Acórdão nº 838/22.8T8BRG-G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-27

Ano2023
Número Acordão838/22.8T8BRG-G2
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

M..., Lda., instaurou procedimento cautelar antecipatório, com inversão de contencioso, para restituição provisória da posse, contra A..., S.A. e AA, pedindo:

a) a entrega do bem (grua ...) retido pelos Requeridos à aqui Requerente;
b) a condenação dos Requeridos ao pagamento do montante de 2000,00 € por dia, correspondente ao prejuízo efetivamente sofrido pela Requerente, pela privação do uso do bem e das restantes viaturas que os Requeridos retiveram nas suas instalações, desde o dia .../.../2022, até à data da entrega do bem à Requerente;
c) a fixação de uma sanção pecuniária compulsória adequada a efetivar os fins da providência, em montante nunca inferior a 200,00 euros por cada dia de atraso na entrega da grua; e
d) a inversão do contencioso.
Tendo sido dispensada a prévia audição dos requeridos, veio a ser ouvida a prova pessoal apresentada pela requerente, no termo do que foi proferida decisão na qual se julgou parcialmente procedente o pedido cautelar, absolvendo-se o 2.º requerido do pedido, e condenando-se a 1.ª requerida à «imediata restituição à requerente da posse da grua ..., absolvendo-se a requerida dos demais pedidos contra si deduzidos pela requerente», sem qualquer inversão do contencioso.
Cumprido o disposto no artº 366.º, nº 6, do C.P.C., veio a 1.ª requerida apresentar oposição, em conformidade com o disposto no artº 371.º, nº 1, al. b), do C.P.C.
Produzida prova, foi proferida nova decisão, em que se julgou procedente a oposição e, em consequência, totalmente improcedente o procedimento cautelar de restituição provisória da posse instaurado pela requerente, ordenando a imediata devolução à 1ª requerida da grua ....
Inconformada com o decidido, a requerente M..., Lda. interpôs recurso dessa decisão, tendo esta Relação, por acórdão proferido em 13/07/2022, transitado em julgado, julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão recorrida e, em sua substituição, julgou improcedente a oposição e manteve a decisão de restituição da posse da grua ... à requerente.
Tendo os autos baixado à 1ª Instância, em 16/09/2022, a Secção notificou a requerente M..., via Citius, “de que a decisão que ordenou a providência, devidamente notificada, transitou em julgado no dia 02/08/2022, sendo que o procedimento cautelar caducará se, no prazo de 30 dias, contados da presente notificação, não propuser a ação da qual a providência depende (art. 373º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil”.
Em 03/11/2022, a requerida A..., S.A., requereu que se declarasse a caducidade da providência decretada e já executada, alegando que a requerida M..., Lda. não instaurou a ação principal, no prazo de trinta dias, a contar da notificação de que a decisão que decretou a providência cautelar transitou em julgado.
A M..., Lda. opôs-se ao requerido.
Por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgado, declarou-se a caducidade da providência cautelar decretada e, em consequência, determinou-se o levantamento da providência e a extinção do procedimento cautelar.
Essa decisão foi notificada à requerente e à requerida, via Citius, em 16/11/2022.
Por requerimento entrado em juízo em 09/12/2022, a requerida A..., S.A. requereu que fosse notificada a agente de execução “que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da requerida para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução daquela grua ... à requerida, com a entrega da mesma no local de onde foi removida”.
Para tanto alegou, em síntese, que, apesar de notificada do despacho que declarou caducada a providência cautelar e determinou o seu levantamento e a extinção do procedimento cautelar, e desse despacho ter transitado em julgado, a requerente M..., até à data, não procedeu à entrega da grua e assumiu expressamente, no requerimento que apresentou a 15/11/2022, que não o irá fazer, pelo que lhe resta o cumprimento coercivo da decisão que, na sequência da caducidade da providência, ordenou o levantamento desta e que, consequentemente, impôs à requerente M... a restituição àquela da grua.
Observado o contraditório, em 14/12/2022, a M... opôs-se ao requerido, sustentando, em síntese, não lhe ter sido ordenada a entrega da grua, nem tal ser possível, dado que a requerida A... não é sua proprietária, nem nunca teve a posse desta, sendo a grua propriedade da M... e, bem assim, que caso a A... se sinta lesada por a mesma ter deixado caducar a providência cautelar terá que o fundamentar em sede própria.
Sobre o requerimento apresentado pela requerida A..., S.A. recaiu, em 16/12/2022, a decisão que se segue:
“Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.

