Acórdão nº 875/20.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão875/20.7T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

J. D., residente na Avenida …, n.º …, ..., Vila Nova de Famalicão, intentou a presente ação declarativa de condenação contra X - Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo …, n.º …, Lisboa e Y - Companhia de Seguros S.A., com sede na Rua ..., n.º .., Lisboa, para efetivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem à Autora a quantia global de €29.856,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da ocorrência do acidente até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que foi interveniente em acidente de viação ocorrido em 06 de abril de 2019, na Autoestrada A4, que envolveu 5 veículos.
Assim, quando seguia no seu veículo (EA) no sentido Amarante/Vila Real, à saída do Túnel do Marão, deparou-se com o veículo QR despistado, não tendo conseguido evitar o embate, do qual resultaram danos ligeiros no EA e não resultaram danos nos seus ocupantes.
Porém, logo de seguida, surge no mesmo sentido o veículo ND, em velocidade excessiva, tendo embatido no EA e arrastado este veículo, o QR e ainda o OJ, que também se encontrava ali parado, mas não embatido, para a berma do lado direito.
Mais alega que deste embate resultaram avultados danos no EA, bem como ferimentos na Autora e outros danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que descreve.
Conclui pela responsabilização dos condutores dos veículos QR e ND.
Regularmente citada, a Ré X - Companhia de Seguros, S.A. contestou, alegando que o acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva das condutoras dos veículos EA e QR, pois que estavam a ocupar a via sem que fizessem uso de qualquer sinalização de perigo.
A 2.ª Ré Y-Companhia de Seguros S.A., contestou alegando a existência de culpa da concessionária que não avisou da existência de perigo; bem como a ausência de culpa da condutora do QR, já que foi o EA que lhe embateu, sendo certo que os danos resultaram quase exclusivamente do embate da viatura ND.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, bem como despacho a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Em face do exposto e atentas as considerações que antecedem, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

I – Condena a ré “X Companhia de Seguros, SA” a pagar à autora a quantia de a quantia de € 8.650,00 (oito mil seiscentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação da ré até efetivo pagamento;
II – A quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo pagamento;
III – Absolve a ré “X Companhia de Seguros, SA” do demais peticionado;
IV – Absolve a ré “Y Companhia de Seguros, SA” de todos os pedidos formulados pela autora.
*
Custas na proporção do decaimento (artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique. Registe.”

Inconformada, apelou a Ré X - Companhia de Seguros SA da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1ª- O presente recurso de apelação é interposto da sentença proferida, pois que, salvo o devido respeito, ao decidir como o fez, a sentença recorrida não procedeu a uma correta interpretação e aplicação dos preceitos e valores legais pertinentes aos factos provados.

Assim,
2ª- O presente recurso de apelação é interposto da douta sentença proferida e versa sobre duas questões:
- A primeira reporta-se à questão de atribuir a responsabilidade na produção do acidente e pelos danos sofridos pela Autora exclusivamente ao condutor do veículo seguro matrícula ND.

