Acórdão nº 787/21.7T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-04

Ano2022
Número Acordão787/21.7T8VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n. 787/21.7T8VFR.P1– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

AA propôs contra BB, ambos com os sinais dos autos, acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que, realizada a tentativa de conciliação nos termos dos artigos 1779.º do C.C. e 931.º, n.º 1, do C.P.C., foi convertida em divórcio por mútuo consentimento. Não tendo sido obtido acordo relativamente à atribuição de casa de morada de família (excepto quanto a ficar a guarda dos quatro animais de companhia atribuída ao cônjuge a quem a casa de morada de família for atribuída) nem quanto ao pedido de pensão de alimentos a liquidar pelo réu, prosseguiram os autos nessa parte, tendo as partes sido notificadas para, querendo, no prazo de 10 dias, alegarem e oferecerem prova.
A autora alegou, em síntese, que se encontra actualmente desempregada, sendo-lhe difícil, atenta a sua idade e o facto de não ter habilitações literárias, reingressar no mercado de trabalho, vivendo, apenas, com a quantia de € 600,00 mensais, provenientes das rendas de dois apartamentos que compõem o património conjugal, insuficiente para manter uma existência condigna. Por sua vez o réu, explorando uma empresa de carpintaria, tem rendimentos muito superiores aos declarados, em quantia nunca inferior a € 2.000,00, tendo, por isso, capacidade para suportar uma pensão de alimentos no valor de € 400,00 mensais. Quanto à casa de morada de família, deve o seu uso ser-lhe atribuído, pelo menos até à partilha, uma vez que não tem meios para suportar os custos de uma casa arrendada, para além de ser uma pessoa doente.
Por sua vez, o réu alegou, no essencial, que a autora não carece de qualquer pensão de alimentos, porquanto, pese encontrar-se desempregada, é herdeira de um vasto património avaliado em cerca de € 4.000.000,00, a que acrescem as rendas dos imóveis que o compõem, geridas, exclusivamente pela autora. Quanto aos rendimentos por si auferidos, contrariamente do alegado pela autora, não ultrapassam o salário mínimo nacional, pelo que jamais teria possibilidade de liquidar qualquer quantia a esse título. Sustenta ainda que o uso da casa de morada de família lhe deverá ser atribuído, porquanto a filha do casal também aí vive e pretende manter-se a residir consigo e porque a mesma se situa no mesmo terreno da empresa na qual trabalha, existindo conveniência em continuar ali a residir.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que decidiu:
a) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de fixação de uma pensão de alimentos formulado pela autora, dele se absolvendo o réu;
b) Atribuir ao réu, até à partilha dos bens do casal, o direito à utilização da casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ..., freguesia ... e como contrapartida pelo gozo exclusivo de tal casa e decorrente do arrendamento que ora se constitui, a obrigação de pagamento mensal da quantia relativa à amortização do empréstimo contraído para aquisição da casa e seguros associados, no valor de € 280,00; e
c) Atribuir ao réu a guarda dos quatro animais de companhia, ficando este responsável pelo seu sustento e bem-estar.
Inconformada, interpõe a autora recurso de apelação da decisão, formulando as seguintes conclusões:
I - A M. Juiz não podia ter valorado o depoimento da testemunha CC no sentido de fundamentar a decisão de dar como provado que é a Autora quem administra o património da Herança do seu falecido pai, recebendo mensalmente a esse título a quantia de €1.000,00- ponto 22 da matéria de facto dada como provada- devendo esse facto ser alterado para não provado;
II- Tal conclusão tem por base o confronto das declarações da mãe e da irmã da Recorrente que deveriam ter merecido total credibilidade à M. Juiz; enquanto que o depoimento da filha da recorrente, CC, deveria ter sido desconsiderado por ser um depoimento parcial de quem está de relações cortadas com a mãe e com uma versão dos factos completamente alinhada com os articulados do aqui recorrido, seu pai.
