Acórdão nº 878/14.0TBMGR-N.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 06-02-2024

Data de Julgamento06 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão878/14.0TBMGR-N.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Processo nº 878/14.0TBMGR-N.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Catarina Gonçalves

2º Adjunto: Arlindo Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (1ª Secção):

I – RELATÓRIO

O Magistrado do Ministério Público veio requerer a abertura da instrução em Processo de Promoção e Proteção em benefício dos menores AA e BB, nascidos a .../.../2014, filhos de CC.

Declarou-se aberta a instrução.

Após ter sido aplicada a medida de acolhimento residencial e na sequência do parecer do I.S.S., o Ministério Público promoveu a aplicação de medida de confiança das crianças com vista a futura adoção, não tendo a progenitora dado o seu acordo.

O Ministério Público, a progenitora e a Ilustre Patrona das crianças apresentaram alegações.

Foram realizadas perícias de avaliação psicológica e psiquiátrica à progenitora e perícias de avaliação psicológica às crianças.

Procedeu-se a debate judicial, de acordo com o formalismo legal aplicável, com produção da prova requerida e tomada de declarações à progenitora.

Pelo Juiz a quo foi proferida a seguinte Sentença, que culmina com o seguinte dispositivo:

IV – Decisão

Em face do exposto, ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, o Tribunal decide:

a) confiar as crianças AA e BB a instituição com vista à adoção, indicando-se para o efeito o Centro de Acolhimento Temporário "...", em ..., onde se encontram acolhidos;

b) nomear como curador(a) provisório(a) das crianças o(a) Diretor(a) do referido Centro de Acolhimento;

c) declarar a progenitora CC inibida do exercício das responsabilidades parentais;

d) proibir todas as visitas por parte da progenitora e de quaisquer outros familiares, com exceção dos contactos entre os irmãos AA e BB que expressamente se autorizam.


*

Inconformada com tal decisão, a progenitora dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…).


*

O Ministério Público apresenta contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no nº2 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a apreciar são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto – factos constantes dos pontos 11., 14., 36. e 46., dos factos dados como provados
2. Se o tribunal errou ao não ouvir as crianças
3. Se a confiança para a adoção não corresponde ao interesse das crianças
4. Pedido de revisão da medida no prazo de um ano no caso de as crianças não serem adotadas
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A. Matéria de facto

A decisão recorrida proferiu a seguinte decisão em sede de matéria de facto:

Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:

1. AA e BB, nasceram em .../.../2014 e são filhos de CC.

2. A paternidade das crianças mostra-se omissa no registo, sendo o progenitor ausente da vida das mesmas.

3. A intervenção foi iniciada pela C.P.C.J. da ... e motivada pela circunstância de a progenitora sofrer de doença do foro psicológico/psiquiátrico, com ciclos depressivos limitativos da sua capacidade de prover às necessidades dos filhos, passando grande parte do tempo a dormir, inclusive durante o dia, sem que tivesse apoio de familiar capaz de assegurar os cuidados das crianças.

4. Em 18.10.2017, após as crianças terem assistido a uma violenta discussão entre a progenitora e a avó materna e o BB ter ficado nervoso, aos gritos, a bater com a cabeça no chão, a progenitora declarou às técnicas da C.P.C.J. que pretendia o acolhimento residencial das crianças.

5. Após, retirou o consentimento para a intervenção da C.P.C.J. e o processo foi remetido ao Tribunal.

6. A progenitora apresentava à data, e continuou a apresentar, baixa autoestima, discurso negativo, desvalorização pessoal, centrando-se em sentimentos de inutilidade, tendo referido às técnicas do I.S.S. eu odeio-me a mim própria, ela nunca gostou de mim, ela envergonha-me, quero morrer.

7. A progenitora tinha falta de apetite, não conseguia dormir, consumia álcool e não tomava a medicação psiquiátrica como prescrito, referindo que tinha de estar atenta ao que se passava entre a sua irmã DD e o companheiro que viviam em sua casa e passavam o tempo em discussões.

8. Em 21.11.2017 foi aplicada, por acordo, em benefício das crianças, a medida de acolhimento residencial, pelo período de seis meses, encontrando-se os gémeos desde .../.../2017 no Centro de Acolhimento Temporário "...", em ....

9. Deste então, as crianças têm beneficiado desta medida, ora prorrogada ora aplicada a título cautelar por falta de concordância da progenitora à sua continuidade.

10. Os elementos do agregado familiar materno apresentam problemas de saúde mental e o relacionamento intrafamiliar, em particular entre a progenitora e a avó materna das crianças, e para com terceiros, carateriza-se pelo conflito, discussões, gritos, ameaças de agressão e ofensas verbais e corporais, inclusive na presença das crianças.

