Acórdão nº 797/22.7T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-10-27

Ano2022
Número Acordão797/22.7T8ENT.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 797/22.7T8ENT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta por “Banco (…), SA” contra “(…), (…), Lda.”, (…) e (…), a sociedade exequente veio interpor recurso do despacho que recusou o recebimento do requerimento executivo.
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No requerimento inicial, ao descrever os factos, o exequente afirma ser portador de uma livrança no valor de € 19.067,95 (dezanove mil e sessenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos), com data de vencimento em 31/01/2022, a que acrescem juros moratórios vincendos até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa de 4%.
Para tanto, invoca que a obrigação é certa, líquida e exigível, cumprindo todos os requisitos da obrigação exequenda de acordo com o artigo 713.º do Código de Processo Civil.
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Em 22/03/2022 a instituição bancária em causa veio juntar o original da livrança.
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Em 28/03/2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Notifique a exequente para, em 10 dias, esclarecer se os títulos executivos se referem aos seguintes contratos de crédito com clientes bancários e/ou respetivos fiadores:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
Nessa eventualidade, a exequente deverá juntar aos autos o respetivo PERSI no prazo de 10 dias, bem como juntar aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, bem como ainda os contratos subjacentes».
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Em 18/04/2022, a sociedade exequente veio informar que «o título executivo apresentado à execução não se refere a qualquer do contrato indicado no despacho, pelo que não integram o âmbito de aplicação do PERSI de acordo com a previsão do artigo 2.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro».
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Em 22/04/2022, o “Banco (…), SA” juntou aos autos o pacto de preenchimento da livrança.
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Em 09/05/2022, o Meritíssimo Juiz a quo ordenou a notificação da exequente para, em 10 dias, juntar aos autos o contato subjacente, respectiva FIN, condições gerais e particulares.
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Notificado do referenciado despacho, a 26/05/2022, foi apresentado novo requerimento em que se escreve: «é o título de crédito cambiário configurado na livrança junta sob o documento n.º 1, título bastante na previsão do artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Não se encontrando prescrita a ação cambiária, o exequente não está obrigado a concretizar nem alegar a existência da relação subjacente à emissão da livrança».
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O Juízo de Execução do Entroncamento entendeu que do requerimento executivo e da livrança exequenda estava em causa contrato de crédito. E, por isso, em 07/06/2022, proferiu despacho com o seguinte segmento decisório: «o Tribunal decide rejeitar liminarmente a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por Banco (…), S.A., extinguindo-se a execução – artigos 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º, 855.º-A, do NCPC.
Consequentemente, ordena-se o levantamento das penhoras».
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação, aliás extensas e prolixas no sentido em que reproduzem o texto do próprio recurso[1] [2] [3] [4] [5] [6]:
«I – Inconformado com a sentença que rejeitou liminarmente a execução e determinou a extinção vem o exequente interpor recurso.
II – A decisão do tribunal a quo é motivada pelo facto de não ter o exequente junto o contrato de crédito subjacente à livrança apresentada à execução e deste modo não ter cumprido a previsão do artigo 855.º-A do Código de Processo Civil.
III – Conforme infra se explanará, entende não ser aplicável ao caso em apreço o citado artigo.
IV – A livrança apresentada à execução cumpre os requisitos essenciais dos artigos 75.º e 76.º da LULL (Lei Uniforme das Letras e Livranças).
V – A obrigação exequenda titulada pela livrança venceu-se em 31.01.2022, pelo que não se encontra prescrita.
VI – A livrança aqui apresentada constitui título de crédito, título bastante na previsão do artigo 703.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte, do CPC, “À execução apenas podem servir de base os títulos de crédito (…)”.
VII – O motivo pelo qual o legislador decidiu conferir aos títulos de crédito força executiva não pode ser dissociada das características daquele.
VIII – Os títulos de crédito beneficiam das características da incorporação, abstração e autonomia.
IX – Dos elementos constante do título é possível aferir a existência do direito nele inscrito. A obrigação encontra-se nele incorporada, e é autónoma em relação à relação fundamental subjacente.
X – Seguindo o entendimento do acórdão proferido em 12.15.2021 pelo Tribunal da Relação de Coimbra – Processo 2550/20.3T8SRE-A.C1, “A livrança que contenha os requisitos essenciais referidos nos artigos 75.º e 76.º da LULL, constitui título cambiário autónomo e abstracto, integrado no elenco dos títulos executivos por via do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., incorporando no título o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente”.
XI – O direito do exequente e correspondente obrigação do executado – obrigação cartular – encontra-se incorporada no próprio título.
XII – Vide o acórdão proferido em 12.04.2018 Tribunal da Relação de Guimarães “Porque a obrigação cambiária é uma obrigação literal e abstracta, que decorre do título que a incorpora, o credor que exige o respectivo pagamento não carece de invocar no requerimento executivo a sua causa (a relação subjacente ou fundamental), podendo limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, correspondendo esta obrigação cambiária à causa de pedir da acção executiva onde se exige o seu cumprimento”.
XIII – Conforme redação do artigo 855.º-A do CPC: “Execução respeitante a obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais - Quando a execução respeite a obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais, deve o requerimento executivo ser acompanhado de cópia ou original do contrato celebrado entre as partes, se for entregue por via eletrónica ou em papel, respetivamente, sob pena de recusa do requerimento”.
XIV – O citado artigo não é aplicável quando o título apresentado à execução constitui título de crédito na previsão do artigo 703.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte, do CPC.
XV – A obrigação é emergente da livrança. O direito incorporado ao título existe por si só e é desvinculado da relação jurídica subjacente.
XVI – Não verificados quaisquer dos pressupostos que motivam o indeferimento liminar (determinados no artigo 726.º, n.º 2, do CPC) a decisão consentânea ao direito será o despacho de citação do executado (artigo 726.º, n.º 6, do CPC).
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a sentença em crise ser revogada e proferido despacho de citação dos executados de acordo com o artigo 726.º, n.º 6, do CPC».
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à questão do indeferimento liminar.
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III – Dos factos com interesse para a justa resolução do recurso:
Os factos com interesse para a justa resolução do recurso são aqueles que são referidos no relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artigos 2.º e 10.º, nºs 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil).
A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo. Ou seja, é exigência legal a existência de um documento que formaliza a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artigo 10.º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil).
Para Lebre de Freitas o título constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu
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