Acórdão nº 791/22.8 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-03-2023

Data de Julgamento23 Março 2023
Ano2023
Número Acordão791/22.8 BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Requerente, J…, Inspetor Chefe do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a 25.11.2022, que indeferiu o pedido de decretamento da providência cautelar contra o Ministério da Administração Interna, de suspensão de eficácia do ato que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão de exercício de funções públicas por 60 dias, no âmbito processo disciplinar n.º PND/39/2020.

Em sede de alegações de recurso, concluiu como se seguecfr. fls. 3761 e ss., do SITAF:

«(…)

1º Para a prova dos pontos B) a I) da matéria de facto, o Tribunal a quo invoca o disposto no artigo 412º, nºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi pelo disposto no artigo 1º do CPTA;

2º No ponto D) da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo julgou como provado que «[e]m 12 de março de 2020, o Requerente esteve ao serviço no EECIT, cuja gestão compete ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras», sendo tal factualidade inverídica, cf. os pontos 28., 49., 73., 77., 78. e 78.1 da matéria de facto do ato suspendendo;

3º De facto, as partes não divergem que, em 12.03.2020, o Recorrente encontrava-se de serviço na 1ª linha de controlo documental, na zona das partidas do Aeroporto de Lisboa, tendo ali permanecido até ao final do seu turno, pelas 15h00, e que o Recorrente não teve intervenção direta com I….

4º Não é notório ou do conhecimento geral que o Recorrente tenha estado ao serviço no EECIT do Aeroporto de Lisboa em 12.03.2020, nem tal poderá ser do conhecimento do Tribunal a quo por virtude do exercício das suas funções, desde logo, porque é inverídico, mas também porque o Tribunal a quo não cumpriu o disposto na parte final do artigo 412º, nº 2, do CPC, aplicável ex vi pelo disposto no artigo 1º do CPTA, invocado na douta Sentença recorrida;

5º Nos limites da tarefa de reexame da matéria de facto pelo Tribunal ad quem, os elementos documentais constantes e ausentes dos autos fornecem resposta inequívoca em sentido diverso daquele que foi considerado pelo Tribunal a quo, impondo-se, para a reposição da verdade, a alteração do ponto D) da matéria de facto provada, dele passando antes a constar que:

«Em 12 de março de 2020, o Requerente esteve ao serviço na 1ª linha de controlo documental de passageiros e das partidas do Aeroporto de Lisboa, onde permaneceu até ao final do turno, não tendo estado ao serviço no EECIT nem tendo tido intervenção direta com I… _ por acordo»;

6º Os factos ínsitos nos pontos C), E), F), G), H) e I) da matéria de facto provada pelo Tribunal a quo não se mostram alegados pelas partes, não são relevantes para a boa decisão da causa, não constituem factos notórios ou do conhecimento geral e nem sequer se encontram documentalmente provados nos autos, nos termos do invocado artigo 412º, nº 2, in fine, do CPC, aplicável ex vi pelo artigo 1º do CPTA;

7º A factualidade relevante para a decisão do processo cautelar sub judice é apenas aquela que se poderá subsumir ao disposto no artigo 120º, nºs 1 e 2, do CPTA, rejeitando-se a demais matéria que não releve para tal;

8º Com todo o respeito, afigura-se absolutamente irrelevante para a decisão a proferir nos autos cautelares a idade do cidadão I…, à data do seu falecimento, ou que o seu óbito foi declarado às 18h40 pelo INEM [cf. o ponto C) da matéria de facto], a circunstância de os Inspetores D…, L… e B… tenham sido detidos pela Polícia Judiciária, em 30.03.2020, por “fortes indícios” da prática de homicídio [cf. o ponto E) da matéria de facto], a dinâmica dos factos ocorridos no EECIT, «[s]egundo o Ministério Público» [cf. os pontos F) e G) da matéria de facto] e, bem assim, o desfecho dos recursos judiciais interpostos pelos referidos Inspetores, tanto na Relação de Lisboa como no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito de processo em que o Recorrente não é arguido nem sequer interveniente processual [cf. os pontos H) e I) da matéria de facto];

9º Apesar do mediatismo em torno do processo-crime referido naqueles pontos da matéria de facto, os mesmos não são do conhecimento generalizado dos cidadãos, não sendo os mesmos do conhecimento Tribunal a quo por virtude do exercício das suas funções;

10º O vertido nos pontos C), E), F), G), H) e I) da matéria de facto não se poderá manter, pelo que deverá aquela matéria ser suprimida por este Tribunal ad quem;

11º No ponto S) da matéria de facto, decidiu ainda o Tribunal a quo, invocando o disposto no artigo 118º, nº 2, do CPTA, julgar provado que «[p]or referência aos factos sob escrutínio no âmbito do processo disciplinar nº PND/39/2020, o Requerente não foi acusado, pronunciado ou condenado em sede do processo-crime nº 2863/20.4T9LSB», quando o Recorrente havia alegado no artigo 15º do seu requerimento inicial que «[c]om referência aos factos sob escrutínio no processo disciplinar nº PND-39/2020, em momento algum foi o Requerente acusado, pronunciado ou condenado em qualquer processo-crime» e não só no processo nº 2863/20.4T9LSB;

