Acórdão nº 89/21.9YUSTR.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-24

Ano2022
Número Acordão89/21.9YUSTR.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A arguida veio interpor o presente recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que condenou aquela nos termos seguintes:
§ Pela prática, na forma negligente, de uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 76.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, por violação do disposto no artigo 41.º-A, n.º 5 e 7, ambos da Lei da Televisão, na coima de 15.000,00€;
§ Pela prática, na forma negligente, de uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 76.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, por violação do disposto no artigo 41.º-A, n.º 6 e 7, ambos da Lei da Televisão, na coima de 15.000,00€.
§ Em cúmulo, na coima única de 22.000,00€.
2. A título liminar, importa referir que a arguida foi condenada por decisão administrativa, da ERC, de 9.2.2021 (Deliberação ERC/2021[PUB-TV-PC], junta aos autos), pela prática em concurso efectivo, na forma negligente, das duas contraordenações acima mencionadas, respectivamente na coima de 15.000, 00 € cada uma e, em cúmulo jurídico, na coima única de 30.000,00€, decisão esta que a arguida impugnou junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que proferiu a sentença ora recorrida, mantendo a condenação mas diminuindo o valor da coima única.
3. No presente recurso, a arguida pede a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que a absolva das contraordenações em que foi condenada, invocando argumentos vertidos nas conclusões, a seguir sintetizadas: (i) a comunicação comercial audiovisual identificada não foi umaajudaà produção, masuma colocaçãodeproduto, jáque amenção à Cetelem foi feita no programa ”Querido Mudei a Casa”, transmitido pela TVI, mediante retribuição especifica à produtora do programa, a empresa Briskman, como resulta da prova testemunhal; (ii) A Cetelem dedica-se à concessão de crédito pessoal e não forneceu qualquer bem ou serviço ao programa; (iii) a TVI não tinha de identificar no inicio e nas interrupções do referido programa a existência de uma ajuda à produção que não existiu, bastando a menção efetuada no final do programa, no genérico, como sucedeu; (iv) não é o facto de a produtora erradamente ter qualificado essa colocação de produto como ajuda à produção que altera a qualificação legal; (v) o artigo 41.º A, n.º 9 da Lei da Televisão e Serviços Audiovisuais, só prevê a punição como contraordenação da violação das regras impostas para identificação da ajuda à produção, de forma equivalente à colocação de produto, se os bens ou serviços tiverem valor comercial significativo, não tendo esse valor sido apurado; (vi) a decisão recorrida viola o artigo 2.º,n.º 1 – c) e e), o artigo 41.º A n.ºs 3, 5, 7 e 9 da Lei da Televisão e Serviços Audiovisuais, o artigo 1.º, n.º 2 – c), h), i) e j) da Diretiva n.º 2007/65/CE (Diretiva dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual), os artigos 3.º-E e 3.º-G, da Diretiva 89/552/CE.
4. A ERC respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo e pela manutenção da sentença recorrida, concluindo, em síntese: (i) a Cetelem contribuiu com cerca de 2 000,00 euros para os materiais usados na remodelação, como se provou (ponto I da sentença); (ii) ainda que se tratasse de colocação de produto, tal teria de ser mencionado no fim e após as interrupções do programa, nos termos do artigo 41-A n.º 6 da lei da Televisão e Serviços Audiovisuais; (iii) a recorrente incorre em erro de interpretação do artigo 41.º A aqui mencionado, pois este permite a concessão de ajudas à produção a qualquer programa quando os bens ou valores não tenham valor comercial significativo, como foi o caso, desde que sejam observadas as regras previstas nos n.ºs 5 e 6 desse preceito, a saber: não ser concedido relevo indevido aos produtos, serviços ou marcas comerciais e ser tal actividade publicitaria identificada no início, no fim e no recomeço do programa após interrupções publicitárias; (iv) estes dois deveres foram violados pela arguida de forma negligente.
5. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e concluindo, em síntese, que: (i) a pretexto de invocar erro de direito, de interpretação e de julgamento, a recorrente impugna a matéria de facto; (ii) tais argumentos não têm suporte na sentença, que não incorreu em qualquer vício ou nulidade.
6. Admitido o recurso, os autos foram remetidos a este Tribunal onde foi cumprido o disposto nos artigos 416.º e 417.º do Código de Processo Penal (CPP).
7. Mantido o efeito do recurso e corridos os vistos, nada obsta ao conhecimento do mérito.
Delimitação do âmbito do recurso
8. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, suscitadas pela motivação das partes vertida nas conclusões:
A- Insuficiência da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova: valor comercial não significativo e comunicação comercial audiovisual mediante retribuição
B- Equiparação da ajuda à produção à colocação de produto: interpretação conforme à Directiva 2010/13/UE
Factos provados constantes da decisão recorrida
9. A. TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, SA, inscrito no Livro de registos dos operadores de televisão e respetivos serviços de programas sob o n.º 523384, é titular da licença para o exercício da atividade de televisão, atribuída pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/92, de 22 de fevereiro, para o serviço de programas TVI, generalista, de âmbito nacional, de acesso não condicionado livre, tendo a licença sido renovada pela Deliberação 1-L/2006, de 20 de junho de 2006, reiterada pela deliberação 2/LIC-TV/2007, de 20 de dezembro de 2007.
