Acórdão nº 8621/20.9T9LSB-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão8621/20.9T9LSB-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – Relatório
i. No Processo de Instrução nº 8621/20.9T9LSB do Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 6, veio o Exmo Sr. Juiz de Direito Dr. A suscitar incidente de escusa, nos termos do art.º 43º n.ºs 1 e 4 do Código de Processo Penal.
Para o efeito alega que:
“Fls. 990 a 1004 (RAI do assistente B):
Este processo foi distribuído ao ora signatário.
Porém, devo consignar o seguinte:
Sou titular de um outro processo (Proc. n.º 6880/19.9T9LSB), na fase de instrução, também requerida pelo aqui assistente B.
Embora no mesmo não tenha proferido a decisão instrutória, o que é facto objetivo é que nele:
1) O assistente B participou criminalmente contra o signatário, pela prática dos crimes de corrupção, tráfico de influências, abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação, crimes de natureza pública;
2) Por via disso, por despacho por mim proferido naqueles autos a fls. 891, determinei que se extraísse certidão da parte pertinente dos autos e a sua remessa ao M.P. para os efeitos tidos por convenientes;
3) Atento o solicitado a fls. 986 pela Procuradoria-Geral Regional Lisboa (Secção Única), deduzo que esteja pendente um processo de inquérito com o n.º 153/22.7TRLSB;
4 ) Desconheço, em absoluto, o estado desse inquérito;
5) Ademais, no mesmo processo n.º 6880/19.9T9LSB, o assistente B suscitou o incidente de recusa contra a minha pessoa;
6) Incidente que já foi decidido e indeferido, mas que ainda não transitou em Julgado;
Pretendo deixar bem claro que o que se deixa consignado nos pontos 1º) a 6º), de modo algum condiciona a minha objetividade, isenção, imparcialidade e independência para tramitar os presentes autos de instrução e proferir subsequente decisão de mérito.
No entanto, face ao que deixei consignado (pontos 1º a 6º), a sociedade em geral e o próprio assistente poderão considerar, entender e concluir que está em causa a minha objetividade, isenção, imparcialidade e independência, ou seja, que a minha intervenção corre o “risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre” a minha “imparcialidade” (art.º 43º, n.º 1 do C P.P.), até porque já tive intervenção noutro processo em que B também figura como assistente (art.º 43º, n.º 2 do mesmo diploma), processo no qual ocorreram as vicissitudes descritas supra nos pontos 1º a 6º.
Não posso declarar-me voluntariamente suspeito (art.º 43º, n.º 4 do C.P.P.), mas posso pedir ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a escusa de intervir, desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.
É o que solicito, designadamente:
I) Que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, caso assim o entenda por pertinente/conveniente, defira a escusa de intervir do signatário nos presentes autos.
Para o efeito, constitua-se apenso de escusa, o qual deverá ser instruído com certidão das seguintes peças processuais e pela ordem que se indica:
1) Presente despacho;
2) Despacho de arquivamento (fls. 898 a 905) e RAI (fls. 990 a 1003) dos presentes autos;
3) Certidão de fls. 622 e segs. do processo n.º 6880/19.9T9LSB;
Instruído remeta-se o apenso de escusa ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.”
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ii. O pedido de escusa mostra-se suficientemente instruído, pelo que, não se revela necessária a produção de outras provas.
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iii. Colhidos os vistos, foi realizada a competente conferência.
