Acórdão nº 9103/17.1T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão9103/17.1T8STB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

(…), (...), (…), (…), (…), intentaram a presente acção declarativa de processo comum contra Companhia de Seguros (…), S.A, peticionando a condenação da R. no pagamento aos AA. na qualidade de herdeiros de (…) da quantia de € 426.056,20, sendo € 415.000,00 a título de danos morais, € 7.000,00 respeitantes a danos patrimoniais, € 4.056,20 decorrentes de despesas de funeral, acrescida de juros vincendos calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento; bem como em eventuais danos futuros materiais ou morais nos quais os AA venham a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos nomeadamente, condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo, com actualização à taxa da subida de custo de vida e da expectativa de maior ganho do A. a saber a prestação mensal (12 meses ao ano) de € 100,00 aos pais e de € 150,00 à viúva .
Para tanto alegaram, em suma, que (…) foi vítima de atropelamento por veículo conduzido por (…), tendo, a responsabilidade civil emergente da circulação de veiculo sido transferida, através de contrato de seguro, para a R. (…), Companhia de Seguros, SA.
A Ré devidamente citada, contestou, alegando que não pode ser imputado ao seu segurado qualquer responsabilidade na produção do acidente, que se deve totalmente ao comportamento do sinistrado.
Foi citado o Instituto de Segurança Social, IP, nada tendo sido peticionado.
Em sede de audiência de discussão e julgamento foi pelos AA. reduzido o pedido de € 4.056,20, referente às despesas com o funeral em € 3.689,00, correspondente ao montante recebido pela A. (…) a título de despesas de funeral, mantendo o restante pedido.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformados com a sentença, vieram os AA. interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
1. Entendeu o Tribunal que os seguintes factos não estão provados:
“O condutor (…) ia desatento e não viu o triângulo”.
“O condutor do veículo circulava desatento e não conseguiu parar a sua viatura, indo embater no peão”.
2. Os factos supra mencionados decompõe-se em vários elementos, um primeiro elemento referente ao condutor e um segundo elemento referente é um embate no peão.
3. Segundo o Tribunal recorrido o condutor nada poderia fazer.
4. Discordamos em absoluto com esta tese por várias razões:
5. Uma primeira razão decorre do senso comum e da constatação que a circulação de um peão na via pública não causa um acidente.
6. Indicamos como prova a gravação de (…) – Cabo GNR – Destacamento de Trânsito de Setúbal de minutos 6.20 a 13.20, que anexamos.
7. Indicamos a declaração do condutor a minutos 8.46 a 9.20 onde diz em resposta ao mandatário dos AA: ”O senhor chegou a ver o triângulo?”: “Não, eu na altura não cheguei a ver o triângulo, vi logo o camião”.
8. Por outro lado, sempre haveria velocidade excessiva, ou seja o condutor que não consegue parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente ainda que, note-se, não tenha excedido a velocidade permitida para a via onde circula.
9. A forma como ocorreu o acidente é evidente a velocidade excessiva por parte do condutor do veículo segurado na Recorrida, independentemente da velocidade a que circulava, contribuindo para o malogrado e infeliz acidente.
Da especial obrigação de indemnizar os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas
10. Em virtude da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho o seguro automóvel passou a o cobrir os danos dos peões com base na responsabilidade objectiva.
11. Como em muitas matérias referentes ao seguro automóvel a redacção da lei é complexa. É curioso como o legislador usa frequentemente formulações complicadas para dizer aquilo que é simples.
12. O n.º 2 artigo 11.º da DL 291/2007 é um desses casos. Citamos: Artigo 11.º
Âmbito material
1 - O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange:
a) Relativamente aos acidentes ocorridos no território de Portugal a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil;
b) Relativamente aos acidentes ocorridos nos demais territórios dos países cujos serviços nacionais de seguros tenham aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros, a obrigação de indemnizar estabelecida na lei aplicável ao acidente, a qual, nos acidentes ocorridos nos territórios onde seja aplicado o Acordo do Espaço Económico Europeu, é substituída pela lei portuguesa sempre que esta estabeleça uma cobertura superior;
c) Relativamente aos acidentes ocorridos no trajecto previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, apenas os danos de residentes em Estados membros e países cujos serviços nacionais de seguros tenham aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros e nos termos da lei portuguesa.
2 - O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas quando e na medida em que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine o ressarcimento desses danos.
