Acórdão nº 864/23.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão864/23.0T8STR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Apelação n.º 864/23.0T8STR.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

Centro (…) de Santarém, Instituição Particular de Solidariedade Social, com sede na (…), n.º 19, 21, 2000-083 Santarém, veio intentar a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) – Comercialização de (…), S.A., com sede na Rua da (…), n.º 1930, sala 3, 4200-024 Porto, pedindo que seja esta condenada (a) a pagar-lhe o montante de € 31.202,39, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a data da citação até integral pagamento e, ainda, (b) «em todos os prejuízos que o Autor, na consequência do incumprimento contratual do Réu, se vierem a apurar até à execução de sentença».

Alegou em síntese que, acordou com a Ré a execução de projeto, fornecimento, transporte, instalação e assistência à colocação em serviço de uma Unidade de Produção para Autoconsumo (UPAC), a instalar pela Ré na Unidade (…), pelo valor de € 30.260,00, e uma outra UPAC a instalar na Unidade do (…), pelo valor de € 34.680,00.

Acontece que a Ré instalou nas referidas Unidades do Autor inversores que não correspondiam em número, nem em potência, ao acordado entre as partes.

As diferenças de potências indicadas, em total incumprimento do contratado, limitam a produção fotovoltaica do Autor, nas duas unidades.

As correções a efetuar nas instalações fotovoltaicas, totalizam a quantia de € 25.367,80, acrescida de IVA á taxa de 23%, o que perfaz o valor total de € 31.202,39.

Apesar das múltiplas interpelações efetuadas pelo Autor, à aqui Ré, esta sempre se escusou a cumprir os contratos, alegando sempre vãs desculpas.

Mais invocou que, apesar de ter remetido à Ré uma notificação avulsa, que esta rececionou em 24.01.2023, a conceder-lhe o prazo de 15 dias para retificar os sistemas fotovoltaicos supramencionados, sob pena de considerar definitivamente incumpridos e resolvidos os contratos com ela celebrados, a Ré nada fez.

Entende assim o Autor ter direito a exigir da Ré indemnização correspondente ao montante que precisará de despender com a aludida correção dos sistemas fotovoltaicos.

Citada, a Ré não ofereceu contestação.

Reputaram-se, por isso, confessados os factos alegados na petição inicial, nos termos do artigo 567.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 568.º do mesmo Código.

O Autor foi, entretanto, convidado a pronunciar-se sobre a possibilidade de a sua segunda pretensão de condenação da Ré «em todos os prejuízos que o Autor, na consequência do incumprimento contratual da Ré, se vierem a apurar até à execução de sentença», se traduzir num pedido genérico ilegal, a que respondeu em sede de alegações, sustentando a admissibilidade do pedido.

Foi de seguida proferida sentença que decidiu:

a) Julgar verificada a exceção dilatória inominada de pedido genérico ilegal e, em consequência, absolveu a Ré (…) – Comercialização de (…), S.A. da instância, quanto ao pedido de condenação «em todos os prejuízos que o Autor, na consequência do incumprimento contratual da Ré, se vierem a apurar até à execução de sentença»;

b) No mais, julgar a ação procedente e, em consequência, condenar a Ré (…) – Comercialização de (…), S.A. a pagar à Autora Centro (…) de Santarém, Instituição Particular de Solidariedade Social o montante global de € 31.475,95 (trinta e um mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos) – correspondendo € 31.202,39 a capital e € 273,56 a juros moratórios vencidos –, acrescido de juros moratórios vincendos, calculados sobre o capital de € 31.202,39, contados diariamente, à taxa supletiva legal a que alude o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde a data de prolação da sentença (06.06.2023) até efetivo e integral pagamento do capital em dívida.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

I. Foi a Recorrente condenada ao pagamento do montante global de € 31.475,95 (trinta e um mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescidos de juros moratórios vincendos, calculados sobre o capital de € 31.202,39 (trinta e um mil, duzentos e dois euros e trinta e nove cêntimos), contados diariamente, à taxa supletiva legal a que alude o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde 06.06.2023 e até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida, “a título de indemnização positiva pelo incumprimento de cada um dos contratos de empreitada celebrados entre as partes”.

II. É precisamente na fixação de indemnização positiva pelo incumprimento, que se radica a discordância da Recorrente que motiva o presente recurso.