III- Apesar de se aceitar que não se conseguiu fazer prova cabal do valor das despesas de alimentação, vestuário e calçado- são despesas de difícil contabilização- o certo é que se dividirmos os €150,00 de despesas de alimentação por duas refeições diárias, num mês que tenha 30 dias, é fácil chegar-se à conclusão que cada refeição (almoço e jantar- já não se entrando em conta com o pequeno almoço e o lanche) é de €2,50 por refeição, valor por demais insuficiente para uma alimentação minimamente digna, razão por que deveria ter dado como provado os valores das despesas identificadas no ponto B da matéria de facto dada como não provada.
IV- Tal alteração resulta das regras da experiência comum conjugado com o facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária.
V- A discordância da Recorrente com a matéria de facto dada como não provada prossegue com o facto da M. Juiz a quo ter dado como não provado o ponto C dos factos, ou seja, que a Recorrente vê-se obrigada a pedir ajuda monetária à sua mãe por não conseguir fazer face às suas despesas, razão por que deveria ter dado como provado a matéria constante do ponto C da matéria de facto dada como não provada.
VI- Tal alteração resulta do depoimento prestado pela mãe da Recorrente, DD.
VII- Apesar de ter sido enunciada a factualidade considerada provada e não provada, o M. Juiz a quo não apresentou fundamentos ou considerações de direito que pudessem justificar a análise de mérito que efectuou, uma vez que não enunciou a verificação ou não dos pressupostos objectivos e subjectivos da atribuição da casa de morada de família e da obrigação de prestar alimentos a cônjuge.
VIII- Neste caso, a M. Juiz a quo limitou-se a julgar sem fundamento as pretensões da ora Recorrente, sem que, para tanto, face à matéria de facto que considerou relevante, tenha efectuado a apreciação crítica e racional da prova produzida em que alicerçou a sua convicção, ou da questão sob o ponto de vista jurídico.
IX- A douta sentença recorrida é omissa quanto à apreciação e fundamentação jurídica decorrente dos factos que foram apurados, bem como quanto ao conteúdo do regime aplicável, não permitindo à Recorrente conhecer as premissas em que se baseou para julgar improcedente a acção em causa.
X- Assim, está a sentença ferida de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, sendo certo que o dever de fundamentação está constitucionalmente garantido no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
XI- De facto, ao contrário do concluído pela M. Juiz a quo, face ao quadro jurídico vigente e à prova produzida nos autos, deveriam as pretensões da Recorrente ter sido consideradas procedentes.
XII - Quanto ao pedido de alimentos formulado pela ora Recorrente, da leitura dos artigos 2003º, 2004º, 2016º, n.º 2 e 2016º-A do Código Civil resulta que são vários os critérios para decidir a atribuição de uma pensão de alimentos, mas que não se podem descurar nenhum para a boa decisão da causa.
XIII - E também aqui a decisão da Mº Juiz é insuficiente e errada, carecendo de fundamentação legal pois não analisa todos os critérios legais aplicáveis.
XIV - Quanto aos rendimentos da Recorrente não se considerou na fundamentação da decisão que o seu valor não foi apurado nem se isso seria suficiente para fazer face às despesas provadas que aquela tem.
XV- Assim, ponderados os vários critérios para decidir a atribuição da pensão de alimentos, outra decisão deveria ter sido tomada pelo Tribunal a quo, fixando à Recorrente uma pensão de alimentos proporcional às suas necessidades e às possibilidades do Recorrido para a pagar, tendo em conta a parte disponível dos seus rendimentos.
XVI- Deste modo, a M. Juiz a quo não fez qualquer exercício para aferir da proporcionalidade dos alimentos a prestar à Recorrente, tendo concluído pela falta de fundamento da pretensão sem ter ponderado quer os critérios subjectivos, quer os critérios objectivos legalmente exigidos nos mencionados artigos 2004º e 2016º-A.
XVII - Já quanto à atribuição da casa de morada de família, atento o disposto no artigo 1793º, n.º 1 do Código Civil, a argumentação que sustenta a decisão é inadequada e insuficiente para determinar a improcedência do pedido, pois que da leitura deste normativo resulta que o critério primordial a seguir para a boa decisão é a análise
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