Subsidiariamente,
- A segunda questão, e caso se mantenha a responsabilidade na produção do acidente ao condutor do ND, reporta-se ao montante de 7.000,00 euros, atribuído à autora pelos danos sofridos no veículo EA.
3ª- Face aos factos provados, salvo o devido respeito, a Mª Juiz do Tribunal a quo decidiu de forma simplista ao atribuir a responsabilidade dos danos sofridos pela Autora exclusivamente ao condutor do veículo seguro na Ré, o ND, com o que, salvo o devido respeito discordamos totalmente.
4ª- Aliás, até nos parece contraditório que se atribua a responsabilidade do acidente ao condutor do ND, quando exatamente pelas mesmas razões , quer a Autora, quer o condutor do QR , que o condutor do OJ, não tenham conseguido evitar os despistes e embates, como , aliás, a Mª Juiz refere e considera , e bem .
5ª- Na verdade, não tendo a autora agido com culpa, nem os demais condutores, sendo o acidente decorrente próprio do risco da circulação dos veículos, não se compreende que sendo um “choque em cadeia” numa auto estrada, se não usa o mesmo critério em relação ao condutor do ND, antes se o vai responsabilizar pelo acidente e suas consequências quando “ A faixa esquerda encontrava-se ocupada com os veículos QR e EA e a faixa direita encontrava-se ocupada com o OJ.”
6ª- Como se refere na fundamentação da douta sentença se não se pode formular um juízo de culpa relativamente aos condutores dos veículos EA , QR e ND, no que concordamos, também não se pode daí extrair que a responsabilidade pelo risco recai exclusivamente no veiculo ND .
7ª- De facto, não era de todo expectável para o condutor do ND encontrar aquele cenário:
56. À saída do Túnel deparou-se com 4 veículos despistados.
57. A faixa esquerda encontrava-se ocupada com os veículos QR e EA e a faixa direita encontrava-se ocupada com o OJ.
8ª- Por isso a responsabilidade não pode ser apenas e só assacada ao condutor do ND, sendo a responsabilidade pelo risco aplicável para todos os intervenientes no acidente em cadeia, como, aliás, tem sido seguido pela jurisprudência.
9ª- Como refere a própria Mº Juiz do Tribunal a quo :
“Não obstante, em matéria de colisão de veículos, como é o caso dos autos, importa distinguir diversas situações, no que se refere à responsabilidade pelos danos emergentes
da colisão:….
e) Não havendo culpa de nenhum dos condutores, importa distinguir:
i) Se apenas um dos veículos causou danos ao outro (por exemplo um estava parado quando foi embatido), apenas esse condutor responde pelo risco;
ii) Se ambos os veículos concorreram para o acidente, somam-se os danos resultantes do acidente para os dois veículos e reparte-se a responsabilidade total na proporção em que cada um tenha contribuído para o acidente (levando em conta o peso, velocidade, características).
A mesma solução deve ser adotada para os danos sofridos pelos condutores, interpretando extensivamente a norma do artigo 506º, nº 1 do Código Civil.
Regressando ao caso concreto, vimos já que não é possível afirmar a culpa de qualquer um dos condutores..”
10ª- E, assim, de facto é, pelo que parece-nos liquido que todos os veículos concorreram para a eclosão dos sucessivos embates, pois que não fora os embates anteriores e a obstrução da via pelos três veículos, que o ND circularia normalmente e não teria também embatido .
11ª- Assim, , sendo os veículos envolvidos todos da mesma categoria de ligeiros de passageiros , sendo obviamente todos do mesmo peso , tamanho e características semelhantes, parece-se que a responsabilidade deve ser repartida proporcionalmente pelos veículos intervenientes HU, ND, QR, OJ e EA – vide ponto 1 dos factos provados , ou seja 20% para cada um dos intervenientes e deste modo os danos serem de igual modo imputados na mesma proporção .
12ª- E tendo todos os cinco veiculos concorrido para o acidente, devem somar-se os danos resultantes do acidente pelos veículos envolvidos e reparte-se a responsabilidade na proporção em que cada um tenha contribuído para o acidente, levando em conta, peso , velocidade e características, ou seja, in casu , 20% dos danos a suportar por cada um .
13ª- Caso assim se não entenda , o que não se espera e por mera cautela de patrocínio se admite, sempre quanto aos danos sofridos pelo EA a douta sentença fez uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos provados quanto ao valor arbitrado e a suportar pela Ré .
14ª- A douta sentença condenou a Ré a pagar à autora a quantia de 7.000,00 € pela perda do veiculo, desconsiderando os danos que o mesmo já tinha e resultantes do 1º embate , no valor de € 5.180,23, sem qualquer intervenção do veiculo ND, e que não podem ser imputados à Ré recorrente; .
15ª- Desde logo só por lapso pode a Mª Juiz na douta fundamentação declarar que “Refira-se que não tem lugar à redução da indemnização na medida dos danos já provocados pelo anterior embate, na medida em que não só não se apurou outro valor que não o de € 9.000,00”, pois que ficou provado que tinha danos no valor de 5.180,23 € e por isso teria que efetuar a respetiva redução .
Mais,
16ª- A própria douta sentença reconhece que “ Por conseguinte, somos a concluir que os danos provenientes deste segundo embate foram causados apenas pelo ND” – vidé pg 23 da douta sentença e que “ a quantia 5.180,23 € dizem respeito aos na frente do veiculo “ – pg 24 , mal se compreende que tenha de ser a Ré a suportar todos os danos sofridos pelo EA, havendo até, salvo o devido respeito, uma contradição .
17ª- Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida nesta parte quer pretender imputar à Ré uma indemnização por danos do 1º embate que são da exclusiva responsabilidade da Autora .
18ª- Salvo melhor opinião parece-nos liquido que face ao principio geral da responsabilidade civil previsto no art. 483º do Código Civil e do principio da indemnização pelos danos causados por coisas previsto no art. 493º do CC, só “responde pelos danos que a coisa ou animal causarem…” , e não pelos danos que não causaram e que são pré-existentes ....

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