A decisão acabada de transcrever foi notificada, via Citius, em 16/12/2022, aos mandatários da M... e da A....
Por requerimento entrado em juízo em 28/12/2022, A..., S.A., alegando ter sido notificada do despacho datado de 16/12/2022, que determinou que se deve “repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”, declarou renovar “o seu requerimento datado de 09/12/2022, designadamente, que seja ordenada a notificação da agente de execução (que executou a diligência de remoção da grua das instalações da requerida) para, com o auxílio da força policial, se necessário, proceder ao levantamento e entrega à requerida da grua ..., nas instalações onde havia sido levantada, repondo a situação de facto existente antes da decisão cautelar que caducou”.
A M... opôs-se ao requerido, alegando, em síntese, que, no âmbito da providência cautelar nunca esteve em questão que a propriedade da grua é sua, pelo que a reposição da situação existente antes da decisão proferida nos autos encontra-se reposta, por natureza, uma vez que a grua está na posse da sua legal proprietária, não podendo a requerida A... pretender que o tribunal atue em violação do seu direito de propriedade, designadamente, que depois de findo o processo intervenha a agente de execução para proceder à entrega de um bem que se encontra na posse da sua proprietária. Se a A... pretender que algum direito lhe seja reconhecido, seja ele qual for, deverá promover a ação competente para o efeito.
Em 08/02/2023, a 1ª Instância proferiu decisão de indeferimento do requerido pela A..., constando essa decisão do seguinte:
“Conforme resulta da consulta dos autos e ficou definitivamente assente no acórdão adrede proferido, a situação de facto ex-ante correspondia à existência de um simples comodato, de onde se retirava que «[o] comodatário, titular de um direito de gozo sobre a coisa, é considerado um mero detentor da mesma, à luz da previsão do art. 1253º, al. c), do Código Civil»; sendo que «[a]dquire a posse do direito de propriedade dessa coisa, por constituto possessório, a pessoa que a compra ao dono, comodante, sem a entregar e incumbindo o comprador de a recolher (art. 1264º, nº 2, do Código Civil)»; ao que acresce que o direito do comodatário (neste caso, requerida) tem um direito de eficácia relativa, em função do contrato de comodato, direito esse «inoponível ao que adquire o bem da esfera do comodante» (ou seja, à adquirente e aqui requerente).
Do exposto resulta que a simples declaração de caducidade da presente providência não implica, necessariamente, a obrigação do bem adquirido pelo terceiro (aqui requerente) ao contrato de comodato, proceder à entrega do mesmo ao comodatário (aqui requerida).
Indefere-se, pelo exposto, a pretensão da requerida.
Custas pela requerida, com taxa de justiça fixada em duas unidades de conta”.

Inconformada com o decidido, A..., S.A., interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões:

A - Conforme se pode ler na nossa melhor Doutrina e Jurisprudência “tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente à relação material em litígio. No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal ou externo, no segundo, o caso julgado material, substancial ou interno”.
B - O caso julgado formal “tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida”.
C - A douta decisão recorrida está em contradição com a decisão, transitada em julgado, proferida em 16/12/2022 (Refª. ...76), que determinou o seguinte:
“Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.
C - A douta decisão recorrida fez tábua rasa das anteriores (a de 16/11/2022 e a de 16/12/2022) sendo que a primeira declarou a caducidade da providência e a segunda, de forma expressa, ordenou a reposição da situação de facto que existia antes das decisões proferidas;
D – A douta decisão recorrida é inválida e/ou juridicamente inexistente, uma vez que foi proferida depois de esgotado o poder jurisdicional do Juiz a quo, tudo conforme resulta do artigo 613º, nºs 1 e 3, do CPC.
E – Incorreu em violação do caso julgado, pelo que a mesma deverá ser revogada nos termos do disposto nos artigos 620º, 621º, e 625º do Cód. Processo Civil, devendo ser cumprir-se aquelas que passaram em julgado em primeiro lugar.
F – Dispõe o artigo 373º, nº1, alínea a) do CPC, que a providência cautelar caduca quando o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado...

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