Acórdão nº 7939/20.5T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-23

Ano2023
Número Acordão7939/20.5T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº7939/20.5T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 3)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA e BB instauraram acção declarativa comum contra “C..., Lda.” pedindo a condenação da ré a devolver aos autores o montante de € 35.000,00, por estes pago a ela a título de sinal, acrescido de juros de mora à taxa comercial a contar desde 24/4/2020, e a pagar a cada um dos autores montante não inferior a € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros desde o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida até efectivo e integral pagamento.
Alegaram para tal, em resumo, o seguinte:
- em 26.06.2019, celebraram com a R. um contrato promessa de compra e venda no qual assumiram a qualidade de promitentes-compradores relativamente dois imóveis que identificam (fracções autónomas destinadas a habitação, tipo T0), tendo acordado que o preço de aquisição dos mesmos totalizaria €350.000,00 (correspondendo €167.500,00 a um e €182.500 a outro);
- aquando da celebração do referido contrato promessa, entregaram à R., a título de sinal, o montante de €35.000,00€ (trinta e cinco mil euros);
- a R. prometeu vender aos AA. os imóveis, em partes iguais, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades;
- conforme previsto na Clausula Terceira do contrato promessa, a escritura pública de compra e venda seria celebrada logo que estivessem concluídas as obras no prédio e nas fracções e que toda a documentação respeitante às fracções estivesse na devida ordem, o que se previa tivesse lugar até 31 de Dezembro de 2019;
- convencionaram ainda as partes, sob o nº5 da cláusula Terceira daquele contrato, que “Se a escritura pública ou o documento particular de compra e venda não for outorgado até 31 de Dezembro de 2019, por motivos não imputáveis às Partes, têm os Segundos Contraentes o direito de resolver o presente contrato, por carta registada com aviso de recepção, e de serem reembolsados de todos os montantes pagos ao abrigo do mesmo, em singelo, no prazo de 8 (oito) dias após notificação para o efeito”;
- em 15.04.2020, considerando que até tal data não tinham sido notificados para a realização da sobredita escritura de compra e venda, decidiram resolver o contrato promessa nos termos daquele n.º 5 da cláusula Terceira, tendo para o efeito remetido uma carta registada com aviso de recepção à R., informando-a da sua decisão de resolver o mesmo com efeitos imediatos e solicitando a devolução em singelo do sinal entregue no montante de €35.000,00€ (trinta e cinco mil euros), no prazo de 8 (oito) dias após a recepção da aludida comunicação;
- tal carta de resolução foi recebida pela R. no dia 16.04.2020;
- apesar de o prazo para a devolução do sinal ter já terminado no dia 24.04.2020, não foi devolvido qualquer montante aos AA.;
- os AA. encontram-se devastados e sentem-se impotentes para resolver a presente situação, tanto mais que se encontram a residir na Africa do Sul; a atitude da R. em negar a devolução do sinal aos RR tem afectado a sua tranquilidade, bem-estar físico e psíquico, causando insónias à 2.ª A. e consequentemente fadiga, angústia, sofrimento moral e até físico, e provocando angústia e sofrimento ao 1.º A., que se sente impotente e incapaz de acalmar a sua companheira e de resolver esta situação.
