Acórdão nº 8997/18.8T9LSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-02-2022

Data de Julgamento09 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão8997/18.8T9LSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

*

I–RELATÓRIO


1.–Foi proferida sentença, julgando a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido JASR____, improcedente, por não provada, e consequentemente, foi o mesmo absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos art.s 291º, n.º 1, al. b), e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Penal pelo qual se encontrava acusado.

2.–Inconformado, veio o Mº Pº interpor recurso, pedindo a alteração da matéria de facto e a condenação do arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 (nove) meses.

3.–O recurso foi admitido.

4.–O arguido não apresentou resposta.

5.–Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II–QUESTÕES A DECIDIR.

Erro de julgamento e erro no enquadramento jurídico

III–FUNDAMENTAÇÃO.

Erro de julgamento e erro no enquadramento jurídico

1.–A decisão proferida pelo tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
1.-No dia 19 de Setembro de 2018, pelas 9h20, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, na Praça de ....., em L_____, na faixa central, na via da esquerda.
2.-Nas mesmas circunstâncias de tempo, AM PC______ conduzia o ciclomotor de matrícula YY-YY-YY, no sentido oposto, na Avª. ..... ....., em L_____, na via de trânsito da direita.
3.-À aproximação do cruzamento com a Avª. ..... ....., apesar da sinalização luminosa, vertical e no pavimento obrigarem a seguir em frente, o arguido mudou de direcção à esquerda.
4.-Consequentemente o arguido ficou com o veículo por si conduzido atravessado na frente do ciclomotor conduzido por AM PC______.
5.-Face ao que não foi possível a AM PC_____ deixar de embater com a frente do ciclomotor por si conduzido na lateral direita do veículo conduzido pelo arguido.
6.-Em consequência do embate, JG_____ foi projectado ao chão, onde ficou prostrado.
7.-O local situa-se dentro da localidade, configura um cruzamento, com dois sentidos de trânsito, separados por separador central, comportando cada um dos sentidos três vias de trânsito.
8.-O local apresenta uma visibilidade em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros.
9.-O pavimento, em aglomerado asfáltico, encontrava-se em bom estado de conservação e manutenção, sem anomalias identificadas.
10.-No sentido em que o arguido circulava o semáforo tem uma seta luminosa com indicação de sentido em frente, sobre um fundo circular preto; existe também um Sinal de Obrigação D1c (seguirem frente); e no pavimento marcas orientativas de sentido de trânsito: seta de selecção M15 (seguirem frente).
11.-A sinalização semafórica emitia, no momento, luz verde no sentido do arguido e do Assistente.
12.-Como consequência directa a necessária do embate AM PC____ sofreu fractura do escafóide esquerdo.
13.-E, tais lesões determinaram para AM PC____ : “342 dias para a consolidação médico-legal: sem afectação da capacidade de trabalho geral e com 42 dias de afectação da capacidade de trabalho profissional (período de imobilização gessada)”.
14.-O arguido bem sabia que era obrigado a seguir em frente, pelo que efectuar a mudança de direcção à esquerda descrita, não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz de adoptar e que devia ter adoptado para impedir a verificação de um resultado que, de igual forma, podia e devia prever, mas que não previu, causando as lesões e as consequências permanentes supra descritas em AM PC_____.
15.-O arguido agiu, livre e conscientemente.

Mais se provou que:
17.-O arguido não tem antecedentes criminais registados.
18.-Vive com a mulher e um sobrinho menor de 7 anos cuja guarda lhe foi atribuída judicialmente; recebe reforma de € 485,00 e a mulher de € 420,00:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da presente causa.

Considerou não provados os seguintes factos:
a)-O arguido agiu deliberadamente.
b)-Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

2.–E fundamentou tal decisão fáctica nos seguintes termos:
A convicção do tribunal baseou-se na ponderação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum, sendo que o arguido prestou declarações e no essencial conformou a dinâmica do embate ocorrido e descrito nos factos provados.
Atendeu o tribunal às suas declarações quanto às condições pessoais.
A testemunha depôs de forma sincera, objectiva e coerente, tendo o seu depoimento merecido a credibilidade do tribunal.
O Assistente AM PC____descreveu de forma objectiva e coerente a forma como estava a circular e foi embatido pelo veículo conduzido pelo arguido o que coincide com a dinâmica descrita nos factos provados. Disse que não estava muito tráfego a circular na hora em que o embate ocorreu nem se apercebeu de qualquer manobra de evasão feita por qualquer outro veículo que tivesse sido causada pela manobra de mudança de direcção realizada pelo arguido.
A testemunha HE_____, Agente da PSP referiu que se deslocou ao local após o embate e elaborou a participação de acidente que consta dos autos de fls. 30-32 cujo teor confirmou e bem assim a assinatura. Foi confrontado com o teor da reportagem fotográfica de de fls. 124-127 cujo teor confirmou.
Quanto à prova documental, o Tribunal formou a convicção com base em: Participação de acidente, fls. 30 a 32; RIC, fls. 40; Comunicação de responsabilidade das Seguradoras, fls. 42 e 43; Documentação clínica, fls. 71 a 76, 78 a 83, 171 a 176, e 232 a 237; e Relatório Técnico de Acidente de Viação, fls.95 a 128; CRC de fls. 337.
Quanto à prova pericial o tribunal atendeu ao Relatório médico-legal, fls. 64 a 68, 156 a 158, e 179 a 182.
A análise dos depoimentos das testemunhas conjugados a prova documental, permitem concluir que o embate ocorreu como consta dos factos provados.
No que toca aos factos não provados, os mesmos assim resultam pelos motivos que constam da fundamentação jurídica.

3.–Por seu turno, em sede de apreciação jurídica, o tribunal “a quo” pronunciou-se nos seguintes termos:
Atentos os factos provados, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
De realçar que os factos submetidos a julgamento tinham por base uma imputação do crime que infra se aprecia, sendo certo que o Assistente desistiu da queixa no que respeita ao crime de ofensa à integridade física por negligência pelo que nessa parte o Tribunal já não tomará posição. Cabe apenas ao tribunal dilucidar se os factos provados integram ou não a prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Do crime de condução perigosa de veículo rodoviário Dispõe o art.º 291º do Código Penal que:
Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: (…)
b)-Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em autoestradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
3-Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
4-Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a segurança da circulação rodoviária e o risco para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado, em termos gerais. Trata-se de um crime de perigo na medida em que a sua consumação não requer a efectiva lesão do bem jurídico, bastando-se com a possibilidade ou probabilidade de dano. Por outro lado, é um crime de perigo concreto, no sentido em que implica que se verifique na situação concreta o perigo para o bem jurídico protegido. Tem que se produzir um perigo real para o objecto protegido pelo correspondente tipo. O perigo constitui elemento do tipo, pelo que deve verificar-se um nexo de causalidade entre a actuação do agente o correspondente resultado de perigo.
Os crimes de perigo contrapõem-se aos crimes de dano, já que nestes se requer a efectiva lesão do bem jurídico protegido. - Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 292
O sujeito activo do tipo legal previsto no art.º 291º é o condutor do veículo.
No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito do nº 1 do art.º 291º, é necessário o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo a criação de perigo para os bens jurídicos enumerados (designadamente a vida e a integridade física). É suficiente o dolo eventual, bastando que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou bens alheios de valor elevado, tendo-se conformado com tal situação. Mas não basta que ele represente que é fonte de um possível perigo (abstractamente entendido); terá que conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que aceitar os seus contornos concretos.Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, dirigido por
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