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II - Factos relevantes para a decisão do presente incidente:
Resultam dos autos as seguintes circunstâncias:
1. O Processo de Instrução nº 8621/20.9T9LSB foi distribuído no TCIC (Tribunal Central de Instrução Criminal) ao requerente da escusa, o Juiz de Direito A. Nesse processo, após despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no encerramento do inquérito, o assistente B requereu a abertura da instrução, nos termos que ali constam a fls. 990 a 993;
2. Anteriormente, já após a prolação de decisão instrutória no âmbito do Processo 6880/20.9T9LSB, o Sr. Juiz de Direito A assumiu funções como juiz titular do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa – Juiz 4 e, a partir de setembro de 2021 passou a estar a seu cargo a prolação dos subsequentes despachos judiciais no âmbito do processamento daquele processo de instrução;
3. No âmbito do processamento dos autos nº 6880/20.9T9LSB, o Sr. Juiz de Direito A proferiu em 21.09.2021 despacho lavrado a fls. 706 desse processo, ordenando o oportuno arquivamento dos autos, nele consignando: “A decisão instrutória transitou em julgado. Com efeito, os sucessivos pedidos de escusa e nomeação de patronos judiciários ao assistente não tem qualquer efeito sobre os prazos de recurso, na medida em que «enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os atos subsequentes do processo» (art.º 42º, n.ºs 1 a 3 da Lei n.º 34/2004, de 29.7.).”;
4. Em 22.11.2022 foi determinada a junção aos autos de Instrução nº 6880/20.9T9LSB de diverso expediente remetido pelo assistente B, incluindo requerimento de “incidente de escusa do juiz A titular do processo 6880/19.9TLSB do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – Juiz 6” e participação criminal dirigida contra o “juiz A das práticas de crimes de Corrupção, Tráfico de Influência, Abuso de Poder, Denegação de Justiça e Prevaricação”;
5. No âmbito do processamento daqueles autos nº 6880/20.9T9LSB, o Sr. Juiz de Direito A proferiu em 22.11.2022 despacho lavrado a fls. 891 desse processo, com, para além do mais, o seguinte teor:
Fls. 886 a 887v.:
O assistente B participa criminalmente contra o signatário pela prática dos crimes de corrupção, tráfico de influências, abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação, crimes de natureza pública.
Assim sendo, sem prejuízo do eventual procedimento criminal que poderá ser instaurado contra o assistente pela eventual prática de um crime de denúncia caluniosa (crime público), atento o disposto nos art.ºs 48º, 53º, n.º 2, al. a), 241º e 244º, todos do C.P.P., extraia-se certidão de fls. 420 e segs., e remeta-se ao M.P., para os efeitos tidos por pertinentes.”;
6. A certidão referida em 5 supra deu origem aos autos de inquérito nº 153/22.7TRLSB que correm termos na Procuradoria-Geral Regional de Lisboa – Secção Única;
7. O incidente de recusa (que não incidente de escusa) suscitado pelo assistente B a que se aludiu em 4 supra foi já alvo de decisão, tendo sido proferido no âmbito do apenso 6880/20.9T9LSB-A. Acórdão com o seguinte teor:
Processo nº 6880/19.9T9LSB-A
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
No Juiz 6 do Tribunal Central de Instrução Criminal, processo nº 6880/19.9T9LSB, o assistente B deduziu o incidente de recusa da Srª Juiz de Instrução.
O Sr. Juiz não respondeu.
Foi proferida decisão sumária a rejeitar o recurso, por manifestamente infundado.
Dessa decisão coube reclamação para a conferência.
Colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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Por concordância, aqui se reproduz a fundamentação da decisão sumária, que se acolhe na íntegra:
Os autos contêm todos os elementos para a decisão do mérito, não havendo, por isso, quaisquer diligências a realizar ou a promover, até porque o pedido é manifestamente infundado.
Com o instituto da recusa do juiz por suspeição pretende-se salvaguardar a independência do julgador. Como escreveu o então presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, “é extremamente difícil definir em que consiste a independência do juiz, até por se tratar de um conceito de definição negativa, ou seja, cujo âmbito é dado em forma negativa (não estar sujeito a...) e com uma grande amplitude. Porém, parece que uma das mais válidas definições, foi a dada pelo Prof. Castro Mendes, de que a “independência dos juízes é a situação que se verifica quando, no momento da decisão, não pesam sobre o decidente outros factores que não que não os juridicamente adequados a conduzir à legalidade, à justiça da mesma decisão” – despacho de 14-6-99, CJ tomo III, pag. 76.
O art.º 43 nº 1 do CPP prevê que a intervenção de um juiz possa ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade. Ao contrário do que acontece no CPC, em que os fundamentos legais de suspeição invocáveis pelas partes estão taxativamente fixados no art.º 127, aquela norma limita-se a uma formulação genérica, mas isto não significa um alargamento significativo das causas de recusa do juiz no processo penal, desde logo, porque não se descortina qualquer razão, nomeadamente
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