Acórdão nº 795/07.0TMLSB-C.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-23

Ano2023
Número Acordão795/07.0TMLSB-C.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa

ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO[1]

JB deduziu embargos de executado e oposição à penhora por apenso à execução que lhe foi movida por LNW, pedindo a sua absolvição do pedido executivo e o levantamento das penhoras.
Alegou:
- por força da sentença datada de 16/03/2012 e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2013, ficou obrigado a pagar, a título de alimentos à filha menor, LB, a pensão mensal de € 300,00 desde 08/05/2008, mediante cheque, depósito ou transferência para conta bancária da mãe, até ao dia 5 de cada mês;
- a mãe não informou o número das contas bancárias, em Portugal ou na Alemanha;
- a mãe não informou qualquer morada na Alemanha para onde o pai pudesse enviar cheque ou outro meio de pagamento;
- o pai nunca mais contactou com a filha desde que a mãe a levou para a Alemanha, desconhecendo, desde maio de 2008, tudo o que à mesma diga respeito, incluindo onde mora;
- enviou cartas e lembranças à filha por altura do seu aniversário e do natal, desconhecendo se as recebeu;
- as importâncias que o exequente alega ter pago nos termos da UVG – lei alemã relativa à concessão de adiantamentos de pensões de alimentos, não correspondem aos alimentos devidos à filha menor, sendo que a 21/05/2008 ainda corria termos a ação de regulação de responsabilidades parentais, onde não estava fixada obrigação alimentícia;
- o embargado não está a executar a decisão proferida no tribunal português mas antes a reclamar pagamentos eventualmente feitos pelo serviço de apoio a crianças, jovens e escola da cidade de Aachen, de 21/05/2008 a 12/2014, sendo as decisões administrativas aí proferidas que constituirão o título executivo, que são prestações sociais, sendo que não interveio nesse processo, tendo-lhe apenas sido remetida uma notificação a 21/05/2008, escrita em alemão;
- as prestações em apreço estão prescritas porquanto decorreram mais de 5 anos entre o último pagamento, maio de 2014, e a data da propositura da ação executiva, 02.10.2020.
Contestando, a embargada alega:
- a mãe da menor informou a morada da Alemanha na ação de regulação das responsabilidades parentais;
- as decisões ora dadas à execução são aquelas que foram proferidas pelos tribunais portugueses naquele processo;
- o valor das pensões de alimentos pagas pelo exequente não é equivalente ao valor da pensão que veio a ser posteriormente fixada pelos tribunais portugueses porque foi fixado nos termos da lei alemã, a UVG, e calculada com base nas necessidades de subsistência da menor e de acordo com uma tabela pré definida (Düsseldorf);
- os adiantamentos de pensões de alimentos são concedidos logo que verificadas as condições de atribuição previstas na UVG desde que o progenitor legalmente obrigado a prestar alimentos não contribua para o sustento da menor, não dependendo da fixação prévia da obrigação de alimentos por sentença/decisão judicial na medida em que o Estado alemão age por antecipação;
- o valor pago à menor a partir de maio de 2008 corresponde à pensão alimentar mínima em vigor na altura (€125,00), conforme notificação/comunicação enviada ao executado em 21/05/2008; e por fim, que a diferença dos valores pagos entre maio de 2008 a maio de 2014 resulta de alterações na tabela/mudança de escalão etário (1º - dos 0 aos 5 anos; 2º - dos 6 aos 11 anos), sendo que, à data, os adiantamentos só eram pagos até ao ano do 12º aniversário da menor, podendo ser objeto de cobrança coerciva segundo a UGV.
Cumprido o demais legal, houve audiência de julgamento após a qual foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos por inexistir título executivo.
O Embargado interpôs o presente recurso dessa sentença e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
1. Informando a progenitora aos autos a morada da Alemanha na ação de regulação das responsabilidades parentais e pelos motivos supramencionados, salvo melhor opinião e com o devido respeito, não lhe pode assistir qualquer razão.
2. Sem prejuízo do devido respeito o Tribunal recorrido não considerou que as decisões ora dadas à execução são aquelas que foram proferidas pelos tribunais portugueses no processo de regulação das responsabilidades parentais nº 795/07, que servem de suporte enquanto títulos executivos, à presente execução, nos termos dos artigos 2.º, 1 e 20.º do Regulamento (CE) 4/2009 e não as decisões do Fachbereich Kinder, Jugend und Schule der Staadt Aachen (Serviço de Apoio a Crianças, Jovens e Escola da cidade de Aachen), num processo administrativo promovido ao abrigo da UVG alemã.
3. A intervenção do Estado alemão é subsidiaria e é esta característica de subsidiariedade que explica a sub-rogação legal do Estado alemão, enquanto entidade pública, na posição do credor, o menor, e lhe permite “(…) reclamar o reembolso das prestações fornecidas ao credor a título de alimentos.
4. Ora, tendo pago os adiantamentos de pensões de alimentos ao abrigo da UVG alemã, o Exequente, sub-rogado nos direitos da menor, vem, ao abrigo do Regulamento (CE) 4/2009 do Conselho (v. artigo 64º), reclamar o reembolso das prestações pagas, na exacta medida do que foi pago, executando as referidas decisões judiciais.
5. Através da figura sub-rogação legal, que a lei alemã (UVG) expressamente prevê para os casos de pagamento de adiantamentos de prestações de alimentos.
6. Cumpre também referir que o valor das pensões de alimentos pagas pelo exequente tem valores distintos porque o valor das pensões de alimentos pagas pelo Exequente foram fixados nos termos da UVG, calculados com base nas necessidades de subsistência da menor e de acordo com uma tabela pré-definida.
7. Quanto à natureza da obrigação parental e do dever do Estado alemão, este norteado por factores de ordem social e constitucional de protecção da infância e bem-estar das crianças – daí, as pensões de alimentos concedidas ao abrigo da UVG não deverem ser consideradas pensões de alimentos stricto sensu, mas prestações sociais.
8. Conclui-se que a intervenção do Estado alemão é, aqui, subsidiária – age em substituição do progenitor inadimplente, legalmente obrigado. Através da figura da sub-rogação legal, permitindo ao requerente o direito de sub-rogação do Estado nos direitos da menor.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser proferido douto Acórdão que revogue o despacho recorrido e profira decisão no sentido de ser liminarmente indeferido o embargo deduzido pelo executado/embargante.
E assim se fará Justiça.
Foram apresentadas contra-alegações em que o Embargante defendeu o julgado, pediu a rejeição da impugnação da decisão de facto por não cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil e salientou não terem sido indicadas as normas violadas.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões do Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar da procedência dos embargos, face ao título apresentado em sede de requerimento executivo.