11. A progenitora, por um lado, refere ser vítima de maus tratos verbais e emocionais por parte da sua mãe e manifesta o desejo de se proteger e afastar da mesma, mas, por outro, continua a recorrer a ela para a apoiar no quotidiano, não conseguindo manter o afastamento.

12. Em 18.03.2021, a progenitora requereu que os filhos fossem confiados à sua mãe, referindo reunir esta todas as condições para o efeito e em 19.07.2021 transmitiu que não há alternativa para as crianças junto da família alargada.

13. A progenitora revela fragilidade e instabilidade emocionais, com episódios de depressão, tendo-se tentado suicidar.

14. As suas atuações são influenciadas pela família alargada, em especial pela sua mãe.

15. A avó materna das crianças é uma pessoa conflituosa, tendo dirigido insultos e ameaças de agressão às técnicas intervenientes, inclusive na presença das crianças.

16. A progenitora é incapaz de assegurar de forma autónoma a satisfação das necessidades das crianças, sendo que, enquanto residiam consigo, foi capaz de assegurar as suas necessidades ao nível de alimentação e higiene.

17. Aquando dos convívios em meio natural de vida autorizados entre a progenitora e as crianças no Natal de 2019 e Ano Novo de 2019/2020, pese embora a expressa indicação de que os mesmos não seriam alargados à avó materna, a fim de não expor as crianças a situações de conflito, estas permaneceram sempre em casa da avó, onde tomaram as refeições e pernoitaram.

18. A progenitora nega padecer de doença do foro psiquiátrico.

19. A avó materna das crianças nega a existência de problemas ao nível da saúde mental da filha.

20. Com efeito, em 04.06.2020, a progenitora transmitiu à técnica gestora que nunca esteve doente e referiu que deixaria de ir às consultas e de tomar os medicamentos.

21. Nesse dia, a avó materna também contactou a técnica gestora, apelidando-a de mentirosa e expressando que a filha não tem doença nenhuma, que lhe querem roubar os filhos e ganhar dinheiro com isso.

22. A progenitora não tem consciência das razões do acolhimento residencial, não tendo colaborado com os técnicos intervenientes, acusando-os de mentirem e de serem responsáveis pelo acolhimento prolongado das crianças.

23. Reside em habitação social e beneficia de Rendimento Social de Inserção, não tendo ocupação laboral desde agosto de 2000, sendo que atualmente encontra-se internada para tratamento da dependência de álcool na Associação ..., em ....

24. As outras três filhas da progenitora - EE, FF e GG -, irmãs uterinas mais velhas de BB e AA, beneficiaram igualmente de medida de acolhimento residencial, que apenas terminou aquando da maioridade (apensos L e M).

25. No âmbito da intervenção, foi acionado o acompanhamento médico na especialidade de Psiquiatria (Hospital ... em ...) e acionado o acompanhamento local no âmbito da Psicologia (centro de saúde da ...), mas a progenitora deixou de comparecer em abril de 2019 e de tomar a medicação.

26. Foi acionado o acompanhamento para promoção de competências pessoais e parentais, através da resposta local Centro de Acompanhamento Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) em março de 2018, tendo a intervenção iniciado em abril de 2018, com duração até dezembro do mesmo ano, data em que foi terminada por inexistência de condições para a sua continuidade, por manifesta ausência de competências da progenitora.

27. Com vista à promoção de competências com a finalidade de inserção laboral, a progenitora ingressou num curso de formação profissional promovido pela APPACDM, que frequentou entre dezembro de 2018 e julho de 2020, mês em que registou fraca assiduidade, culminando no abandono do mesmo, a cinco meses do respetivo término.

28. Na sequência de regressão da situação familiar, da grande instabilidade emocional e desajuste comportamental da progenitora, havendo dúvidas quanto à toma da medicação psiquiátrica prescrita, em julho de 2020 foram suspensos os convívios das crianças em meio natural de vida, que não mais se retomaram.

29. No início do acolhimento, a progenitora contactava diariamente os filhos e ao longo dos anos os contactos tornaram-se cada vez mais espaçados e irregulares, sendo que, no ano de 2022, em abril a mãe telefonou 11 vezes, em maio telefonou 7 vezes, em junho telefonou 9 vezes, em julho telefonou 10 vezes, em agosto 11 vezes, em setembro 17 vezes, em outubro 4 vezes, em novembro 3 vezes, em dezembro 5 vezes; no ano de 2023, em janeiro telefonou 5 vezes e em fevereiro 2 vezes.

30. No que concerne às visitas presenciais da mãe, entre abril de 2022 e fevereiro de 2023 visitou os filhos apenas duas vezes, em 08.06.2022 e em...

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