A Ré apresentou contestação e nela formulou reconvenção, aduzindo, nomeadamente, o seguinte:
- a carta enviada pelos AA. em 15 de Abril de 2020 foi para si uma completa e total surpresa, pois os AA. bem sabiam das razões do atraso na realização da escritura e conformaram-se sempre com os mesmo;
- os AA. sempre se conformaram com a não realização da escritura pública até 31 de Dezembro de 2019, e em momento algum lhe comunicaram o seu desconforto com tal situação e que pretendiam resolver o contrato, tendo por isso referido em carta datada de 24/4/2020 que enviou aos AA. que não aceitava a resolução do contrato efectuada por aqueles;
- entretanto, no dia 27 de Julho de 2020 enviou carta registada com aviso de recepção aos AA. em que lhes comunicou que a escritura pública de compra e venda das fracções autónomas em causa estava agendada para o dia 18 de Agosto de 2020 pelas 15h no Cartório Notarial da Dra. CC, sito à Av. ..., ... Porto;
- tal carta não obteve qualquer resposta;
- os AA. não compareceram à escritura publica de compra e venda agendada para aquele dia, sendo certo que a Ré possuía toda a documentação necessária para a outorga da mesma;
- que aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda com os AA. liquidou à imobiliária que angariou os clientes (X... ) a quantia de € 21.525,00 e a outra sociedade que a assessorou também na gestão da venda das fracções a quantia de € 4.305,00, comissões estas que foram liquidadas na plena convicção de que o contrato promessa de compra e venda celebrado com os AA. iria ser cumprido pelos mesmos, pois apesar da cláusula existente no contrato promessa os AA. nunca demonstraram qualquer intenção ou propósito de não celebrar a escritura definitiva apesar de o prazo de 31 de Dezembro de 2019 estar ultrapassado;
- é claramente abusiva a resolução contratual efectuada pelos AA., pois estes sempre foram avisados e informados do andamento do licenciamento do imóvel e conformaram-se com o mesmo, tendo apenas e só em Abril de 2020 (em plena COVID), sem que nada o fizesse esperar, enviado a carta de resolução, ocorrendo por isso abuso do direito e que, por isso, não deve ser atendida a resolução contratual pretendida pelos mesmos;
- que, em virtude de não terem respondido à sua carta de 27 de Julho de 2020 e não terem comparecido à escritura por si marcada para 18 de Agosto de 2020, ocorre incumprimento dos AA. e demonstração pelos mesmos de falta de interesse no cumprimento do contrato promessa, devendo ser considerado resolvido tal contrato por culpa exclusiva dos aqui AA. e, em consequência, perderem o valor do sinal entregue de € 35.000,00, o que peticiona em sede de reconvenção.
Os AA. apresentaram réplica, pugnando pela improcedência da excepção de abuso do direito e pela improcedência da resolução do contrato formulada pela Ré, alegando, nomeadamente, que a missiva de 27 de Julho de 2020 remetida pela Ré não foi recebida pelos Autores pois foi enviada para o seu ex-mandatário e que quando a Ré enviou tal carta para o agendamento da escritura pública de compra e venda já havia sido citada para a presente acção (o aviso de recepção referente à sua citação foi assinado no dia 2/07/2020). Terminam pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa a fixar pelo tribunal e em indemnização aos AA., de valor a definir em liquidação de sentença, para reembolso das despesas e demais prejuízos por estes sofridos como consequência directa ou indirecta da má-fé.
A Ré, invocando o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do CPC, apresentou resposta, alegando que na carta por si enviada aos AA. em 27/7/2020 limitou-se a cumprir o vertido no número um da cláusula sétima do contrato promessa: “As comunicações entre as partes consideram-se efectuadas após o oitavo dia da expedição por correio registado para os endereços constantes deste contrato, devendo as comunicações à Primeira Contraente ser dirigidas aos seus escritórios e as dirigidas aos Segundos Contraentes para o domicílio profissional do seu procurador substabelecido”. Nela pediu a condenação dos AA. como litigantes de má-fé, em multa e numa indemnização a si de valor não inferior a € 3.000,00.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e subsequente despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sequência do mesmo sido proferida sentença em que se decidiu nos termos seguintes (transcreve-se):
Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente provada e procedente e, em consequência, considerando que o contrato promessa celebrado em 26 de junho de 2019 foi validamente resolvido pelos autores, condeno a ré C..., Lda. no pagamento aos autores AA e BB da quantia de € 35.000,00, a título de restituição do sinal pago, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa que em cada momento vigorar por força da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil, ou seja, actualmente à taxa de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08/04), sem prejuízo de outra que venha a vigorar, a partir de 25-04-2020, e até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado.
Julgo a reconvenção não provada e improcedente, absolvendo os autores/reconvindos AA e BB do pedido reconvencional deduzido pela ré C..., Lda..
Julgo improcedentes os pedidos de condenação como litigantes de má-fé deduzidos por ambas as partes.
Custas da ação a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.
Custas da reconvenção a cargo da ré/reconvinte.

De tal sentença veio interpor recurso a Ré, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. A sentença recorrida considerou a acção parcialmente procedente e “em consequência, considerando que o contrato promessa celebrado em 26 de junho de 2019 foi validamente resolvido pelos autores, condeno a ré C..., Lda. no pagamento aos autores AA e BB da quantia de € 35.000,00, a título de restituição do sinal pago, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa que em cada momento vigorar por força da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil, ou seja, atualmente à taxa de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08/04), sem prejuízo de outra que venha a vigorar, a partir de 25-04-2020, e até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado “., e julgou a reconvenção não provada e improcedente e por isso absolveu os autores/reconvindos AA e BB do pedido reconvencional deduzido pela aqui recorrida.
2. A aqui recorrente
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT