Acórdão nº 84365/20.6YIPRT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-30

Ano2023
Número Acordão84365/20.6YIPRT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AB, Lda. instaurou a injunção que esteve na origem desta acção contra Condomínio CD, tendo peticionado a condenação deste no pagamento da quantia de 10.727,76€, sendo 10.174,60€, a título de capital e de 451,16€, a título de juros.
No caso sob apreciação, a A deduziu os pedidos de condenação do R, com fundamento em responsabilidade civil contratual.
Alegou a Autora que:
§ celebrou um contrato de gestão de condomínios, com o Réu, que consistiu na prestação de tais serviços, mediante o pagamento de avença mensal;
§ o Réu não procedeu ao pagamento de prestações mensais, no valor total de 4.797€, correspondente a facturas vencidas entre Junho e Agosto de 2019;
§ o Réu não procedeu ao pagamento da quantia de 3.444€, correspondente a serviços contratados com uma empresa do grupo da Autora, e relativos aos meses de Junho a Setembro de 2019, tendo o Réu assumido tal pagamento, pelo que pretende ser reintegrada no seu património de tal montante;
§ assumiu, ainda, o pagamento - em representação do Réu- da quantia de 1.816,46€, devidas a terceiros, pelo aquele, pelo que pretende ser reintegrada no seu património de tal montante.
Deduzindo oposição, sustentou o réu que:
§ A Autora praticou crimes de abuso de confiança que prejudicaram o Réu em cerca de €143.520,02, tendo sido apresentada queixa-crime;
§ A autora levantou €16.990 da conta bancária sem qualquer justificação;
§ Em 2017 e 2018, a Autora recebeu fundos de quotização extraordinária no valor de €50.000 para reparação e substituição das portas de acesso e vão adjacentes, tendo tal quantia sido utilizada em reparações não previstas no orçamento, não sendo realizadas as obras que determinaram a quotização extraordinária;
§ A autora gastou todo o fundo de reserva constituído ao longo dos anos, deixando-o negativo em €19.872;
§ Apesar da autora alegar a celebração de um contato de prestação de serviços de limpeza com o requerido, tal contrato não foi celebrado por escrito, tratando-se de um contrato consigo mesmo, razão pela qual, em 23.10.2019, por carta, o requerido invocou a anulação de tal contrato verbal;
§ As faturas reclamadas pela autora de €1.816,46 e €117,14 nunca foram enviadas ao Réu.
Concluiu pela improcedência da ação e sua absolvição dos pedidos.
Após julgamento, foi proferida sentença que absolveu o réu de todos os pedidos.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«
1 - A A. pretende obter do Réu o pagamento de 9 Facturas, não pagas pelo Réu respeitantes a prestação de serviços que efectuara em benefício do Réu, na constância de um contrato de prestação de serviços;
2 - A sentença recorrida julgou o pedido improcedente.
3 - Da decisão sobre a matéria de facto, a recorrente discorda do seguinte:
4 - No n.º 3 da mesma deverá constar apenas que o Réu mandou realizar uma auditoria às contas do condomínio, por sugestão da A.
5 - Quanto ao ponto 5 a) apenas deve considerar-se provado que, para fazer face a alguns pagamentos, a A. levantou algumas quantias em numerário; pois que foram verificados pelo Revisor Oficial de Contas elementos documentais que suportavam esses levantamentos e a sua aplicação.
6 - No ponto 5 b) deverá acrescentar-se que a decisão de não efectuar essas obras foi aprovada pelo Recorrido, em acta da assembleia de condóminos de 27 de Maio de 2019, acta 19.
7 - O ponto 5 c) deve ser eliminado, pois os pagamentos em numerário foram todos apurados e identificados de acordo com documentos existentes na contabilidade do condomínio, como demonstrado nos anexos IV e V do Relatório de auditoria. A não emissão de recibos pelo fornecedor apenas é imputável a este.
8 - O ponto 5 d) deve ser eliminado, pois não existia dívida certa, uma vez que estava em contencioso E a assembleia de condóminos reconheceu isso, decidindo que se haveria analisar melhor a situação, como consta da acta 19 da assembleia de condóminos
9 - Do ponto 6, apenas deve constar que o Réu não pagou as Facturas referidas, nada se tendo apurado quanto a uma queixa crime.
10 - Ao elenco dos factos provados constantes da sentença, com as correcções acima elencadas, deverão ser acrescentados os seguintes:
11 - “O Réu não procedeu ao pagamento das seguintes Facturas emitidas pela A.: FA2019/52, de 1/06/2019; FA 2019/61, de 1/07/2019; FA 2019/69 de 1/08/2019; FA 2019/75, de 1/09/2019, do montante de 861,00Euros (700+ IVA) cada uma, as quais totalizam a quantia de 3.424,00 Euros, respeitando as mesmas aos serviços de limpeza das partes comuns do edifício”;
Estes serviços foram prestados desde Janeiro de 2016, até Setembro de 2019, por acordo com o R. conforme ampla documentação nos autos.
12 - “A conta bancária do Réu esteve penhorada pela quantia de 4.372,13 Euros entre 16 de Fevereiro de 2018 e dia indeterminado de Maio de 2018, não podendo o saldo da mesma ser inferior aquela importância, durante esse período, o que era do conhecimento do Réu”
Este facto está documentado em extractos bancários juntos aos autos e na acta da assembleia de condóminos de 8 de Março de 2018 - acta 18 junta aos autos.
13 - “Devido ao facto de a conta bancária do Condomínio Réu ter estado bloqueada pelo montante de 4.372,13 Euros a partir de 16 de Fevereiro de 2018, a A. efectuou, a partir desta data diversos pagamentos por conta do Réu, os quais ia recuperando à medida das disponibilidades da conta bancária, sendo que à data de 30 de Junho de 2019, saldo credor a favor da A. era de 1.816,46 Euros, conforme Factura 11/11 e o seu anexo com a conta corrente”
Estes movimentos foram comprovados pelo ROC e constam do seu relatório
14 - “O Réu não procedeu ao pagamento da Factura 11/12, pela quantia de 83,00 Euros correspondente ao saldo da conta corrente da caixa”;
Este valor foi verificado pelo ROC e consta do seu relatório.
15 - Quanto aos factos não provados constantes da sentença recorrida: Quanto à alínea a), nada a opor;
16 - Quanto à alínea b) dos factos não provados, o conteúdo desta baseia-se num equívoco, pois que os serviços de limpeza foram prestados pela própria A, como amplamente documentado nos autos, através de orçamentos, contas e pagamentos feitos pelo recorrido à recorrente. Deve ser eliminado;
17 - A alínea c) dos factos não provados também deve ser eliminada. Os factos a que se refere devem ser considerados provados, pois foram comprovados pelo ROC e referidos pelo mesmo quer no Relatório escrito, quer no depoimento prestado em audiência
18 - Quanto ao Direito, a sentença recorrida parte de uma falsa premissa, que é a de entender que o contrato existente entre recorrente e recorrido foi resolvido por este, por incumprimento contratual daquela;
19 - Mas, o que consta dos autos é que a Recorrente esteve no pleno exercício das suas funções até 3 de Setembro de 2019, sendo certo que nessa data declarou não se candidatar à renovação do contrato, conforme acta n.º 21, junta aos autos.
20 - Existiu entre as partes um contrato de prestação de serviços previsto no art.º 1154.º do Código Civil, aplicando-se ao mesmo as disposições sobre o mandato: art.º1157.º e seguintes do mesmo Código.
21 - O mandante, ora recorrido, não cumpriu as obrigações constantes do art.º 1167.º: as da alínea b) ao não pagar as Facturas 1 a 7, referidas na Petição; e as da alínea c) ao negar o pagamento das Facturas 8 e 9 da Petição.
22 - Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, nos termos do disposto nos art.ºs 406.º e 762.º Civil.
23 - Como o recorrido não fez, o deverá, nos termos dos art.ºs 805.º e 806.º do mesmo Código Civil ser condenado a pagar a indemnização em juros, como referido na Injunção.
Deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a acção procedente.
*
Contra-alegou o apelado, propugnando pela improcedência da apelação.
Foi proferido despacho a conferir o contraditório às partes em virtude deste Tribunal da Relação pretender aplicar o instituto do abuso de direito.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Impugnação da decisão da matéria de facto;
ii. Se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar a ação improcedente.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1- Em 27-09-2011, A e R acordaram em que a primeira prestaria serviços de gestão do condomínio constituído pelo 2.º (acordo e exame do doc. junto com a Oposição como proposta);
2- O valor mensal da avença devida pelo cumprimento do acordo referido em 1 era, no ano de 2019, de 1.599€ (acordo);
3- Tendo-se o Réu apercebido da existência de várias irregularidades na gestão do condomínio, a saber, não pagamento do contrato de manutenção de elevadores, pagamentos em numerário e sem emissão de recibos, mandou realizar uma auditoria às contas do condomínio (acordo quanto à realização de auditoria e exame do doc. junto, correspondente ao seu suporte);
4- Em 03-09-2019, em
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