III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Impugnação
1.1. Como resulta da análise das conclusões de recurso, delas não consta a discriminação de pontos da decisão de facto que o Recorrente pretende sejam alterados.
Nas suas alegações exprime, contudo, a sua discordância quanto aos pontos da sentença julgados provados sob 5 a 8. Para além de assim discordar, não indica os meios de prova em que funda tal discordância.
1.2. O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, estabelece que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição os (i) concretos pontos de facto, os (ii) concretos meios probatórios e a (iii) decisão que deve ser proferida.
O artigo 639.º estabelece o ónus de alegar e concluir que incumbe ao Recorrente estatuindo que a conclusão das alegações deve conter de forma sintética a indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou a anulação da decisão.
Da conjunção daquelas normas resulta que a indicação dos concretos pontos de facto que a Recorrente pretende ver reapreciados deve constar das conclusões de recurso delimitando o seu objecto, sabido que é que as conclusões constituem o pedido recursório e delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso.
Nas palavras do Supremo Tribunal de Justiça[2]:
Depois de se estabelecer, no art.º 639º do CPC, que o recorrente deve apresentar uma alegação, onde explane os fundamentos pelo que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, a qual deve ser rematada com conclusões que sintetizem esses fundamentos (enumerando mesmo o conteúdo mínimo dessas conclusões relativamente à matéria de direito no seu nº 2), a lei processual estabelece no seu art.º 640º que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, em acréscimo às exigências do art.º 639º , proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo, e ao contrário do estabelecido no artigo precedente, fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação.
No que a tal concerne, tendo em consideração a dupla função das conclusões da alegação – síntese dos fundamentos e concomitante delimitação objectiva do recurso – tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art.º
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