III. Com interesse para esta questão, chamamos à colação o facto dado como provado sob o n.º 11: “O autor remeteu à Ré, que recebeu em 24.01.2023, notificação avulsa com o processo n.º 121/23.1T8PRT, concedendo-lhe o prazo de 15 dias a contar daquela notificação para retificar as UPAC das Unidades (…) e do (…), colocando-as nas condições aludidas em 3 e 5, sob pena de não o fazendo, considerar existir incumprimento definitivo e resolvidos os acordos referidos em 2 e 4”, bem como o facto provado n.º 12, onde consta que a ora recorrente não retificou as UPAC nem nos 15 dias nem em data posterior.

IV. Estando assente que o acordo/contrato celebrado entre as partes foi um contrato de empreitada, é nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil (doravante CC) que encontramos o regime aplicável a esta relação contratual.

V. Tendo como assente que as obras que a recorrente executou estavam defeituosas, nos termos do artigo 1221.º, n.º 1, do CC, o dono da obra tinha o direito de exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos.

VI. Perante a inércia da recorrente, ao não ter procedido à correção dos defeitos, o Autor podia invocar a exceção do não cumprimento do contrato e recusar-se a cumprir a sua parte, ou seja, a entrega do preço.

VII. O CC estabelece uma “ordem” que tem necessariamente de ser respeitada pelo dono da obra, (que resulta obvia, dado a sequência numérica dos artigos em causa: 1221.º, 1222.º e 1223.º),

VIII. Assim, em primeiro lugar o dono da obra terá de exigir a eliminação dos defeitos ou caso não possam ser eliminados uma nova obra; de seguida pode exigir a redução do preço e nos casos em que a obra seja inadequada aos fins a que se destina, a resolução do contrato e só em último lugar pedir indemnização, nos termos gerais.

IX. o artigo 1221.º do CC não confere ao dono da obra o direito de por si ou através de outrem eliminar os defeitos da obra, tendo necessariamente de propor ação judicial que condene o empreiteiro na eliminação dos defeitos da obra, nomeadamente socorrendo-se do prescrito no artigo 828.º do CC.

X. Uma vez obtida a condenação judicial do empreiteiro a eliminar os defeitos ou efetuar obra nova, apenas se o mesmo não obedecer a essa decisão, poderá o dono da obra, encarregar terceiro de levar a cabo a eliminação dos defeitos ou a construção de uma nova obra, o que não se verificou no caso vertente, tendo a Autora resolvido extrajudicialmente o contrato, por incumprimento da recorrente.

XI. Uma vez operada a resolução do contrato de empreitada, os seus efeitos são equiparados à nulidade ou à anulabilidade do negócio jurídico – cfr. n.º 1 do artigo 433.º do CC:

XII. E como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos”.

XIII. Com efeito retroativo, devendo ser restituído tudo aquilo que tiver sido prestado ou o valor correspondente – artigos 433.º e 289.º do CC.

XIV. Em contraste com o constante da sentença proferida, a posição clássica e amplamente dominante, é que no caso de resolução contratual, o credor apenas tem direito a ser ressarcido pelos prejuízos que não teria se não tivesse celebrado o contrato – interesse contratual negativo e não na indemnização pela situação em que o credor estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido – interesse contratual positivo.

XV. É certo que o acórdão do STJ de 12.02.2009, citado na sentença ora objeto de recurso, veio introduzir uma pequena “brecha” no entendimento jurisprudencial que vinha sendo seguido, que considerava que a resolução contratual, em regra, conferia direito a uma indemnização apenas pelos danos negativos, ao colocar a hipótese de, excecionalmente, poder haver lugar a indemnização pelos danos positivos, sendo fundamental uma ponderação casuística dos interesses em jogo, à luz do princípio da boa fé e incumbindo à parte que resolveu o contrato alegar e provar, além do mais, os factos que possam integrar essa situação de excecionalidade.

XVI. A Autora não alegou e muito menos provou uma situação de exceção, o que também resulta cristalino dessa questão não constar dos factos dados como provados.

XVII. No entanto, o Tribunal considerou que a questão em apreço revestia essa excecionalidade, dando provimento ao interesse contratual positivo do Autor, extravasando os poderes que lhe são atribuídos pelo princípio do dispositivo.

XVIII. Este princípio está plasmado no artigo 609.º do CPC, que estabelece os limites da condenação a que o juiz tem de obedecer ao proferir uma sentença e cuja violação determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artigo 668.°, n.° 1, alínea d), 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (artigo 668.°, n.° 1, alínea e)).

XIX. Entende a recorrente que foi o que o Tribunal a quo fez, ao considerar a situação dos autos como excecional, (sem tal ser alegado pelo Autor), único caso em que é possível conciliar a resolução de um contrato com a indemnização pelo interesse contratual positivo.

XX. O que torna a presente sentença nula, o que desde já se invoca.

A final requer que seja proferido Acórdão que...

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