.11.2014 e da Relação de Évora de 25.09.2012), no caso de 4 anos.

XIII. Assim, o prazo prescricional iniciou-se em 21.05.2014, data em que transitou em julgado a decisão condenatória respectiva, nos termos do artº 122º, nº 2 do Cod. Penal, interrompeu-se com a sua execução – artº 126º, nº 1, al. a) do Cod. Penal, e, portanto, decorrido o período da suspensão, isto é, em 21.05.2019, reiniciou-se novo prazo prescricional de 4 anos que terminou em 21.05.2023.

XIV. Uma tal insegurança e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível decurso do tempo, aliadas à objectiva diminuição de garantias de defesa dos arguidos, mostram-se incompatíveis com os princípios constitucionalmente acolhidos nos artigos 2º, 18º, nº 2, 29º e 32º, nº 2, da Constituição, e o conjunto normativo resultante das normas constantes dos arts. 57º e 125º nº 1 al. c) do CP se forem interpretados normativamente, no sentido de «Tendo em conta a pena de prisão em concreto aplicada ao arguido, o prazo da prescrição da mesma é de 10 anos – cfr. artigo 122º, n.º1, alínea c), do Código Penal.

XV. Concluindo, no caso presente, reiniciado o prazo prescricional da pena de substituição e não tendo ocorrido qualquer factualidade das que a lei integra como causa interruptiva ou suspensiva da mesma, nos termos dos art.ºs 125º e 126º do CP, o prazo de prescrição desta pena completou-se em 21.05.2023.

XVI. Assim, do exposto, e porque inexistem dúvidas quanto à aplicação do aludido prazo de prescrição de 4 (quatro) anos e quanto ao momento de início de contagem daquele, e porque não verificadas quaisquer causas de suspensão e/ou interrupção da prescrição, claro se torna para nós que já foi atingido o prazo de prescrição da pena aplicada.

XVII. O douto despacho recorrido está ferido de nulidade insanável conforme jurisprudência acima citada.

XVIII. Conforme se motivou e para aí integralmente se remete, os crimes que implicam a revogação já distam mais de 7 anos desde prática dos mesmos, ou seja: mais que o prazo de suspensão da presente pena!... e mais de 12 anos sobre a prática dos factos do presente processo, com ressarcimento total e voluntário às vítimas dos presentes autos, sendo a última condenação em pena suspensa.

XIX. O despacho recorrido por erro e errada interpretação da lei, violou as normas acima indicadas.”

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a declaração de extinção da pena cuja suspensão a decisão recorrida revogou.

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O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1. Afigura-se ao Ministério Público que o prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido AA nos presentes autos – cinco (5) anos de prisão, suspensa na sua execução por cinco (5) anos- é de quinze (15) anos, conforme julgado no despacho que admitiu o recurso, de harmonia com o disposto no artº 122º, nº 1, al. b), do Cód. Penal.

2. Nesse sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.02.2018, proferido no Proc. nº 125/97.8IDSTB-A.S1., em que se decidiu relativamente a esta questão:

«II - Não é defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na la. d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na al. d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas als. anteriores.»

3. Na alínea d), do nº 1, do artº 122º, do Cód. Penal cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.»

4. Seguindo esse entendimento haverá de concluir-se como no despacho que admitiu o recurso, no sentido de que a pena aplicada ao recorrente nos presentes autos não se encontra prescrita.

5. Tanto mais que durante os cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado do Acórdão que a aplicou o prazo de prescrição esteve suspenso na sua execução, de harmonia com o disposto no artº 125º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.

6. E desde 18.08.2021 o arguido encontra-se preso à ordem do Proc. nº 23/20.3…, em cumprimento da pena que lhe foi aplicada nesses autos, pelo que, desde então, verifica-se, também a suspensão do prazo de prescrição da pena, ao abrigo do disposto na al. c), do nº 1, do artº, 125º, do Cód. Penal.

7. Tendo o arguido AA sido condenado no presente processo pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1 e 204.º, n.º1, alínea b), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas b) e e), e n.º 3, do Código Penal, por subtrair a quantia de cerca de €5.020,00, com utilização de um veículo automóvel com a matrícula falsificada -cfr. matéria de facto provada no Ac. de fls. 269 e segs., e

8. Cerca de um ano após o trânsito em julgado dessa sua condenação, praticou um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. b), e) e f), ambos do Cód. Penal, pelos quais foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão – apropriou-se, por esticão de diversos bens de terceiros, de valor superior a €1.800,00, com utilização de um veículo automóvel, com a matrícula falsificada (Proc. nº 11/15.1…), e

9. Em Dezembro de 2016, voltou a utilizar um veículo automóvel com a matrícula falsificada, factos que determinaram a sua condenação no Proc. nº 386/16.5…, na pena de um ano e três meses de prisão efectiva.

10. Todos esses factos foram cometidos no decurso da suspensão da...

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