Acórdão nº 789/12.4TBAMT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão789/12.4TBAMT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 789/12.4TBAMT-A.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. Em 2012, o Banco 1..., SA instaurou execução contra AA e BB, entre outros, pelo valor de € 67.289,69.
Como título executivo apresentou uma escritura pública de mútuo, com hipoteca e fiança, que se havia destinado à compra de habitação; alegou que os Executados deixaram de pagar as prestações acordadas, tendo o contrato sido resolvido. Os Executados AA e BB foram acionados na qualidade de fiadores de todas as obrigações dos mutuários, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.
A execução prosseguiu os seus termos, o imóvel foi vendido e, ainda que sem pagamento integral da quantia exequenda, a execução foi declarada extinta em 2017, nos termos do art.º 750º nº 2 do Código de Processo Civil (CPC).
Em dezembro de 2020, os Executados AA e BB vieram suscitar incidente de falta e nulidade da sua citação, pedindo a declaração de nulidade de todo o processado posterior ao requerimento executivo. Em resumo, invocaram que toda a execução correu à sua revelia, que apenas dela tiveram conhecimento já depois dos autos estarem findos e na sequência de diligências efetuadas depois de terem sido citados para uma ação pauliana que corre termos pelo Juízo Local Cível de Amarante; que são emigrantes em Andorra, onde vivem há cerca de 30 anos e deslocando-se a Portugal apenas nas férias de Verão; que nunca residiram nas moradas onde se tentou a citação pelo que, a posterior citação edital não respeitou as formalidades legais.
A Exequente respondeu, suscitando a extemporaneidade desse pedido.
Em 2021 o M.mº Juiz julgou o incidente improcedente, com a seguinte fundamentação:
«A nulidade da citação é legalmente tratada segundo duas modalidades: a falta de citação, que vem prevista nos arts. 187.º a 190.º do NCPC; e a nulidade da citação propriamente dita, por preterição de formalidades impostas por lei, que vem prevista no art. 191.º do NCPC.
Quanto ao prazo para a arguição da falta de citação, prevê o art. 198.º, n.º 2, do NCPC, complementado, quanto ao processo executivo, pelo art. 851.º, n.ºs 1 e 3, do NCPC, que a nulidade por falta de citação pode ser suscitada a todo o momento, enquanto o processo corra à revelia do citando e tal nulidade não se considere sanada.
No que concerne à sanação da falta de citação, dispõe o art. 189.º do NCPC, que, “se o réu…intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”, sendo que se deve entender por «intervenção no processo» qualquer ato susceptível de por termo à revelia e que, no fundo, revele, através de intervenção processual, que o réu passou a ter conhecimento da pendência do processo. No conceito de intervenção processual relevante para este efeito, integram-se quaisquer atos processuais, nomeadamente a apresentação de contestação/embargos e incluindo a mera junção de procuração a favor de mandatário judicial, pois tal tem a virtualidade de fazer cessar a revelia, como resulta dos arts. 566.º e 567.º do NCPC. Daí que, se o réu/executado deduzir embargos e/ou juntar procuração a favor de mandatário judicial sem arguir logo a falta de citação, a nulidade daí decorrente considera-se sanada – neste sentido, entre outros, Ac. RP de 25.11.2013, proc. 192/12.6TBBAO, em www.dgsi.pt.
Acresce que, atento o disposto no art. 851.º do NCPC, cuja formulação do texto legal poderá suscitar interpretação no sentido de a invocação da nulidade da citação poder ocorrer a todo o tempo, importa frisar que, segundo a interpretação que se reputa de correta e coerente com todo o sistema, a possibilidade de invocação da nulidade da citação aqui prevista, se é certo que se verifica a todo o tempo, ainda assim depende de um requisito essencial (para além da própria falta/nulidade da citação), que é de que o executado esteja em situação de revelia, como resulta do n.º 1 do preceito legal – já Alberto dos Reis assim o defendia, por referência ao anterior e idêntico art. 921.º do CPC, conforme explanou em “Processo de Execução”, volume 2º, Coimbra Editora, 1982, p. 441. E, aliás, nem outra solução se reputa de razoável, pois interpretação contrária que viabilizasse que a nulidade da citação pudesse ser invocada muito depois de o executado ter conhecimento do processo e/ou de nele ter tido intervenção permitiria o absurdo de, sem razão que não fosse acolher o interesse do executado em provocar a anulação de todo um processo simplesmente quando o decidisse fazer e assim evitar os prejuízos do mesmo, se eternizar a hipótese de anulação do processo executivo.
Daí que, cessando a revelia do executado, cessa também a possibilidade de o executado arguir a falta/nulidade da citação “a todo o tempo”, tendo de se limitar aos prazos legais daquela arguição.
Além disso, nesta mesma sequência argumentativa, a situação de “revelia” a que o art. 851.º do NCPC atribui relevância, na perspetiva de a nulidade da citação poder ser invocada a todo o tempo (e não só no prazo normal de invocação de nulidades, nos termos dos arts. 149.º e 199.º do NCPC), deve, até pelas diferenças existentes entre as ações declarativas e executivas, ser interpretada de forma restritiva, no sentido de abranger apenas as situações em que não seja razoável exigir ao executado que, em face do ato da citação e/ou dos demais atos em que seja visado, conheça a pendência da execução contra si e a nulidade da citação, ou seja, as situações em que o executado, não só não intervém no processo por alguma forma, como também para ele não tenha sido citado ou notificado de outro ato de molde a poder conhecer a nulidade. Aproveitando as palavras expostas na argumentação do Ac. STJ de 05.06.2012 (proc. 409/10.1TCFUN, em www.dgsi.pt), “a não se entender assim, criar-se-ia uma insuportável situação de incerteza e prolongada insegurança na ordem jurídica, ao permitir-se que, durante décadas…se pudessem vir invocar pretensos vícios de uma anterior citação…”, entendendo o presente tribunal que tal é inadmissível quando, seja pelo ato de citação ocorrido, seja por atos subsequentes, o interessado não poderia ter deixado de se aperceber da execução e da alegada nulidade.
Prosseguindo, a falta da citação considera-se sanada se o executado intervier no processo sem arguir logo a falta da citação, admitindo-se que a expressão “logo”, pelo menos quando esteja em causa a intervenção por mera junção de procuração a favor de advogado, deva ser entendida no sentido do prazo geral da prática de atos, ou seja, no prazo de 10 dias, nos termos do art. 149.º, n.º 1, do NCPC.
Nesta parte, importa salientar que, se é verdade que alguma jurisprudência recente tem vindo a sustentar que a mera junção de procuração já não deve ser entendida como intervenção relevante no processo, para os efeitos em causa, o certo é que tal contraria a globalidade da jurisprudência até agora conhecida e, no entender do tribunal, não deve ser acolhida.
Na verdade, a tese de que se impõe uma “interpretação atualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique direta e necessariamente a preclusão da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação”, parte, no entender do presente tribunal: por um lado, de uma premissa que não se verifica na realidade, ou seja, de que a tramitação eletrónica dos autos alterou a possibilidade de consulta do processo, passando a ser imprescindível a junção de procuração prévia; e, por outro lado, porventura, duma interpretação diferente da expressão “logo” referida no art. 189.º do NCPC.
Em primeiro
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