12º Compulsada a oposição do Recorrido, este nada disse quanto ao alegado no artigo 15º do requerimento inicial do Recorrente;

13º Se o Tribunal a quo baseia a sua decisão na presunção de verdade decorrente da falta de oposição do Recorrido ao alegado pelo Requerente no artigo 15º do seu requerimento inicial, nos termos do disposto no artigo 118º, nº 2, do CPTA, salvo melhor opinião, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o ali alegado pelo Recorrente, sob pena de subversão do silogismo jurídico adotado;

14º Ao tê-lo feito, com todo o respeito, a douta decisão recorrida incorre em erro de facto, impondo-se a este Tribunal ad quem a substituição do teor do ponto S) da matéria de facto, dele passando a constar:

«Com referência aos factos sob escrutínio no processo disciplinar nº PND-39/2020, em momento algum foi o Requerente acusado, pronunciado ou condenado em qualquer processo-crime _ cfr. artigo 118º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos»;

15º O Tribunal a quo omitiu da sua decisão de facto (não o dando sequer como não provado) o alegado pelo Recorrente no artigo 22º do seu requerimento inicial, i.e., a estimativa de despesas variáveis a título de combustível (€ 100,00/ mês), portagens (€ 15,00/ mês), vestuário (€ 100,00/ mês) e despesas com alimentação (€ 400,00/ mês), alegação de facto que não mereceu a oposição do Recorrido;

16º Conforme vem entendendo a jurisprudência, pelo seu carácter notório, mesmo do senso comum, decorrente até da ordem natural das coisas e da normal experiência daquilo que é vivência na sociedade em que nos inserimos, à luz do artigo 412º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi pelo disposto no artigo 1º do CPTA, o Recorrente terá de suportar mensalmente, nomeadamente, despesas com alimentação, vestuário, calçado e transporte;

17º Nos termos do disposto no artigo 118º, nº 2, do CPTA, na interpretação sustentada pelo Tribunal a quo, e por ser notório e do senso comum, deverá ser dado como provado por este Tribunal ad quem, aditando-se a correspondente factualidade à douta Sentença recorrida, que:

«O Requerente tem despesas variáveis mensais no valor estimado de € 615,00 _ cfr. artigo 412º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aqui aplicável por via da remissão operada pelo artigo 1º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 118, nº 2, deste último diploma legal».

18º O Tribunal a quo não logrou apreender que desde março de 2020 e até à instauração da providência cautelar dos autos (i.e., durante mais de dois anos e meio), o Recorrente manteve-se plenamente em funções no Aeroporto de Lisboa, nunca tendo o Recorrido o suspendido preventivamente de funções na pendência do processo disciplinar;

19º Salvo melhor opinião, por resultar da discussão da causa e por ser instrumental para demonstrar que o Recorrido não teve motivos para, ao longo do processo disciplinar, afastar o Recorrente das funções desempenhadas no Aeroporto de Lisboa, dada a sua indiscutível relevância na ponderação a que se refere o disposto no artigo 120º, nº 2, do CPTA, deveria o Tribunal a quo ter julgado provada tal factualidade, ao abrigo do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea b), do CPC, aplicável ex vi pelo disposto no artigo 1º do CPTA;

20º Deverá, pois, o Tribunal ad quem aditar à matéria de facto que:

«Entre março de 2020 e a instauração da providência, o Requerente não foi suspenso das suas funções, mantendo as mesmas funções no Aeroporto de Lisboa que desempenhava à data dos factos sob apreciação naquele processo – cfr. PA»;

21º Como ensina a doutrina e a jurisprudência maioritária, o critério negativo do artigo 120º, nº 2, do CPTA refere-se à ponderação de danos ou prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da concessão da providência cautelar, reconduzindo-se a questões de facto por via de regra;

22º Impõe-se ao Tribunal a quo que emita um juízo triplo, dois de prognose sobre as consequências danosas concretas do resultado de adoção ou recusa da providência e um último de conclusão comparativa, em que um se sobrepõe ao outro em face da extensão desses danos ou prejuízos;

23º Ao pronunciar-se sobre o periculum in mora, o Tribunal a quo pronunciou-se efetivamente sobre os prejuízos para os interesses privados dos Recorrente, caracterizados na douta Sentença recorrida como de difícil reparação, alicerçando a sua decisão sobre a matéria de facto dos pontos T), U) e V) e tendo-os «inferido do juízo de prognose levado a cabo à luz dos factos apurados»;

24º Da douta Sentença recorrida não constam como provados (ou não provados) quaisquer factos referentes à identificação de danos ou prejuízos para os...

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