13. No n.º 2, a lei não se limita a remeter para a lei aplicável à responsabilidade civil, a indemnização devida a esta especial categoria de vítimas. Por que razão deveria fazê-lo apenas para estas vítimas? As outras vítimas terão um regime diferente?
14. Interpretar o artigo desta forma, seria retirar qualquer sentido útil ao preceito pois, tal como qualquer outro lesado, os peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas estão abrangidos pelo seguro, que indemniza nos termos gerais da responsabilidade civil.
15. De facto, o legislador, no n.º 2 do artigo 11.º quis e veio dizer algo de novo que, na nossa opinião, consiste em duas regras:
1 - O princípio geral de que o seguro automóvel abrange os danos sofridos por peões, tal como acontece com os passageiros.
2- Os danos cobertos são aqueles que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine deverem ser ressarcíveis.
16. Ou seja, todos danos dos peões, que a lei determina serem ressarcíveis, estão cobertos e abrangidos pelo seguro automóvel.
17. Um exemplo prático de danos não ressarcíveis, seria o caso de um peão apanhar um susto por um condutor ter buzinado, e ter um eventual dano. Ora, este dano não será digno de ser ressarcível e por isso não está abrangido. Será um mero incómodo, eventualmente.
18. Dito de outra maneira, os danos dos peões encontram-se sempre cobertos e abrangidos pelo seguro, desde que tais danos mereçam a tutela do direito.
19. Reconhecemos que a formulação da lei não é a mais clara, mas parece-nos a interpretação possível e mais conforme à Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio.
Da responsabilidade da Ré
20. Por outras palavras, se a presença da vítima na via pode ser imputável a culpa desta, o embate do veículo seguro na R. com a vítima é imputável também a culpa, ainda que mais reduzida, do respectivo condutor.
21. Deste modo, conclui-se pela existência de concorrência de culpas entre o referido condutor e a vítima em proporção a determinar de x para o condutor e de y para a vítima.
22. Por outro lado, sempre será de aplicar a responsabilidade pelo risco, prevista no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil com uma interpretação actualizada, no sentido de – de acordo com a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça – se admitir a concorrência entre a responsabilidade objectiva e a culpa do lesado;
23. Na nossa opinião a condução do veículo seguro na Ré era uma circulação em velocidade excessiva.
24. Muito modestamente não podemos aceitar a conclusão de que o veículo seguro na R. não contribuiu “com risco relevante para o acidente” e para a morte da vítima.
Os AA. impugnam a decisão recorrida com 3 fundamentos distintos, a saber: (i) erro na matéria de facto, devendo ser dado como provado que o condutor não viu o triângulo; (ii) de acordo com uma interpretação actualista do regime do artigo 505.º do CC, imposta pela exigência de uma interpretação conforme ao direito da União Europeia em matéria de seguro automóvel, é de admitir o concurso entre a responsabilidade pelo risco e a culpa do lesado, tese que, devidamente aplicada ao caso sub judice, levará a concluir que os riscos próprios do veículo seguro na R. contribuíram para a ocorrência do sinistro; (iii) além disso, não foi devidamente apreciada a questão da velocidade do veículo seguro na R. que, em função do regime do artigo 24.º do Código da Estrada, deve ser tida como excessiva, bem como o facto de este não ter visto o triângulo por ir desatento, implicando assim que se reconheça a negligência do respectivo condutor.
Temos nos quais deve ser revogada a presente decisão.»
Nas contra-alegações, a (…) concluiu nos seguintes termos (transcrição):
«Do recurso sobre a matéria de facto
Pretende o recuso que a sentença recorrida deu como não provados os seguintes factos:
- O condutor (…) ia desatento e não viu o triângulo.
- O condutor do veículo circulava desatento e não conseguiu parar a sua viatura, indo embater no peão.
Não é verdade.
A sentença recorrida deu como não provado, com alguma conexão com o invocado, apenas o seguinte:
- o condutor do veículo com matrícula (…) circulava desatento, não tendo visto o peão.
De resto, não foi alegado que o condutor não tivesse visto o triângulo, pelo que tal nem sequer poderia ser dado com provado.
Como também não foi alegado que o condutor circulasse desatento e por isso não tivesse conseguido parar a sua viatura. Com o que tal não poderia também ser dado como provado.
De qualquer modo, resulta manifesto do depoimento da testemunha (…), mesmo na parte para que se remete na apelação, que o mesmo
...

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