10. B. No serviço de programas TVI foi emitido, no dia 20 de novembro de 2016, às 24:13:48, o programa “Querido Mudei a Casa”, com a duração aproximada de 01:01:09, de entretenimento ligeiro, relativo à decoração de interiores e obras, essencialmente em casas de habitação, com participação das pessoas que aí residem, incidindo sobre a apresentação de espaços antes, durante e após as transformações, realizadas por uma equipa multidisciplinar de técnicos, incluindo um designer.
11. C. (…) o programa “Querido Mudei a Casa”, emitido no dia 20 de novembro de 2016, teve dois recomeços: às 24:36:38 e às 24:56:21.
12. D. (…) sendo inseridas diversas formas de comunicação comercial: colocação de produto, apoio à produção e patrocínio.
13. E. (…) e no início do programa “Querido Mudei a Casa” emitido, no dia 20 de novembro de 2016, e nos seus recomeços não foi sobreposta à imagem do programa o símbolo para a ajuda à produção (...) nem qualquer outra identificação que indicasse que o programa tinha ajudas à produção.
14. F. Durante o referido programa, foi difundido o serviço CETELEM, através de um diálogo entre o apresentador (Gustavo Santos) e o designer (Paulo Piteira) da seguinte forma e com a duração aproximada de 00:00:48: Apresentador: «um jogo maravilhoso de eletrodomésticos, imagina que as pessoas lá em casa gostavam de ter um joguinho destes, em quanto isto podia ficar?»; Designer: «(...) para aí uns 2000 euros»; Apresentador: «2000 euros?»; Designer: «Assim de cabeça para aí uns 2000 euros»; Apresentador: «Ok, mas, ó Paulo, seguramente há pessoas que não têm 2000 euros de uma só vez»; Designer: «Então vou deixar uma dica para quem não tem essa disponibilidade: podem consultar o site do “Cetelem” e ficar a conhecer as situações de financiamento existentes»; Apresentador: «Mas isso, Paulo, isso é uma grande dica. Mas aqui outra questão: eu posso pagar em várias vezes?»; Designer: «Claro que podemos. Acedendo a cetelem.pt podemos fazer todas as simulações que quisermos. Começamos por escolher o valor que precisamos, depois o quanto tempo pretendemos para pagar e rapidamente sabemos o valor da prestação»; Apresentador: «Ou seja, simples e eficaz».
15. G. (…) durante o diálogo descrito surge, com a duração aproximada de 00:00:11, uma imagem do site do Cetelem que ocupa a totalidade do ecrã, podendo ler-se «simule o seu crédito em três passos».
16. H. (…) no final do programa, imediatamente antes da última imagem do apresentador do programa e aquando da difusão da imagem do interior da casa, com lareira, sofás, mesa de apoio e candeeiro de pé alto, é sobreposta no canto inferior esquerdo imagem com a seguinte informação: “Divisão remodelada com o apoio do Cetelem - Grupo BNP PARIBAS».
17. I. (…) cujo valor não ultrapassou 2.000,00€.
18. J. (…) e após a ficha técnica do programa, o serviço Cetelem do Grupo BNP PARIBAS é identificado como apoio à produção.
19. K. TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, SA conhecia as normas a que está adstrita, designadamente que não pode emitir programas que dão relevo indevido a um serviço referente a ajudas à produção, pelo que tem o dever objetivo de cuidado, de conformar o conteúdo dos programas que transmite no serviço de programas com as regras das comunicações comerciais audiovisuais.
20. L. (…) e não supervisionou, como é sua obrigação, se tinha sido devidamente identificado a ajuda à produção, através do recurso ao sistema informático.
21. M. (…) sendo tal evitável, porquanto a Arguida dispõe de recursos que lhe permitiam prever e evitar a violação das normas legais e cumprir os deveres objetivos de cuidado omitidos.
22. N. O programa “Querido Mudei a Casa” não é uma produção interna da TVI, tendo sido encomendado a uma produtora externa, a BRISKMAN – Entretenimento Audiovisual, Lda.
23. O. A Arguida não teve qualquer contrapartida com a inserção do serviço Cetelem no programa.
24. P. Não são conhecidos outros antecedentes contraordenacionais da mesma natureza à Arguida.
Apreciação das questões suscitadas pelo recurso
A- Insuficiência da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova: valor comercial não significativo e comunicação comercial audiovisual mediante retribuição
25. A
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