Acórdão nº 800/21.8T9STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-07

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão800/21.8T9STR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Nota prévia:
Consigna-se que os presentes autos foram redistribuídos os autos à signatária em 20.01.2023

*

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos autos de inquérito com o n.º 800/21.8T9STR, que correm termos nos serviços da Procuradoria do da Comarca de …, Departamento de Investigação e Ação Penal - …ª secção, investigam-se factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de propagação de doença previsto e punível pelo artigo 283.º, n.º 1, alínea a) do CP, na sequência da uma participação apresentada em tais serviços pela PSP, reportando as suspeitas da realização de uma festa de aniversário, em período de estado de emergência, concretamente na noite do dia 22 e na madrugada do dia 23 de maio de 2021, que terá dado origem a um surto de Covid-19, tendo sido detetados 68 casos relacionados com tal evento (53 diretamente relacionados e 15 indiretamente relacionados).

No âmbito de tal inquérito, por determinação do respetivo titular, foi solicitada à ARS… - Administração Regional de Saúde …, o envio da informação relativa a tal surto de Covid-19, concretamente a indicação do número de infetados e a respetiva identificação.

Escudando-se no sigilo profissional, não prestou a ARS… as solicitadas informações.

Apresentados os autos ao Exmº. Juiz de Instrução, concluiu este pela legitimidade da recusa e, por isso, remeteu os autos, devidamente instruídos, a este Tribunal, nos termos do artigo 135º, nº 3 do C. P. Penal.

O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, tendo tido vista do processo, emitiu parecer no sentido da quebra do sigilo, por entender que a informação solicitada se mostra justificada.

Nos termos do disposto no artigo 135º, nº 4 do CPP, foi determinada a audição da Ordem dos Médicos. Tendo tal entidade sido notificada para o efeito, a mesma apresentou o seu parecer, no qual se pronunciou no sentido da manutenção do sigilo médico, por entender que a investigação em curso não justifica a sua quebra.

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Redistribuídos os autos à signatária em 20.01.2023, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do incidente.

Nos presentes autos é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, qual seja a de determinar se, por aplicação do princípio do interesse preponderante, se encontra justificada a quebra do sigilo profissional invocado pela ARS…-Administração Regional de Saúde de … para se escusar a fornecer a informação que lhe foi solicitada nos autos de inquérito que constituem o processo principal.

II.II - Apreciação do mérito do incidente.

Dispõem os artigos e da Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, que regula a Informação Genética Pessoal e a Informação de Saúde que:

“Artigo 3.º

Propriedade da informação de saúde

1 - A informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, a qual não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei.

(…)

4 - Na impossibilidade de apuramento da vontade do titular quanto ao acesso, o mesmo é sempre realizado com intermediação de médico.

Artigo 4.º

Tratamento da informação de saúde

1 - Os responsáveis pelo tratamento da informação de saúde devem tomar as providências adequadas à proteção da sua confidencialidade, garantindo a segurança das instalações e equipamentos, o controlo no acesso à informação, bem como o reforço do dever de sigilo e da educação deontológica de todos os profissionais.

2 - As unidades do sistema de saúde devem impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos e aos sistemas informáticos que contenham informação de saúde, incluindo as respetivas cópias de segurança, assegurando os níveis de segurança apropriados e cumprindo as exigências estabelecidas pela legislação que regula a proteção de dados pessoais, nomeadamente para evitar a sua destruição, acidental ou ilícita, a alteração, difusão ou acesso não autorizado ou qualquer outra forma de tratamento ilícito da informação.

3 - A informação de saúde só pode ser utilizada pelo sistema de saúde nas condições expressas em autorização escrita do seu titular ou de quem o represente.

4 - O acesso a informação de saúde pode, desde que anonimizada, ser facultado para fins de investigação.

(…).”

*

Ainda quanto ao sigilo médico preceituam os artigos 30º e 37º do Regulamento nº 707/2016 de 21 de julho, que consagra o Regulamento de Deontologia Médica, nos seguintes termos:

“Artigo 30.º

Âmbito do segredo médico

1 - O segredo médico impõe-se em todas as circunstâncias dado que resulta de um direito inalienável de todos os doentes.

2 - O segredo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício da sua profissão ou por causa dela e compreende especialmente:

a) Os factos revelados diretamente pela pessoa, por outrem a seu pedido ou por terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela;

b) Os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica do doente ou de terceiros;

c) Os factos resultantes do conhecimento dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica referentes ao doente;

d) Os factos comunicados por outro médico ou profissional de saúde, obrigado, quanto aos mesmos, a segredo.

3 - A obrigação de segredo médico existe, quer o serviço solicitado tenha ou não sido prestado e quer seja ou não remunerado.

4 - O segredo médico mantém-se após a morte do doente.

5 - É expressamente proibido ao médico enviar doentes para fins de diagnóstico ou terapêutica a qualquer entidade não vinculada ao segredo médico.

Artigo 37.º

Tratamento da informação da saúde

1 - Os responsáveis pelo tratamento da informação de saúde devem tomar as providências adequadas à proteção da sua confidencialidade, garantindo a segurança das instalações e equipamentos, o controlo no acesso à informação, bem como o reforço do dever de sigilo e da educação deontológica de todos os profissionais.

2 - As unidades do sistema de saúde devem impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos e aos sistemas informáticos que contenham informação de saúde, incluindo as respetivas cópias de segurança, assegurando os níveis de segurança apropriados e cumprindo as exigências estabelecidas pela legislação que regula a proteção de dados pessoais, nomeadamente para evitar a sua destruição, acidental ou ilícita, a alteração, difusão ou acesso não autorizado ou qualquer outra forma de tratamento ilícito da informação.

3 - A informação de saúde só pode ser utilizada pelo sistema de saúde nas condições expressas em autorização escrita do seu titular ou de quem o represente.

4 - O acesso a informação de saúde pode, desde que anonimizada, ser facultado para fins de investigação.

(…)”

Nas mencionadas normas legais se consagra expressamente o dever de sigilo médico invocado para fundamentar a recusa no...

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